Tt 1.4 A Tito, meu autêntico filho segundo a fé em
comum. Tito abraçou a fé em Jesus por meio da proclamação do apóstolo,
representando um fruto real do serviço apostólico. Autêntico também pode ser a
designação de um companheiro de luta na fé, desde que seja aprovado.O
relacionamento do apóstolo com Timóteo, o “filho amado”, certamente era mais
íntimo, mas Tito também está bem próximo dele. Tanto mais surpreendente é que
um colaborador tão próximo e íntimo de Paulo não seja mencionado em nenhuma
passagem de At.
Sobre a
fé em comum apoia-se o relacionamento espiritual entre pai e filho. Chama
atenção a diferença em relação a 1Tm 1.2, onde simplesmente se lê: meu
autêntico filho na fé. Será que a ênfase do que há em comum permite inferir uma
maior independência de Tito, ou será que a intenção é enfatizar a posição comum
de todos os que creem (cf. 1b: em consonância com a fé dos eleitos)? Tito
representou o apóstolo com sucesso em uma questão complicada na igreja de
Corinto, enquanto Timóteo praticamente teve de ser protegido dos coríntios.Em outras
ocasiões Paulo também escreve da “fé em comum”, compartilhada com todos os
discípulos de Jesus; com todos eles participa da “salvação conjunta”. Entendida
nesse sentido, a catolicidade, i. é, a validade geral ou participação geral na
fé, representa uma preocupação central da Bíblia.
Tt 1.5 –
Por esta causa, te deixei em Creta, para que pusesses em ordem as coisas
restantes, bem como, em cada cidade, constituísses presbíteros, conforme te
prescrevi.
Dessa
frase pode-se concluir que Paulo e Tito evangelizaram juntos em Creta. Judeus
de Creta estiveram em Jerusalém por ocasião do Pentecostes. Não se pode
descartar que alguns deles aceitaram a fé em Jesus, o Messias, retornando a
Creta como primícias da fé. Tais primeiros contatos podem ter aberto o caminho
para uma posterior viagem missionária. O motivo direto da carta são os dois
colaboradores mencionados em Tt 3.13, que viajam até Creta, entregando a missiva
a Tito.
Na época
da redação Paulo está livre (Tt 3.12). A situação é semelhante à de 1Tm:
Timóteo deve organizar o necessário em Éfeso, e Tito em Creta. Tanto em 1Tm
quanto em Tt a instrução oral é seguida por confirmação e complementação
escritas, um procedimento que não é incomum para Paulo.
Tito
também deixará a ilha. Por isso é necessário que as instruções sejam entregues
por escrito às mãos dos irmãos colaboradores e co-dirigentes em Creta. Em 1Tm
já se pressupõem formas e serviços eclesiais mais sólidos, em Creta parece
existir um estágio anterior de constituição da igreja.
As coisas
faltantes são aquilo que ainda falta para o desenvolvimento de uma igreja
plenamente emancipada. O que Paulo deixou inconcluso é confiado a Tito para que
este cuide da evolução posterior. O que Deus começou ele pretende levar à
maturidade. Aqui não se tem em vista apenas um aperfeiçoamento em termos de
organização! Já em 1Ts 3.10 Paulo escreve que deseja dirimir as falhas que
ainda estão ligadas à fé. As igrejas devem chegar à aprovação na fé.
Tito
recebe particularmente a incumbência de instituir presbíteros em cada cidade.
Aparentemente a fé em Jesus se expandiu primeiramente nas cidades, ou as
igrejas cresceram mais rapidamente nelas, de modo que se tornasse necessária a
instalação de presbíteros. As aldeias e localidades das redondezas eram
evangelizadas a partir das cidades. Em todos os lugares a instalação de servos
para a igreja aconteceu com a participação dos membros da igreja. At 14.23
informa que Paulo e Barnabé retornaram a três cidades em que se haviam formado
igrejas durante a primeira migração evangelizadora. Somente agora, na segunda
estadia, elegem presbíteros em cada igreja, recomendando-os em conjunto com a
igreja ao Senhor, mediante oração e jejum. A evangelização em Creta pode ter
ocorrido de forma similar. Primeiramente Paulo e Tito viajaram em conjunto pela
ilha, anunciando o evangelho de Jesus. Em uma segunda visita, pouco tempo
depois, Tito (ele permaneceu na ilha, enquanto Paulo seguiu viagem) deve confirmar,
em e com as jovens igrejas, presbíteros que se evidenciaram como agraciados e
aprovados por Deus em vista de seu serviço aos fiéis.
Em todas
as igrejas surgidas da atividade missionária de Paulo havia serviços eclesiais
organizados desde o princípio, tão logo um grupo sólido de discípulos estivesse
de fato formado. O NT não dá notícia de nenhuma igreja sem liderança. O estilo
de liderança pode se configurar de formas muito distintas, porém nunca na forma
de uma posição especial excludente ou de uma reivindicação legal consolidada.
Tt 1.7 O
presidente deve ser irrepreensível como administrador de Deus: O presidente é
um dos presbíteros e vem das fileiras deles, por isso é repetida para ele a
característica decisiva: que seja irrepreensível! O singular não exclui a
possibilidade de que houvesse vários presidentes em uma cidade, especialmente
quando se formavam várias igrejas caseiras na mesma localidade. Ao contrário de
1Tm, não se mencionam aqui diáconos. Não se trata de listar todos os serviços
na igreja e muito menos de instituir um cargo de bispo monárquico, nem de
providenciar o ordenamento jurídico de cargos.
A
prestação de serviços na administração de Deus acontece pela fé. Cada
administrador presta contas do que faz e deixa de fazer. Na sequência são
arrolados cinco vícios que o presidente deve evitar (v. 7), e depois ocorrem
seis exigências, imprescindíveis para sua contribuição na edificação da igreja.
Não
autocrático: usurpador, sem escrúpulos, caprichoso, teimoso. Um bom líder não
imporá a si mesmo, não tentará avançar solitariamente e sem os irmãos
co-responsáveis. O dirigente seja servo de todos, não seu comandante e senhor.
Não
irascível: faz parte de autocrático. Quem considera a si mesmo capaz de tudo ou
confia demais em si rapidamente perde a paciência com outros. Um valentão em
breve se torna solitário, alguém que tem apenas seguidores submissos, mas não
irmãos co-responsáveis.Não dado
ao vinho, não briguento, não ganancioso: Houve tentativas de explicar essas
condições, de conotação óbvia, com os primórdios da missão e o baixo nível do
entorno gentílico. Contudo demandas morais que parecem elementares não são
cumpridas de forma óbvia. Quando as exigências básicas (aquilo que é
fundamental e elementar) são apenas pressupostas, e não são constantemente
propostas, examinadas e exercitadas, todo avanço permanece incerto e pode levar
à auto-ilusão.
Hans
Bürki. Comentário Esperança Cartas aos Tito. Editora Evangélica Esperança.
Tt 1.4
Tito, um grego, era um dos mais confiáveis e responsáveis cooperadores de
Paulo. Como um verdadeiro filho, ele pode ter sido um dos convertidos de Paulo.
Embora ele não esteja mencionado no livro de Atos, outras epístolas chamam a
atenção para o fato de que Tito realizou diversas missões em nome de Paulo.
Paulo repetiu
a sua saudação padrão (graça e paz) com uma ligeira modificação. A última
palavra repete a idéia do versículo 3. Paulo usou a palavra “Salvador” tanto
para Deus Pai como para Jesus Cristo, revelando, desta maneira, a sua
compreensão da natureza de Deus e da obra de salvação (veja também 1.3;
2.10,13; 3.4,6).
Tt 1.5
Creta é uma ilha comprida (240 quilômetros) e estreita, situada no mar
Mediterrâneo. Entre os seus habitantes, havia muitos judeus. Os primeiros
convertidos foram provavelmente judeus cretenses que tinham estado em Jerusalém
por ocasião do Pentecostes (At 2.11), mais de trinta anos antes de Paulo
escrever esta carta. Talvez tivesse havido algum novo contato com Paulo quando
ele esteve ali como prisioneiro, em sua primeira viagem a Roma, para ser
julgado.
Posteriormente,
ele e Tito retornaram para uma visita evangelística.
Aparentemente,
Paulo não ficou muito tempo em Creta, de modo que deixou Tito, seu leal e capaz
cooperador, para completar o trabalho de estabelecer o ensino correto e lidar
com os falsos ensinadores, como também indicar presbíteros de cidade em cidade.Paulo
tinha indicado presbíteros em várias igrejas durante as suas viagens (At
14.23).
Ao
retornar da primeira viagem missionária, Paulo dedicou um tempo extra para
visitar novamente cada igreja e estabelecer a liderança de cada uma delas. Ele
não podia permanecer em todas as igrejas, mas sabia que estas novas igrejas
precisavam de fortes líderes espirituais.
Os homens
escolhidos deveriam liderar as igrejas, ensinando a sã doutrina, ajudando os
crentes a amadurecer espiritualmente, e capacitando-os a viver para Jesus
Cristo, apesar da oposição. Os versículos seguintes fornecem as qualificações
para os presbíteros.
Tt 1.7 A
expressão “convém que o bispo seja irrepreensível” enfatiza que esta qualidade
é essencial em qualquer pessoa que seja um despenseiro da casa de Deus. Os
líderes da igreja que agem de maneira indigna e trazem acusações e reprovações
sobre si mesmos também danificam o trabalho de Deus. As diretrizes de Paulo adquirem
uma importância adicional no cenário de Creta, pois os cretenses eram
conhecidos por terem má reputaçáo (veja 1.12). Às vezes, as diretrizes de
liderança das Escrituras estarão em harmonia com os padrões predominantes para
os líderes maduros em uma cultura, e em outras ocasiões, elas estarão em
conflito.
Aparentemente,
Tito devia ser prudente com os cretenses.
Uma
armadilha da liderança é tornar-se soberbo. Mas o orgulho pode seduzir as
emoções e obscurecer a razão, tornando um líder de igreja ineficiente. O
orgulho e a arrogância foram a razão da queda do diabo, e ele usa o orgulho
para apanhar outros. Além disto, uma pessoa iracunda irá falar e agir sem
pensar, magoando as pessoas e danificando o trabalho e a reputação da igreja.Estas
três últimas proibições tinham importância especial para a busca de Tito de
líderes da igreja na Creta do século I. Um líder de igreja não deve ser dado ao
vinho nem espancador (frequentemente, o resultado de a pessoa ser iracunda ou
dada ao vinho). Além disto, os líderes que Tito escolhesse deveriam servir por
amor, e não por serem cobiçosos por dinheiro.Comentário
do Novo Testamento Aplicação Pessoal. Editora CPAD. Vol 2. pag. 552-554.
3. As
qualificações.
A missão
do presbítero é de tanta importância que o Novo Testamento dedica vários textos
a respeito das qualificações que se devem exigir dos obreiros que são
escolhidos para essa função ministerial. Não é um “dom de Deus”, como já vimos
no estudo sobre Efésios 4.11. Mas é um ministério, no sentido a que Paulo se
refere, ao dizer que “há diversidade de ministérios” (1 Co 12.5).
“O papel
dos oficiais da igreja era variável e flexível na época do Novo Testamento. Até
o período patriótico primitivo, tais funções ainda não tinham sido padronizadas
e regulamentadas”.4 Tendo em vista a origem do presbítero, como acentuado em
item anterior, sua importância é indiscutível. E suas qualificações são das
mais relevantes. Em sua escolha, segundo a Palavra de Deus, devem ser
observadas algumas qualidades ou qualificações, com base no texto de Tito
1.6-9, que equipara o presbítero ao “bispo”'.
1)
“Aquele que for irrepreensível”. O presbítero, ou bispo, deve ser uma pessoa de
caráter cristão ilibado, íntegro, exemplar. Um “obreiro que não tem de que se
envergonhar” (2 Tm 2.15).
2)
“Marido de uma mulher Significa que o candidato ao presbitério ou ao episcopado
deve ser um homem fiel à sua esposa. O renomado comentarista Matthew Henry, em
seu Comentário Bíblico sobre o Novo Testamento, diz sobre ser “marido de uma
mulher” o bispo não deve ser bígamo, tendo duas ou três mulheres, “de acordo
com a prática pecaminosa comum daquela época, por uma imitação perversa dos
patriarcas”.5
3) Que
tenha familia ajustada. Paulo dá destaque especial à criação dos filhos do
presbítero ou bispo (cf. 1 Tm 3.4,5).
4) “Não
soberbo”. E sinônimo de “arrogante, orgulhoso, presunçoso”. Um presbítero não
deve ser orgulhoso. Quando Jesus, Mestre dos mestres, e “Sumo Pastor”, lavou os
pés dos discípulos, quis dar uma grande lição aos pastores, e aos presbíteros
ou bispos. E bom lembrar que cargo ministerial não é sinônimo de grandeza
espiritual (1 Pe 5.5).
5) “Nem
iracundo”. Uma pessoa iracunda é raivosa, colérica, furiosa. Um presbítero deve
ser pessoa que sabe refrear seus impulsos emocionais. A ira é a pior opção para
ser cultivada. Um iracundo perde os melhores amigos e afasta a muitos de seu
convívio. Jesus oferece um curso de mansidão (Mt 11.29). Há vaga para todos.
6) “Nem
dado ao vinho”. Ou seja: não dado a fazer uso de bebida alcoólica (ver Ef
5.18). Não deve beber vinho embriagante, nem ser tentado ou atraído por ele,
nem comer e beber com os ébrios (Mt 24.49). (1) A abstinência total de vinho
fermentado era a regra para reis, príncipes e juizes, no Antigo Testamento (Pv
31.4-7)/’ Não há necessidade de o presbítero, bispo ou pastor tomar vinho. Um
suco de uva puro tem as mesmas propriedades terapêuticas que o vinho, exceto o
teor alcoólico.
7) “Nem
espancador”. Ou não violento, agressivo. O obreiro precisa ter o fruto da
temperança ou do domínio próprio, para não dar lugar a seu temperamento
agressivo. O servo de Deus não deve guiar-se por seu temperamento, mas pelo
Espírito Santo (G1 5.16). Alguém pode espancar outro com palavras, ou ferir com
agressões verbais ou psicológica (cf. Jr 18.18). Sempre houve pastores
grosseiros, prepotentes, alguns que cometeram “assédio moral” contra pessoas a
seu redor. Isso é reprovável sob todos os aspectos. O presbítero ou bispo deve
ser ordeiro, humilde, de bom trato para com todos.
8) “Nem
cobiçoso de torpe ganância”. A ganância por bens materiais ou pelo poder tem
sido a causa de muitos escândalos e descrédito contra o ministério pastoral. O
apóstolo Pedro deu a mesma exortação aos presbíteros (1 Pe 5.2).
9) “Mas
dado à hospitalidade”. O bispo deve ser hospitaleiro (Hb 13.2). Um presbítero,
bispo ou pastor deve ser uma pessoa acolhedora; que sabe receber bem, com
cortesia e amabilidade, qualquer pessoa, em sua casa, na igreja, ou em qualquer
lugar. Não deve ser grosseiro nem fazer acepção de pessoas (At 10.34; Tg 2.1, 9).
10)
“Amigo do bem”. O presbítero deve ter o fruto do Espírito da “benignidade”, que
é a qualidade daquele que se dedica a fazer o bem (SI 37.27; G16.9, 10). Quem
faz o bem colherá os frutos do que semeou.
11)
“Moderado”. É sinônimo de “comedido, prudente, contido”. O presbítero ou o
bispo deve ser uma pessoa assim, sem afetação, sem exibicionismo; ter uma vida
sem exagero, seja na vida ministerial, seja na vida pessoal; sem ser
radicalista ou liberalista, evitando os extremos. Não deve ser precipitado no
falar, no agir, mas deve ter autocontrole em suas atitudes e ações. Deve ter o
fruto do Espírito da temperança (G1 5.22).
12)
“Justo”. É sinônimo de “imparcial, isento, neutro, justiceiro". Ê
qualidade indispensável ao líder. O Sumo Pastor nos guia “pelas veredas da
justiça por amor do seu nome” (SI 23.3). O presbítero ou bispo, que apascenta
as ovelhas do Senhor, deve ter o mesmo cuidado, de ser justo e não praticar
qualquer ato de injustiça. Nunca usar os “dois pesos e duas medidas”.
13)
“Santo”. É qualidade e condição indispensável para que uma pessoa seja salva.
Ser santo é ser separado ou consagrado para Deus. Um líder tem o dever de zelar
pela santidade. Para isso precisa estar sempre exercitando o processo da
“santificação, sem a qual ninguém verá o Senhor” (Hb 12.14; 1 Pe 1.15).
14)
“Temperante”. E qualidade de quem tem “temperança”, ou domínio próprio,
autocontrole. Que sabe dominar seus impulsos e paixões, seja na área dos
relacionamentos, na área afetiva, sexual, ou nos apetites carnais. O intemperante
em qualquer área acaba prejudicando a si ou aos outros. O bispo ou presbítero
precisa ser um exemplo na temperança.
Após
enumerar as quatorze qualificações para a escolha de um presbítero ou bispo,
Paulo diz a condição para que ele possa exercer sua nobre missão, de cuidar,
zelar e alimentar o rebanho:
1)
“Retendo firme a fiel Palavra, que é conforme a doutrina (1.9a)”. Para que
todas as qualificações do ministro tenham valor é necessário que ele seja
“exemplo dos fiéis, na palavra, no trato, na caridade, no espírito, na fé, na
pureza” (1 Tm 4.12).
2) “Para
que seja poderoso, tanto para admoestar com a sã doutrina como para convencer
os contradizentes” (1.9b). Guardando ou retendo a “Fiel Palavra” de Deus, o
líder tem autoridade para admoestar os que aceitam a “sã doutrina” e para
“convencer os contradizentes”, ou opositores da liderança. Paulo sabia o que
era esse tipo de gente (1 Tm 1.20; 2Tm 2.17; 4.14).
Para que
as qualificações do presbítero ou bispo sejam completas, é interessante reunir
as qualidades aqui estudadas com as da lista de Paulo a Timóteo, no capítulo
2.1-7. Uma complementa a outra.Elinaldo
Renovato. Dons espirituais & Ministeriais Servindo a Deus e aos homens com
poder extraordinário. Editora CPAD. pag. 131-135.
Tt 1.
6-9. Paulo descreve o tipo de homens a ser selecionado para este cargo
importante: Aquele que for irrepreensível, marido de uma mulher, que tenha
filhos fiéis, que não possam ser acusados de dissolução nem são desobedientes
(6). Estas qualificações que os presbíteros têm de possuir são semelhantes à
lista de qualifieações para bispo em 1 Timóteo 3. Irrepreensível significa ter
“caráter inatacável” (NEB), “integridade inquestionável” (CH). Esta é qualidade
importantíssima. O ministro cristão deve ser pessoa que evita não só o mal, mas
a própria aparência do mal. Sob todos os aspectos de conduta, ele tem de estar
acima de repreensão. Suas relações matrimoniais não devem ter a mínima nódoa de
escândalo. Muitos na igreja primitiva consideravam que marido de uma mulher era
proibição de casar-se de novo por qualquer razão. A referência óbvia aqui é a
casamentos duplos. As tradições cristãs de nossos dias não desaprovam o crente
casar-se de novo após o falecimento da primeira esposa. Devemos tratar esta
área com toda a discrição. O escândalo do divórcio tem envenenado tão
completamente o fluxo da ordem social de nossos tempos, que devemos ser
extremamente sensatos e cuidadosos nesta questão de segundo casamento, “para
que o nosso ministério não caia em descrédito” (2 Co 6.3, NVI).
Que tenha
filhos fiéis (6) é expressão que requer algumas considerações. Seu verdadeiro
significado foi capturado pela tradução: “que tenha filhos crentes” (BAB, RA;
cf. NVI). A estipulação registrada em 1 Timóteo 3.4 diz apenas: “Tendo seus
filhos em sujeição, com toda a modéstia”. Mas aqui Paulo vai mais longe,
insistindo que em Creta os homens separados para o cargo de presbítero têm de
ser bem-sucedidos em entregar a fé cristã aos seus filhos. E verdade que nenhum
pai pode controlar ou determinar as decisões morais e espirituais dos filhos.
As vezes, apesar de nossos melhores e mais sinceros esforços, os filhos no
livre exercício da vontade fazem escolhas que causam profundo sofrimento para
os pais. Mas não há nada que recomende a sinceridade e devoção de um ministro
piedoso que o fato de que seus filhos estão seguindo-o como ele segue Cristo.
Que não
possam ser acusados de dissolução nem são desobedientes (6) é, de certo modo,
alternativa a fiéis. Esta tradução esclarece a frase: “Não sujeitos à acusação de
serem libertinos ou insubordinados” (RSV; cf. CH, NVI).
Porque
convém que o bispo seja irrepreensível como despenseiro da casa de Deus, não
soberbo, nem iracundo, nem dado ao vinho, nem espancador, nem cobiçoso de torpe
ganância (7). O assunto desta lista adicional de qualificações é o bispo (no
singular) e não os “presbíteros” (no plural). Barrett observa que “a mudança do
plural (presbíteros) para o singular (bispo) é mais bem explicado não pela
suposição de que em cada cidade havia um grupo de presbíteros e só um bispo,
mas pela interpretação [...] de que, enquanto que presbítero descreve o cargo,
bispo descreve sua função: Os presbíteros que você designar devem ter certas
qualificações, pois o homem que exerce a supervisão tem de ser”1 não soberbo, nem
iracundo, nem dado ao vinho, nem espancador, nem cobiçoso de torpe ganância.
A
qualidade da irrepreensibilidade — “caráter inatacável” (6) — ocorre novamente,
pois a responsabilidade do bispo é servir como despenseiro da casa de Deus (7).
O termo despenseiro quer dizer, literalmente, “o administrador de uma casa ou
família” (Kelly). O bispo era o gerente financeiro da igreja local e por isso,
se por nenhuma outra razão, deve ser homem de extrema integridade.
O
apóstolo alista cinco defeitos que devem estar visivelmente ausentes no bispo
(7). São falhas de caráter que, caso sejam toleradas em um líder eclesiástico,
lhe causarão ruína certa. O soberbo é alguém propenso a ser “arrogante” (BAB),
opinioso e teimoso. Característica como esta constituiria alta traição do
espírito do Mestre. O iracundo seria indivíduo esquentado, vingativo e
totalmente falto de paciência (“impacientes”, BV), que é tão essencial ao servo
de Cristo. Nem dado ao vinho (“beberrão”, BJ) é expressão que sempre nos deixa
surpresos num contexto como este. Contudo, era um problema muito sério na
igreja do século I. A viticultura era abundante em todos os lugares ao longo da
bacia mediterrânea, e a tentação de beber vinho e, daí, ficar bêbado vinha de
todos os lados. Nem espancador (“violento”, BAB, BJ, CH, NTLH, NVI, RA) indica
a tendência à ação violenta ou arbitrária, que com certeza ocorria
ocasionalmente entre os líderes locais na igreja primitiva. Nem cobiçoso de
torpe ganância (“nem ávido por lucro desonesto”, NVI, cf. BJ, CH) é outra
característica grosseira contra a qual Paulo adverte. Como guardião dos fundos
monetários da igreja esta poderia se tornar fonte de tentação para o bispo.
Para
compensar esta lista de cinco defeitos a serem evitados, Paulo faz uma lista de
seis virtudes a serem cultivadas pelos líderes da igreja: Mas dado à
hospitalidade, amigo do bem, moderado, justo, santo, temperante (8). Na lista
de Paulo das qualificações de bispo registrada em 1 Timóteo 3.2 consta o dever
da hospitalidade, quesito repetido aqui. Na função de líder da igreja,
tornou-se responsabilidade do bispo receber em casa os apóstolos e evangelistas
visitantes que em suas viagens passassem por ali. Só nos tempos atuais o
“quarto excedente” na casa foi substituído por hotéis para o alojamento de
convidados. A hospitalidade cretense do século I era recurso importante para o
líder da igreja.
Amigo do
bem (8) tem o significado literal de “amante do bem” ou “reto” (“amante da
bondade”, RSV; “bondoso”, BJ). Esta qualidade nos lembra a advertência de Paulo
em Filipenses 4.8: “Quanto ao mais, irmãos, tudo o que é verdadeiro, tudo o que
é honesto, tudo o que é justo, tudo o que é puro, tudo o que é amável, tudo o
que é de boa fama, se há alguma virtude, e se há algum louvor, nisso pensai”.
Seguir esta instrução é ser amante da bondade, característica que o ministro da
igreja de Cristo deve se sobressair em excelência.
O termo
grego traduzido pela palavra moderado é de significação muito próxima de
temperante (8) que consta nesta mesma lista de virtudes. Ambos os termos
sugerem autodomínio ou autocontrole (“controlado”, CH; “domínio próprio”, NVI;
“domínio de si”, RA), a habilidade de lidar objetivamente com situações
difíceis sem se deixar influenciar por preconceito. Barclay, em sua tradução,
prefere a palavra “prudente” (NTLH), e cita a definição que Trench dá ao termo:
“Controle total sobre as paixões e desejos, de forma que elas não recebam
outras concessões além do que a lei e a reta razão admitirem e aprovarem”.2 As
qualidades denotadas pelas palavras justo e santo mostram idéias estritamente
religiosas. Mas é provável que devamos entender justo não como referência à
posição do homem diante de Deus, por ter sido justificado pela fé pela graça,
mas à sua habilidade de tratar com correção seus semelhantes, de administrar
seu oficio com justiça escrupulosa e integridade inatacável. O termo santo é
traduzido por “devoto” (NEB), conotando a qualidade de piedade (cf. “piedoso”,
AEC, BJ, RA), a qualidade da relação pessoal afetuosa e terna com Cristo. Mas Barclay
afirma que o termo conota muito mais, “pois descreve o homem que reverencia as
decências fundamentais da vida, as coisas que voltam além de qualquer lei ou
regulamento feito pelo homem”.3
O
apóstolo introduz no versículo 9 uma exigência adicional: Retendo firme a fiel
palavra, que é conforme a doutrina, para que seja poderoso, tanto para
admoestar (“exortar”, BAB, RA) com a sã doutrina como para convencer os
contradizentes. Este é um tema que aparece em 1 Timóteo, embora não com todo
este grau de ênfase. Em 1 Timóteo 5.17, Paulo destaca os presbíteros que
“trabalham na palavra e na doutrina” como “dignos de duplicada honra”. Mas
aqui, na Epístola a Tito, a competência nesta área é de todos os presbíteros. É
a um ministério como este que Deus chama os homens quando os convoca a ir e
pregar. E responsabilidade do pregador “oferecer Cristo aos homens”, como
Carlos Wesley gostava de dizer. Neste verso, ele descreve liricamente esta
tarefa central de pregar:
Ofereço-lhe
meu Salvador;
Amigo de
publicanos e Advogado:
Seus
méritos e morte, ele advoga por você;
E
intercede com Deus pelos pecadores na terra*
Mas
pregar Cristo e oferecê-lo às pessoas é conhecer seguramente a Palavra de Deus
relativa a Cristo, mantê-la em consideração reverente e declarar sua verdade às
pessoas. Nestas Epístolas Pastorais, Paulo está vitalmente interessado na sã
doutrina. Por essa época, a mensagem da igreja tomara forma em credos e
fórmulas batismais. Vemos fragmentos dessas declarações de credo afloradas nas
cartas a Timóteo. Cada nova geração de líderes cristãos tem a necessidade de
declarar novamente as doutrinas básicas da fé cristã e justificá-las na mente e
consciência dos que as ouvem. Mas a sã doutrina também tem preceitos éticos,
que mostram como todos os cristãos, homens e mulheres, moços e velhos, escravos
e livres, devem viver em um mundo que rejeita Cristo. Tudo isto faz parte da
tarefa de admoestar e convencer os contradizentes — os que negam e contradizem
a verdade.J. Glenn Gould. Comentário Bíblico Beacon. Editora CPAD. Vol. 9. pag.
545-547.
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