Qualidades de Paulo como
missionário
Textos de Referência
2 Tm
2.1 Tu, pois, meu filho, fortifica-te na graça que há em
Cristo Jesus.
2 Tm
2.2 E o que de mim, entre muitas testemunhas, ouviste,
confia-o a homens fiéis, que sejam idôneos para também ensinarem os outros.
2 Tm
2.3 Sofre, pois, comigo, as aflições, como bom soldado de
Jesus Cristo.
2 Tm
2.4 Ninguém que milita se embaraça com negócios desta vida,
a fim de agradar àquele que o alistou para a guerra.
2 Tm
2.5 E, se alguém também milita, não é coroado se não militar
legitimamente.
Ajuda 1
Sofre Pelo Evangelho! (Texto de
Referência)
1. Passando a verdade
adiante (vs. 1 e 2)
Tu, pois, filho meu, fortifica-te na
graça que está em Cristo Jesus. 2 E o que da minha parte ouviste, através de muitas testemunhas,
isso mesmo transmite a homens fiéis e também idôneos para instruir a outros.
O primeiro capítulo termina com a
pesarosa referência que Paulo fez à generalizada deserção dos cristãos na
província romana da Ásia (1: 15). Onesíforo e sua casa talvez tenham
sido a única exceção. Agora Paulo insta com Timóteo para que ele se mantenha
firme, em meio à debandada geral. Esta é a primeira de uma série de exortações
similares na carta, que começam com su oun ou su de, "tu,
pois" ou "mas tu", ordenando que Timóteo resista a várias coisas
predominantes naquela época. Timóteo fora chamado a exercer uma responsável
liderança na Igreja, não somente a despeito de sua inata falta de confiança em
si mesmo, mas ainda na mesma área onde a autoridade do apóstolo estava sendo
repudiada. É como se Paulo lhe dissesse: "Não te importes com o que
outras pessoas possam estar pensando, dizendo ou fazendo. Não te importes com
a fraqueza e a timidez que talvez estejas sentindo. Quanto a ti, Timóteo,
sê forte!"
É claro que esta exortação, se tivesse
parado aí, teria sido inútil, até mesmo absurda. Dizer a alguém tão
tímido como Timóteo para ser forte seria o mesmo que mandar um caracol ser
ligeiro ou exigir que um cavalo voasse. Mas o apelo de Paulo à firmeza tem um
caráter cristão, não estóico. Não é uma exigência de que Timóteo seja
forte em si mesmo, demonstrando isso rosnando e batendo no peito, mas de que
"seja fortalecido interiormente"( A melhor tradução seria "sê fortalecido na graça", com o
verbo no passivo simples (Ellicot,
p.121), conquanto possa estar no imperativo reflexivo: "fortifica-te (interiormente)" como está
na ERAB. O mesmo verbo ocorre na
voz passiva em Ef 6:10 e na ativa em Fp 4:13 e 2 Tm 4:17.) por
meio da "graça" que está em Cristo Jesus". Isto significa que
Timóteo deve procurar recursos para o seu ministério não em sua própria natureza,
mas na de Cristo. Não dependemos da graça somente para a salvação (1:9), mas
também para o serviço.
Paulo prossegue indicando o tipo de
ministério para o qual Timóteo terá de fortalecer-se pela graça de Cristo. Até
aqui Timóteo foi exortado a conservar a fé e a guardar o depósito (1: 13,
14). Contudo, deve fazer mais do que preservar a verdade, deve passá-la
adiante. Assim como a deslealdade da Igreja na Ásia tornava imperativo que
Timóteo guardasse a verdade com lealdade, assim também a iminente morte do apóstolo tornava imperativo que
Timóteo tomasse providências para legar a verdade intacta à geração seguinte.
Nesta transmissão da verdade, de mão em mão, Paulo divisa quatro estágios.
Primeiramente, a fé fora confiada a
Paulo por Cristo. Por isso é que ele a chamou de "meu depósito" (1:
12). Ela lhe pertence por depósito, não por invenção. Sendo apóstolo de Jesus
Cristo, Paulo insiste em que o seu evangelho não é um "evangelho de
homens", mesmo que ele o tenha formulado, e outros também. É que não tem
base simplesmente na tradição humana. Pelo contrário, assim pôde escrever
". . . não o recebi, nem aprendi de homem algum, mas mediante revelação de
Jesus Cristo" (Gl 1:11,12).
Em segundo lugar, o que por Cristo fora
confiado a Paulo, este por sua vez o confiou a Timóteo. Assim "o meu
depósito" (1:12) passa a ser virtualmente "o bom depósito"
(v.14); ou seja, o que fora confiado a Paulo é agora a verdade que é confiada a
Timóteo. Este depósito consiste em certas "sãs palavras", que Timóteo
ouvira dos lábios do próprio Paulo. A exata expressão "que de mim
ouviste" (1: 13, par' emou êkousas) repete-se
em 2: 2, tendo agora a referência de que Timóteo a ouvira "através de
muitas testemunhas". O tempo aorístico parece referir-se não a
uma única ocasião em que Timóteo tivesse ouvido o ensino do apóstolo, como por
exemplo no dia do seu batismo ou de sua ordenação ao ministério, mas sim
à totalidade de suas instruções através dos anos. E a referência às
"muitas testemunhas" mostra que a fé apostólica não era uma tradição
secreta, transmitida particularmente a Timóteo (tal era o ensino dos
gnósticos), ficando a sua autenticidade sem provas, mas era uma pública
instrução, cuja verdade era garantida pelas muitas testemunhas que, tendo-a
ouvido, podiam então conferir o ensino de Timóteo com o do apóstolo.
Esta declaração de Paulo tornou-se
importante no século seguinte, quando o gnosticismo cresceu e se espalhou. Por
exemplo, no capítulo 25 de sua obra Prescrições contra os
Heréticos (200 d.C), Tertuliano de Cartago escreveu especialmente
contra os gnósticos, que diziam terem recebido, só eles, revelações
particulares, e também possuírem tradições secretas herdadas dos apóstolos.
Ele não aceita que os apóstolos tivessem "confiado algumas coisas
abertamente a todos e algumas coisas a uns poucos, secretamente". Porque
(assim discorre), em apelando a Timóteo para que "guarde o depósito"
não há alusão a uma doutrina secreta, mas a uma ordem para não admitir qualquer
outra doutrina, a não ser a que ouvira do próprio apóstolo publicamente
("entre muitas testemunhas"), como ele diz.
Em terceiro lugar, o que Timóteo ouviu
de Paulo, deve agora "confiá-lo a homens fiéis", os quais seriam
certamente encontrados num remanescente dentre os muitos desertores da Ásia.
Os homens que Paulo tinha em mente deveriam ser primeiramente ministros da
palavra, cuja função principal é ensinar; e anciãos cristãos, com a
responsabilidade de, à semelhança dos anciãos judeus na sinagoga, preservar a
tradição. Tais anciãos cristãos são "despenseiros de Deus", como
Paulo há pouco escrevera a Tito (1: 7), porque tanto a família de Deus
como a verdade de Deus lhes foram confiadas. E o requisito fundamental
para os despenseiros é a fidelidade (1 Co 4: 1, 2). Devem ser "homens
fiéis".
Em quarto lugar, tais homens devem
pertencer àquela classe de homens (como o relativo hoitines deveria
ser traduzido) que sejam "também idôneos para instruir a outros". A
habilidade ou competência que Timóteo deve procurar em tais homens será
traduzida, em parte, pela integridade ou lealdade de caráter, já referidas, e
em parte pela capacidade de ensinar. Eles devem ser didaktikoi, "aptos
para ensinar", palavra usada por Paulo em relação aos candidatos ao
ministério em 1 Tm 3: 2, e empregada de novo mais adiante, neste
mesmo capítulo (2:24).
Aqui estão, pois, os quatro estágios na
transmissão da verdade, destacados por Paulo: de Cristo a Paulo, de Paulo
a Timóteo, de Timóteo a
"homens fiéis", e de
"homens fiéis" a "outros". Esta é a verdadeira
"sucessão apostólica". Tal sucessão dependeria de homens, de uma
série de "homens fiéis", mas essa sucessão dos apóstolos refere-se
mais à mensagem em si do que aos homens que a ensinem. Deve ser antes uma
sucessão da tradição apostólica do que de autoridade, de sequência ou de
ministério apostólicos. Deve ser uma transmissão da doutrina dos apóstolos,
deles recebida sem distorções pelas gerações posteriores, passada de mão em mão
como a tocha olímpica. Esta tradição apostólica, "o bom depósito", é
hoje encontrada no Novo Testamento. Falando de maneira ideal, os termos
"Escritura" e "tradição" deveriam ser sinônimos, pois o que a Igreja transmite de geração em geração
deveria ser a fé bíblica, nada mais e nada menos. E a fé bíblica é a fé
apostólica.
No restante deste segundo capítulo de
sua carta, Paulo prossegue abordando o ministério do ensino, ao qual Timóteo
foi chamado, Como ilustração, Paulo faz uso de
seis vividas metáforas. As três
primeiras são suas imagens favoritas: o soldado, o atleta,
e o lavrador. Em cartas anteriores
ele já fizera uso delas, em váriasocasiões, para salientar muitas verdades.
Aqui todas elas enfatizam que a obra de Timóteo exigirá vigor, envolvendo tanto
labuta quanto sofrimento.
2. Metáfora 1: o soldado
dedicado (vs. 3,4)
Participa dos meus sofrimentos, como um
bom soldado de Cristo Jesus. 4Nenhum soldado
em serviço se envolve em negócios desta vida, porque o seu objetivo é
satisfazer àquele que o arregimentou.
As experiências como prisioneiro deram a
Paulo ampla oportunidade de observar os soldados romanos e de meditar no
paralelo existente entre o soldado e o cristão. Em cartas anteriores, Paulo
referiu-se à guerra com principados e potestades, na qual o cristão está
envolvido; referiu-se à armadura que deve vestir e as armas que deve usar
(Ef 6: 10ss; 1 Tm 1: 18; 6: 12; 2 Co 6: 7; 10: 3-5; cf. Rm 6: 13-14). Mas
aqui o bom soldado de Jesus Cristo é assim chamado por ser um homem dedicado,
que mostra sua dedicação por se achar sempre disposto a sofrer e estando
permanentemente em guarda. Os soldados em serviço não contam com segurança e facilidade.
Pelo contrário, dureza, riscos e sofrimento são aceitos sem contestação. É como
Tertuliano expressou em seu livro Address to Martyrs (Palavra
aos Mártires): "Nenhum soldado vai à guerra cercado de luxúrias, nem vai à
batalha deixando um quarto confortável, mas sim uma tenda estreita e
provisória, em que há muita dureza, severidade e desconforto". De igual
modo, o cristão não deve esperar dias fáceis. Se for fiel ao evangelho,
certamente experimentará oposição e escárnio. Ele deverá sofrer em conjunto
com seus companheiros de armas.
O soldado deve sempre se achar disposto
a se concentrar no exército, e também a sofrer. Quando em serviço ativo,
"não se embaraça em negócios". Ao contrário, liberta-se dos afazeres
de natureza civil, a fim de dedicar-se às armas, satisfazendo assim aos seus
oficiais superiores, ou "estando inteiramente à disposição de seu oficial
comandante". Na expressão de E. K. Simpson, "o espetáculo da
disciplina militar fornece uma grande lição de comprometimento".
Assim, na Segunda Guerra Mundial, com frequência se dizia, com um sorriso bem
significativo: "estamos em guerra". Era uma palavra de alerta,
suficiente para justificar toda austeridade, auto renúncia ou
abstenção de atividades irrelevantes, em vista da situação de emergência do
momento.
O cristão, que deve viver neste mundo e
não se alienar dele, não pode, certamente, esquivar-se das comuns obrigações de
seu lar, de seu local de trabalho e de sua comunidade. É verdade que, como
cristão, ele deve estar sobremodo consciente do seu dever de bem cumpri-las e
não evadir-se delas. Nem deve esquecer-se também do que Paulo relembrou a
Timóteo em sua primeira carta, ao dizer que "tudo o que Deus criou é bom
e, recebido com ações de graça, nada é recusável. . ." e que
"Deus tudo nos proporciona unicamente para nosso aprazimento" (1 Tm
4: 4; 6: 17). Assim, o que se proíbe ao bom soldado de Cristo não são as
atividades "seculares", nem "os envolvimentos em negócios desta
vida" que, mesmo sendo perfeitamente inocentes, o impeçam de lutar as
batalhas de Cristo. Este conselho aplica-se especialmente ao pastor ou ministro
cristão. Ele é chamado a dedicar-se ao ensino e ao cuidado do rebanho de
Cristo; e há outras passagens, além desta, que o advertem a, se possível, não
tomar a carga adicional de prover o seu sustento com algum emprego
"secular".
É fato que o próprio apóstolo proveu
amiúde o seu próprio sustento, confeccionando tendas; não obstante, ele deixa
claro que em seu caso a razão era pessoal e excepcional, ou seja, para que pudesse
propor "de graça o evangelho", e assim não criar "qualquer
obstáculo ao evangelho de Cristo" (1 Co 9: 12, 18). Ele ainda
vindicou o princípio, para si mesmo e para todo ministro, por ordem do Senhor,
de que os que pregam o evangelho devem viver do evangelho (1 Co 9:
14). De fato, a sua óbvia expectativa era esta a regra geral, e isto precisa ser
lembrado em dias como os nossos, quando ministérios "auxiliares",
"suplementares" e de tempo parcial têm aumentado em número, ficando o
pastor com seus negócios ou com sua profissão, exercendo o seu ministério com o
tempo que sobra. Não se pode dizer que tais ministérios estejam em oposição às Escrituras; contudo é difícil
conciliá-los com a determinação apostólica de evitar os envolvimentos em negócios
desta vida. A liturgia para a ordenação de presbíteros da Igreja Anglicana
exorta os candidatos com as seguintes palavras: "Atentai
para o zelo que deveis ter na leitura e no ensino das Escrituras. . . e
por esta mesma causa deveis renunciar e deixar de lado (tanto quanto possível)
todos os cuidados e zelos mundanos, . . . entregai-vos inteiramente a este
ofício, . . . aplicai-vos inteiramente a esta causa e dirigi todos os vossos
esforços neste sentido".
A aplicação de tal versículo não é
somente restrita a pastores. Cada cristão é, num certo grau, um soldado de
Cristo, ainda que seja tímido como Timóteo. Não importando qual seja o
nosso temperamento, não podemos evitar o conflito cristão. Se
queremos ser bons soldados de Cristo, devemos dedicar-nos à batalha,
comprometendo-nos com uma vida de disciplina e de sofrimento, e evitando tudo
o que possa nos "envolver" e assim nos desviar do seu propósito.
3. Metáfora 2: o atleta
sujeito às regras (v.5)
Igualmente o atleta não é coroado, se
não lutar segundo as normas.
Agora Paulo desvia os seus olhos da
imagem do soldado romano para a do competidor nos jogos gregos. Em nenhuma
competição atlética do mundo antigo (assim como hoje também) o competidor dava
uma demonstração de força ou de habilidade ao acaso. Cada esporte tinha as suas
regras para a competição, e às vezes também para o treino preparatório.
Cada prova também tinha o seu prêmio, e
os prêmios conferidos aos jogos gregos não eram medalhas de ouro ou troféus de
prata, e sim coroas de ouro. Contudo, nenhum atleta era "coroado" se
não tivesse competido "de acordo com as regras", mesmo que o seu
desempenho tivesse sido brilhante. "Fora do regulamento não há
prêmio", essa era a palavra de ordem!
A vida cristã é geralmente comparada, no
Novo Testamento, a uma corrida, não no sentido de estarmos competindo uns com
os outros (conquanto tenhamos que "preferir em honra uns aos outros"
— Rm 12: 10), mas no sentido da severa autodisciplina do treinamento (1 Co
9: 24-27), no sentido de que devemos nos desembaraçar de todo peso morto (Hb
12: 1-2) e, especialmente nesta passagem, no sentido de que devemos observar as
regras.
Devemos correr a corrida cristã nominös, "segundo
as leis". A despeito do estranho ensino da assim chamada "nova
moral", que insiste em que a lei foi abolida por Cristo, o cristão acha-se
sob a obrigação de viver "segundo a lei", de guardar as regras, de
obedecer as leis morais de Deus. De fato, ele não está "debaixo
da lei", como meio de salvação, que o aprova ou o recomenda perante Deus,
antes ela lhe serve como guia de conduta. Ao invés de abolir a lei, Deus
enviou o seu Filho para morrer por nós a fim de que o preceito da lei se
cumprisse em nós", e agora envia o seu Espírito para morar em nós e
escrever a sua lei em nossos corações! (Rm 8: 3-4, Jr 31: 33). Além disso não
pode haver de outro modo, não porque nossa obediência à lei poderia nos
justificar, mas sem a lei damos evidência de nunca termos sido justificados.
O contexto mostra que competir "de
acordo com as regras" tem uma aplicação mais vasta do que à que
se refere à nossa conduta moral. Paulo está descrevendo o serviço cristão, não
somente a vida cristã. Parece estar dizendo que os prêmios pelo serviço
dependem da fidelidade. O mestre cristão deve ensinar a verdade, construindo
com materiais sólidos sobre o fundamento que é Cristo, se quer que a sua obra
permaneça e não seja consumida pelo fogo (cf, 1 Co 3: 10-15). Assim,
Timóteo deve confiar o depósito a homens fiéis. Somente se ele, como Paulo,
perseverar até a fim, combatendo também o bom combate, completando a carreira
e guardando a fé, somente assim poderá ele esperar receber, no último dia, a
mais desejável de todas as coroas: "a coroa da justiça" (2 Tm 4:7-8).
4. Metáfora 3: o lavrador
diligente (v.6)
O lavrador que trabalha deve ser o
primeiro a participar dos frutos.
Tendo o atleta de competir com
honestidade, o lavrador, por sua vez, tem de trabalhar arduamente. O sucesso na
lavoura só é conseguido com muito trabalho. Isso é verdade particularmente em
países em desenvolvimento, antes de se ter as técnicas da mecanização moderna.
Em tais circunstâncias, o sucesso da exploração agrícoladepende tanto do suor
como da habilidade. Mesmo sendo o solo pobre, o tempo inclemente, ou estando o
lavrador indisposto, este deve permanecer em seu trabalho. Uma vez
posta a mão no arado, não há que olhar para trás. O
Rev. Moule escreve sobre a "extenuante e prosaica labuta"
do agricultor. Ao contrário do soldado e do atleta, a vida do agricultor é "totalmente
desprovida de emoção, distante de toda fascinação decorrente do perigo e do
aplauso".
Contudo, a primeira parte da colheita
pertence ao lavrador que trabalha. É seu direito. A boa produção deve-se mais a
seu esforço e perseverança do que a qualquer outro fator. É por isso mesmo que
o preguiçoso jamais será um bom agricultor, como ressalta o livro de
Provérbios. Ele sempre porá a perder sua colheita, talvez por dormir quando
deveria esta colhendo, talvez por ter sido pouco ativo no lavrar a terra no
outono anterior, ou talvez por permitir que os seus campos se cubram de urtigas
e espinhos (Pv 10: 5; 20:4; 24: 30-31).
A que espécie de colheita se refere o
apóstolo? Duas interpretações apresentam maiores evidências bíblicas.
Primeira, a santidade como colheita.
Verdadeiramente, a santidade é "fruto (ou colheita) do Espírito",
sendo que o próprio Espírito é o principal agricultor, que produz uma boa safra
de qualidades cristãs na vida do cristão. No entanto, nós também temos que
fazer a nossa parte. Temos de "andar no Espírito" e "semear no
Espírito" (Gl 5: 6; 6: 8), seguindo os seus impulsos e disciplinando-nos,
para fazermos a colheita da santidade. Muitos cristãos surpreendem-se por não
verificarem, em suas vidas, crescimento na santidade. Será que estamos
negligenciando o cultivo desse campo que é o nosso caráter? "Pois aquilo
que o homem semear, isso também ceifará" (Gl 6: 7). Como o Rev. Ryle
enfatiza repetidas vezes em seu notável livro Santidade: "não
há prêmio sem esforço". Por exemplo:
"Jamais abandonarei a minha convicção
de que não há progresso espiritual sem esforços. Não creio no sucesso de um
agricultor que se contenta em apenas semear os seus campos, abandonando-os em
seguida até a colheita, assim como não creio ser possível que um crente
alcance muita santidade sem ser diligente em sua leitura bíblica, em suas
orações e no bom uso dos seus domingos. Nosso Deus é um Deus que se importa
com os meios, e nunca abençoará a alma de quem se julga ser tão elevado e
espiritual a ponto de achar que pode progredir sem eles".
Na expressão de Paulo, "o lavrador
que trabalha deve ser o primeiro a participar dos frutos". E a santidade
é uma colheita.
A segunda interpretação é que a
conquista de conversões é também uma colheita. "A seara na verdade é
grande", disse Jesus referindo-se aos muitos que esperam por ouvir e
receber o evangelho (Mt 9: 37; cf. Jo 4: 35; Rm 1:13). Nesta seara é
claro que "é Deus quem dá o crescimento" (1 Co 3: 6-7), mas
ainda assim não temos a liberdade de ficar à toa. Não só isso, mas tanto a semeadura
da boa semente da Palavra de Deus como a colheita são trabalhos duros,
especialmente quando há poucos trabalhadores. Com muito custo almas são ganhas
para Cristo, não com a engenhosa e automática aplicação de uma fórmula, mas
com lágrimas, suor e dores, e especialmente com oração e sacrifícios. Novamente,
o "lavrador que trabalha" é que pode esperar obter bons resultados.
Este ponto de que o serviço cristão é um
trabalho árduo é hoje tão impopular em certos círculos de cristãos festivos
que sinto ser necessário sublinhá-lo com vigor. Já mencionei que o verbo
significa "labutar, mourejar".Arndt e Gingrich apontam
que, antes de tudo, o sentido é o de "cansar-se, fatigar-se", ou
seja, "trabalhar arduamente, exaurindo todas as forças com o trabalho
pesado; empenhar-se, esforçar-se". Tanto o substantivoKopos como
o verbo kopiaö foram termos favoritos de Paulo, e talvez nos
seja salutar saber que ele cria ser necessário ao serviço cristão tão grande
empenho.
Depreende-se que esse verbo pode ser empregado
com referência ao trabalho manual, e Paulo aplicou-o ao seu serviço de
confeccionar tendas. "E nos afadigamos", ele escreveu, "trabalhando
com as nossas próprias mãos" (1Co 4: 12; cf. Ef 4: 28; 1 Ts 4: 11). Mas,
em seu modo de ver, o trabalho espiritual envolvia também muito esforço. Ele
reconhecia de imediato a dedicação das pessoas, tendo enviado saudações
especiais no final de sua carta aos Romanos, "a Maria que muito
trabalhou por vós" e "à estimada Pérside, que também muito
trabalhou no Senhor" (Rm 16:6, 12b). Não que dos outros
Paulo esperasse mais do que ele próprio podia dar de si mesmo. Suas
labutas pelo evangelho eram fenomenais. Ele podia escrever sobre
"trabalhos, vigílias, jejuns" porque, assim como fora o seu Mestre
antes dele, não poucas vezes as suas atividades sobrepujavam a sua necessidade
de comer e dormir. Por isso mesmo é que pôde reivindicar em relação aos outros
apóstolos: "trabalhei muito mais do que todos eles" (2 Co 6: 5;
1 Co 15: 10; cf. Gl 4: 11; Fp 2: 16). Se instássemos com ele sobre a
natureza de sua lida, creio que ele nos responderia em termos de duas
prioridades apostólicas: "oração e. . . ministério da palavra"
(At 6: 4), já que aludiu em sua primeira carta a Timóteo aos seus anciãos
"que se afadigam na palavra e no ensino" (1 Tm 5: 17), e aos
colossenses descreveu a sua labuta com as palavras "esforçando-me o mais
possível, segundo a sua eficácia que opera eficientemente em mim" (Cl 1:
29 - 2: 1; 1 Tm 4: 10), num contexto que parece referir-se à luta em oração a
que se entregara em favor dos colossenses.
A bênção de Deus foi abundante no
ministério do apóstolo Paulo. Não há dúvida que a este respeito muitas
explicações poderiam ser dadas. Mas até que ponto consideramos essa
bênção decorrente do zelo e do interesse, da quase obsessiva devoção com que
Paulo se entregava ao trabalho? Ele se dava ao trabalho sem pensar no que isso
lhe custava; lutava sem dar atenção às feridas; trabalhava sem procurar
descansar; servia sem procurar pela recompensa, a não ser o gozo de fazer a
vontade do seu Senhor. E Deus fazia prosperar os seus esforços. Mais uma
vez, "o lavrador que trabalha deve ser o primeiro a participar dos
frutos".
Bibliografia
John R. W. Stott
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