Erroll Hulse
Esboçarei a vida de Richard Baxter e,
em seguida, destacarei o seu zelo, expresso em sua extraordinária obra
pastoral, em Kidderminster, e em seu clássico The Reformed Pastor (O Pastor
Aprovado).
Um esboço de sua vida
Richard Baxter nasceu em 1615.
Diferentemente da maioria dos famosos ministros puritanos, Baxter não desfrutou
de estudos nas universidades de Oxford ou Cambridge. Ele estudou na modesta
Escola Pública Donnington. Depois, foi um autodidata. Leitor ávido, Baxter
estudou amplamente vários assuntos. Deste modo, tornou-se um homem de
excepcional conhecimento e habilidade para debates. Foi ordenado diácono pelo
bispo de Worcester, em 1638. Por breve tempo (1641-1642), Baxter trabalhou como
preletor e co-pastor em Kidderminster. Em 1642, o país se envolveu em guerra
civil. Baxter serviu como capelão no Exército do Parlamento até 1647,
retornando a Kidderminster como pastor. Ali, ele trabalhou até 1661. Estes 14
anos, em que teve a idade de 32 a 46 anos, foram notáveis por causa da
transformação espiritual operada na cidade. Aquele município foi tão abençoado
que se tornou um referencial na história evangélica da Inglaterra.
Quase no fim de seu ministério em
Kidderminster, uma viúva chamada Mary Hanmer veio morar na cidade, a fim de
obter benefícios do ministério de Baxter. Ela estava acompanhada de sua filha
Margaret, que tinha 16 anos de idade, e que era mundana e indiferente ao
evangelho. Nos quatro anos seguintes, Margaret foi afetada pelo ministério de
Baxter e aos 20 anos foi convertida. Durante este tempo, ela se apaixonou por
Baxter, que considerava o celibato ideal para um ministro. Ele proclamava isto
com entusiasmo — um ponto de vista que consistia um grande contraste com os
puritanos ingleses, os quais afirmavam, com vigor, a doutrina bíblica do
casamento e da família. Richard Baxter deixou Kidderminster, para viver em
Londres, onde ele usou toda influência possível a fim de obter um tratamento
justo para os puritanos. Mary e Margaret o seguiram e passaram a morar perto
dele. O Ato de Uniformidade, sancionado pelo Parlamento, em 1662, era rígido e
severamente contrário à consciência dos puritanos.
O Ato de Uniformidade levou os
puritanos a deixarem a Igreja Anglicana. Cerca de 2.000 ministros puritanos
sofreram a perda de seu sustento, naquilo que, na História, ficou conhecido
como a Grande Expulsão. É claro que isto incluiu Baxter. Sua vida foi
arruinada: fora cruelmente despojado de sua razão de ser. Ele era pastor por
natureza, agora sem igreja; um pregador nato, sem púlpito. A sua justificativa
para o celibato desapareceu. Baxter se casou com Margaret em 19 de setembro de
1662. Ela estaria sempre com ele, confortando-o, prestando-lhe cuidado nas
freqüentes enfermidades, apoiando todos os interesses práticos de sua vida.
Viver com Margaret foi a maior consolação desfrutada por ele durante os anos
difíceis que vieram depois. O restante da vida de Baxter foi marcado por
aflições. Em 1669, ficou preso por mais de uma semana em Clerkenwell e por 21
meses em Southwark (1685-1686). Ele nunca teve uma saúde robusta e precisou
lutar contra graves surtos de enfermidade.
Em novembro de 1672, Baxter pregou
publicamente pela primeira vez em dez anos. Margaret (1636-1681) empregou, com
generosidade, parte considerável de sua herança para garantir que Richard
Baxter exercesse um ministério público eficiente. Ela alugou um salão público,
onde cabiam 800 pessoas, em uma das áreas mais carentes de Londres e contratou
algumas pessoas para ajudarem Baxter em seu ministério.
Durante o tempo de exclusão do
ministério público, Richard Baxter usou seu tempo para escrever. Seus escritos
excederam, em quantidade, os de John Owen. Diferentemente de John Owen, que
talvez seja o melhor teólogo de língua inglesa, Richard Baxter era neonomiano e
amiraldiano. Infelizmente, isto produziu confusão teológica nas duas gerações
seguintes. Os leitores dos três clássicos de Baxter — O Descanso Eterno dos
Santos (“The Saints’ Ever- lasting Rest”), uma explicação a respeito do céu; Um
Apelo ao Não-convertido (“A Call to the Unconverted”) e O Pastor Aprovado (“The
Reformed Pastor”) — não perceberão estes erros. É mais fácil ler Baxter que
Owen. A sua obra mais extensa intitula-se Diretório Cristão (“Christian
Directory”) e aborda cada aspecto da vida cristã sob um ponto de vista prático.
É na aplicação prática das Escrituras que vemos o melhor de Baxter. Ele possuía
um poderoso dom de constranger e levar a consciência à obediência.
Richard Baxter era sempre zeloso no que
se refere à obra missionária. Ele foi um dos principais motivadores do
estabelecimento da Sociedade de Propagação do Evangelho. John Eliot, famoso
como “o apóstolo dos índios americanos”, encontrou em Baxter um excelente
auxiliador. Durante a sua última enfermidade, em 1691, Baxter leu A Vida de
Eliot e escreveu ao seu autor, Increase Mather: “Pensei que morreria por volta
das 12 horas, na cama, mas o seu livro vivificou-me. Conheço muitas das
opiniões do Sr. Eliot, por meio das várias cartas que recebi dele. Não houve na
terra um homem que honrei mais do que ele. A obra evangélica de Eliot é a
sucessão apostólica pela qual eu mesmo suplico”.
Evangelismo zeloso em Kidderminster
Na qualidade de pastor, Richard Baxter
era excepcional. O sucesso do evangelho em Kidderminster, sob a liderança dele,
foi singular. Não podemos encontrar na história evangélica da Inglaterra algo
que se compare com este sucesso.
A cidade tinha aproximadamente 800
casas e uma população entre 2.000 e 4.000 pessoas. Baxter percebeu que eles eram
“ignorantes, rudes e festeiros”. Uma notável mudança ocorreu. “Quando comecei
meus trabalhos, tive cuidado especial por todos os que eram humildes,
reformados ou convertidos. Mas, quando já havia trabalhado por bom tempo,
aprouve a Deus que os convertidos fossem tantos, que não pude me dar ao luxo de
gastar tempo com observações particulares; famílias e considerável número de
pessoas vieram de uma só vez, amadureceram e cresceram, de um modo que não sei
explicar”. O método de Baxter consistia em visitar casa por casa e ser bastante
direto no assunto de conhecer a Deus com fé salvadora.
No prédio da igreja cabiam 1.000
pessoas. Cinco galerias foram acrescentadas para acomodar a congregação.Quando
Baxter chegou a esta pobre cidade, onde a tecelagem era a principal atividade,
ela era um deserto espiritual. Quando ele deixou Kidderminster, era um jardim
belo e promissor. “No Dia do Senhor, qualquer um que caminhasse pelas ruas
poderia ouvir centenas de famílias cantando salmos e repetindo sermões. Quando
cheguei ali, somente uma família, em cada rua, adorava a Deus e invocava o seu
nome. Quando saí, havia algumas ruas em que não havia nem uma família que não
confessasse uma piedade séria, que nos dava esperança quanto à sinceridade
deles.”
Posteriormente, Baxter escreveu:
“Embora eu tenha estado ausente deles por quase seis anos e tenham sido
assaltados por ameaças, calúnias e difamações a respeito da pregação, eles
permanecem firmes e mantêm a sua integridade. Muitos deles estão com o Senhor.
Alguns foram expulsos; alguns estão presos. Mas nenhum deles, sobre os quais
tenho ouvido, caiu ou abandonou a sua retidão”. Quando, em dezembro de 1743,
George Whitefield visitou Kidderminster, ele escreveu a um amigo: “Fui
grandemente revigorado ao ver que o agradável aroma da boa doutrina, da obra e
da disciplina do Sr. Baxter permanece até hoje”.
A principal diferença entre Baxter e a
maioria dos pastores, do passado e do presente, é que ele combinava a pregação
com o testemunho pessoal direto, pessoa a pessoa. Com muita freqüência, os
pastores contentam-se em confinar seu testemunho do evangelho ao púlpito. A
atitude e a prática de Baxter se revelam com clareza em seu livro O Pastor
Aprovado (“The Reformed Pastor”).
Richard Baxter e “O Pastor Aprovado”
Os membros da Associação de Worcester,
a fraternidade de clérigos que tinha Baxter como espírito propulsor, se
comprometeram a adotar o método de catequese paroquial sistemática, conforme o
método de Baxter. Eles estabeleceram um dia de jejum e oração, para buscarem a
bênção de Deus sobre este empreendimento e pediram a Baxter que pregasse
naquele dia. Entretando, quando o dia chegou, Baxter se encontrava muito doente
para estar presente; por isso, em 1656, ele publicou o material que havia
preparado, uma exposição completa de Atos 20.28. Esse material recebeu o título
de O Pastor Aprovado (“The Reformed Pastor”). Este livro tornou-se famoso, e
tem sido usado em todas as gerações, até ao presente. Por exemplo, a edição da
Banner of Truth, com a excelente introdução de J. I. Packer, surgiu em 1974; e
edições posteriores foram realizadas em 1979, 1983, 1989, 1994, 1997, 1999 e
2001.
A palavra Aprovado (Reformed), no
título, não significa calvinista em doutrina, e sim renovado em suas práticas.
Este tratado é uma dinamite espiritual, e foi reconhecido assim desde a sua
criação. Um mês depois de sua publicação, um leitor escreveu: “Ó homem
grandemente abençoado! O Senhor revelou suas coisas secretas para você, pelas
quais muitas almas na Inglaterra se levantarão e bendirão a Deus por você”.
Isto provou estar correto. O livro de
Baxter, O Pastor Aprovado, ainda é o melhor manual quanto aos deveres de um
pastor. Nada tem excedido o seu poder e sua eficácia. É um imperativo para todo
pastor.
Na edição da Banner of Truth, J. I.
Packer sugere que o vigor e o poder evocativo do livro atravessam três séculos.
Ele descreve três excelentes qualidades de O Pastor Aprovado.
A primeira é o seu vigor. “As palavras
do livro têm mãos e pés.” Baxter possuía olhos perscrutadores e, certamente,
tinha palavras perscrutadoras. “Seu livro arde com zelo sincero e ardente, com
fervor evangelístico e sinceridade para convencer.”
A segunda qualidade é que o livro
contém realidade. “É honesto e direto. Freqüentemente se diz, com exatidão, que
qualquer cristão que ama o seu próximo e pensa seriamente que, sem Cristo, os
homens estão perdidos não será capaz de descansar tranqüilamente com o
pensamento de que todos ao seu redor estão indo para o inferno, mas se disporá,
irrestritamente, a testemunhar, tendo isso como seu principal objetivo de vida.
E qualquer crente que deixa de viver deste modo destrói a credibilidade de sua
fé. Pois, se ele mesmo não pode, com seriedade, ter isso como norma de seu
viver, quem mais pode ter? Nenhuma outra obra manifesta tanta solidez como O
Pastor Aprovado. Nesta obra, encontramos um amor apaixonado e um crente
terrivelmente honesto, sincero e correto pensando e falando sobre o perdido,
com realismo perfeito, insistindo em que temos de aceitar alegremente qualquer
grau de desconforto, pobreza, trabalho excessivo e perda de bens materiais, se
almas forem salvas, e apresentando, em sua própria pessoa, um exemplo vívido do
que está envolvido nesta obra.”
Terceira, o livro é um modelo de
racionalidade. J. I. Packer diz que o livro expressa bom senso. A
responsabilidade é ressaltada com clareza. “A graça entra por meio do
entendimento.” Baxter insistia em que os ministros têm de pregar a respeito de
assuntos eternos como homens que sentem o que falam e se mostram sérios a
respeito do assunto de vida e morte eterna. Baxter também sustentava que a
disciplina da igreja tem de ser praticada para mostrar que Deus não aceita o
pecado.
Em sua exposição de Atos 20. 28, Baxter
esclarece a exortação “atendei por vós”. Ele também explica o significado de
atender por todas as ovelhas do rebanho. Começa com o não-convertido e os
inclui em sua percepção. Ele exorta os pastores à supervisão cuidadosa das
famílias e persiste em que temos de ser fiéis em admoestar os transgressores.
No que diz respeito ao modo como deve ser administrada esta supervisão, ela tem
de ser realizada com franqueza e simplicidade, com humildade e uma mistura de
severidade e brandura, com seriedade e zelo, com ternura e amor para com as
pessoas, com paciência e reverência, com espiritualidade e desejos sinceros de
sucesso, com um profundo senso de nossa própria incapacidade. Finalmente,
Baxter nos convoca a labutarmos unidos com outros ministros do evangelho, o que
é sobremodo importante em nossos dias, quando divisões são mantidas por razões
insignificantes e não-bíblicas.
O zelo de Richard Baxter resplandece em
O Pastor Aprovado. As exortações de Baxter retinem com sinceridade porque ele
vivia o que pregava. À semelhança de um oficial militar, Baxter leva os seus
soldados à batalha. Ele não dá ordens a partir de uma zona de segurança.
A maneira como Baxter se dirigia à
pessoas, quer em público, quer em particular, se reflete em Um Apelo ao
Não-Convertido (“A Call to the Unconverted”), que vendeu 20.000 exemplares no
seu primeiro ano de publicação e foi traduzido para vários idiomas. O versículo
de abertura deste livro é Ezequiel 33.11: “Tão certo como eu vivo, diz o Senhor
Deus, não tenho prazer na morte do perverso, mas em que o perverso se converta
do seu caminho e viva. Convertei-vos, convertei-vos dos vossos maus caminhos;
pois por que haveis de morrer, ó casa de Israel?” A compaixão expressa neste
versículo de Ezequiel é muito semelhante ao zelo ardente que o Espírito Santo
produziu em Richard Baxter.
FONTE: http://www.editorafiel.com.br/artigos_detalhes.php?id=197
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