JOHN WYCLIFF
Artigo Mauricio Berwald
fonte wikipédia.
John Wycliffe
Nascimento c. 1328
Hipswell, Inglaterra
Morte 31 de dezembro de
1384
Lutterworth, Inglaterra
Influências
Principais interessesTeologia
John Wycliffe (ou Wycliffe) (c. 1328 — 31 de dezembro 1384) foi professor
da Universidade de Oxford, teólogo e reformador religioso inglês, considerado
precursor das reformas religiosas que sacudiram a Europa nos séculos XV e XVI
(ver: Reforma Protestante). Trabalhou na primeira tradução da Bíblia para o
idioma inglês, que ficou conhecida como a Bíblia de Wycliffe.
Família e Infância
Sua família era tradicional na região de Yorkshire, sendo que, à época do
seu nascimento as propriedades familiares cobriam amplo território nas
redondezas de Ipreswell (hoje Hipswell), seu local de nascimento. Não há
certeza sobre o ano de seu nascimento, um dos anos mais citados é 1320, mas há
variações de 1320 a 1328.
Não se sabe, ainda, o ano em que ele foi enviado pela família para
estudar na Universidade de Oxford, mas há certeza de que estava lá desde pelo
menos 1345.
Em Oxford
Na Universidade, aplicou-se nos estudos de teologia, filosofia e
legislação canônica. Tornou-se sacerdote e depois serviu como professor no
Balliol College, ainda em Oxford. Por volta de 1365 tornou-se bacharel em
teologia e, em 1372, doutor em teologia.
Como teólogo, logo destacou-se pela firme defesa dos interesses nacionais
contra as demandas do papado, ganhando reputação de patriota e reformista.
Wycliffe afirmava que havia um grande contraste entre o que a Igreja era e o
que deveria ser, por isso defendia reformas. Suas idéias apontavam a
incompatibilidade entre várias normas do clero e os ensinos de Jesus e seus
apóstolos.
Uma destas incompatibilidades era a questão das propriedades e da riqueza
do clero. Wycliffe queria o retorno da Igreja à primitiva pobreza dos tempos
dos evangelistas, algo que, na sua visão, era incompatível com o poder temporal
do papa e dos cardeais. Para ele o Estado deveria tomar posse de todas as
propriedades da Igreja e encarregar-se diretamente do sustento do clero. Logo,
a cátedra deixou de ser o único meio de propagação de suas idéias, ao iniciar a
escrita de seu trabalho mais importante, a Summa theologica.
Entre as idéias mais revolucionárias desta obra, está a afirmação de que,
nos assuntos de ordem material, o rei está acima do papa e que a Igreja deveria
renunciar a qualquer tipo de poder temporal. Sua obra seguinte, De civili
dominio, aprofunda as críticas ao Papado de Avinhão (onde esteve a sede
provisória da Igreja de 1309 até 1377), com seu sistema de venda de
indulgências e a vida perdulária e luxuosa de muitos padres, bispos e
religiosos sustentados com dinheiro do povo. Wycliffe defendia que era tarefa
do Estado lutar contra o que considerava abusos do papado. A obra contém 18
teses, que vieram a público em Oxford em 1376.
Suas idéias espalharam-se com grande rapidez, em parte pelos interesses
da nobreza em confiscar os bens então em poder da igreja. Wycliffe pregava nas
igrejas em Londres e sua mensagem era bem recebida.
A oposição da Igreja
Apesar de sua crescente popularidade, a Igreja apressou-se em censurar
Wycliffe. Em 19 de fevereiro de 1377, Wycliffe é intimado a apresentar-se
diante do Bispo de Londres para explanar-lhe seus ensinamentos.
Compareceu acompanhado de vários amigos influentes e quatro monges foram
seus advogados. Uma multidão aglomerou-se na igreja para apoiar Wycliffe e
houve animosidades com o bispo. Isto irritou ainda mais o clero e os ataques
contra Wycliffe se intensificaram, acusando-o de blasfêmia, orgulho e heresia.
Enquanto isso, os partidos no Parlamento inglês pareciam convictos de que os
monges poderiam ser melhor controlados se fossem aliviados de suas obrigações
seculares.
É importante lembrar que, neste período, desenrolava-se a Guerra dos Cem
Anos entre a França e a Inglaterra. Na Inglaterra daquele tempo, tudo que era
identificado como francês era visto como inimigo e nessa visão se incluiu a
Igreja, pois havia transferido sua sede de Roma para Avinhão, na França. A
elite inglesa (realeza, parlamento e nobreza) reagia à idéia de enviar dinheiro
aos papas, esta era uma atitude vista como ajuda ao sustento do próprio
inimigo. Neste ambiente hostil à França e à Igreja, um teólogo como Wycliffe
desfrutou quase imediatamente de grande apoio, não apenas político, como também
popular, despertando o nacionalismo inglês.
Em 22 de maio de 1377, o Papa Gregório XI, que em janeiro havia
abandonado Avinhão para retornar a sede da Igreja a Roma, expediu uma bula
contra Wycliffe, declarando que suas 18 teses eram errôneas e perigosas para a
Igreja e o Estado. O apoio de que Wycliffe desfrutava na corte e no parlamento
tornaram a bula sem efeito prático, pois era geral a opinião de que a Igreja
estava exaurindo os cofres ingleses.
Poder Real X Poder Eclesiástico
Anglicanismo
Ao mesmo tempo em que defendia que a Igreja deveria retornar à primitiva
pobreza dos tempos apostólicos, Wycliffe também entendia que o poder da Igreja
devia ser limitado às questões espirituais, sendo o poder temporal exercido
pelo Estado, representado pelo rei. Seu livro De officio regis defendia que o
poder real também era originário de Deus, encontrava testemunho nas Escrituras
Sagradas, quando Cristo aconselhou "dar a César o que é de César". Era
pecado, em sua opinião, opor-se ao poder do rei e todas as pessoas, inclusive o
clero, deveriam pagar-lhe tributos.
O rei deve aplicar seu poder com sabedoria e suas leis devem estar de
acordo com as de Deus. Das leis de Deus se deriva a autoridade das leis reais,
inclusive daquelas em que o rei atua contra o clero, porque se o clero
negligencia seu ofício, o rei deve chama-lo a responder diante de si. Ou seja,
o rei deve possuir um "controle evangélico" e quem serve à Igreja
deve submeter-se às leis do Estado. Os arcebispos ingleses deveriam receber sua
autoridade do rei (não do papa).
Este livro teve grande influência na reforma da Igreja, não apenas na
Inglaterra, que sob Henrique VIII passaria a ter a igreja subordinada ao Estado
e o rei como chefe da Igreja, mas também na Boêmia e na Alemanha. Especialmente
interessantes são também os ensinamentos que Wycliffe endereça aos reis, para
que protejam seus teólogos. Ele sustentava que, já que as leis do rei devem
estar de acordo com as Escrituras, o conhecimento da Bíblia é necessário para
fortalecer o exercício do poder real. O rei deveria cercar-se de teólogos para
aconselha-lo na tarefa de proclamar as leis reais.
Wycliffe e o papado
Os escritos de Wycliffe em seus seis últimos anos incluem contínuos
ataques ao papado e à hierarquia eclesiástica da época. Nem sempre foi assim,
entretanto. Seus primeiros escritos eram muito mais moderados e, à medida que
as relações de Wycliffe com a Igreja foram se deteriorando, os ataques cresceram
em intensidade.
Na questão relacionada ao cisma da Igreja, com papas reivindicando em
Roma e Avinhão a liderança da Igreja, Wycliffe entendia que o cristão não
precisa de Roma ou Avinhão, pois Deus está em toda parte. "Nosso papa é o
Cristo", sustentava. Em sua opinião, a Igreja poderia continuar existindo
mesmo sem a existência de um líder visível, por outro lado os líderes poderiam
surgir naturalmente, desde que vivessem e exemplificassem os ensinamentos de
Jesus.
Contra as Ordens Monásticas
A batalha de Wycliffe contra as ordens monásticas (que ele chamava de
"seitas") iniciou-se por volta de 1377 e alongou-se até sua morte.
Wycliffe afirmou que o papado imperialista era suportado por estas
"seitas", que serviam ao domínio do papa sobre as nações daquele
tempo. Em vários de seus escritos, como Trialogus, Dialogus, Opus evangelicum e
alguns sermões, Wycliffe dizia que a Igreja não necessitava de novas
"seitas" e que eram suficientes os ensinos dos três primeiros séculos
de existência da Igreja. Defendia que as ordens monásticas não eram suportadas
pela Bíblia e deveriam ser abolidas, junto com suas propriedades.
O povo então se insurgiu contra os
monges e podemos observar os maiores efeitos dessa insurreição na Boêmia, anos
mais tarde, com a revolução hussita. Na Inglaterra, entretanto, o resultado não
foi o esperado por Wycliffe: as propriedades acabaram nas mãos dos grandes
barões feudais.
A Bíblia Inglesa
John Wycliffe entrega a tradução da Bíblia aos padres, que ficaram
conhecidos como lolardos. (quadro de William Frederick Yeames).
Wycliffe organizou um projeto de tradução das Escrituras, defendendo que
a Bíblia deveria ser a base de toda a doutrina da Igreja e a única norma da fé
cristã. Sustentava que o papa ou os cardeais não possuíam autoridade para
condenar suas 18 teses, pois Cristo é a cabeça da Igreja e não os papas."A
verdadeira autoridade emana da Biblia, que contém o suficiente para governar o
mundo", cita Wycliffe em seu livro De sufficientia legis Christi. Wycliffe
afirmava que na Bíblia se encontra a verdade, a fonte fundamental do
Cristianismo e que, por isso, sem o conhecimento da Bíblia não haveria paz na
Igreja e na sociedade. Com isso, contrapunha a autoridade das escrituras à
autoridade papal: "Enquanto temos muitos papas e centenas de cardeais,
suas palavras só podem ser consideradas se estiverem de acordo com a
Bíblia". Idêntico princípio seguiria Lutero mais de 100 anos depois, ao
liderar a Reforma Protestante.
Wycliffe acreditava que a Bíblia deveria ser um bem comum de todos os
cristãos e precisaria estar disponível para uso cotidiano, na língua nativa das
populações. A honra nacional requeria isto, desde quando os membros da nobreza
passaram a possuir exemplares da Bíblia em língua francesa. Partes da Bíblia já
haviam sido traduzidas para o inglês, mas não havia uma tradução completa.
Wycliffe atribuiu a si mesmo esta tarefa. Embora não se possa definir
exatamente a sua parte na tradução (que foi baseada na Vulgata), não há dúvidas
de que foi sua a iniciativa e que o sucesso do projeto foi devido à sua
liderança.
A ele devemos a tradução clara e uniforme do Novo Testamento, enquanto
seu amigo Nicholas de Hereford traduziu o Antigo Testamento. Ambas as traduções
foram revisadas por John Purvey em 1388, quando então a população em massa teve
acesso à Bíblia em idioma inglês, ao mesmo tempo que se ouvia dos críticos:
"a jóia do clero tornou-se o brinquedo dos leigos".
Mas, cabe fazer algumas ressalvas. Durante a Idade Média os livros eram
raros e caros por serem feitos à mão, a Bíblia não era exceção. O uso exclusivo
do Latim era comum a todos os livros dado a universalidade da língua e o seu
reconhcimento erudito e intelectual na Europa Ocidental, regra válida também
para a Bíblia. A tradução de Wycliffe da Bíblia para o inglês pode ser
entendida como mais movida pelo nacionalismo inglês e menos por uma inclinação
popular de democratização de acesso. Os pobres continuaram sem ter acesso a
mesma por dois motivos: o primeiro é que era cara por sua confecção ainda
manual e segundo o povo continuava analfabeto.
A grande difusão da Bíblia só foi de fato possível com a invenção da
imprensa no século XV e a universalização da educação a partir do século XIX.
Então, somente após o século XIX reuniram-se as condições para a Bíblia se
tornar um livro popular.
Apesar do empenho da hierarquia eclesiástica em destruir as traduções em
razão do que consideravam como erros de tradução e comentários equivocados,
ainda existem ao redor de 150 manuscritos, parciais ou completos, contendo a
tradução em sua forma revisada. Disso podemos inferir o quão difundida essa
tradução foi no século XV, razão pela qual os partidários de Wycliffe eram
chamados de "homens da Bíblia" por seus críticos. Assim como a versão
de Lutero teve grande influência sobre a língua alemã, também a versão de
Wycliffe influenciou o idioma inglês, pela sua clareza, força e beleza.
A Bíblia de Wycliffe, como passou a ser conhecida, foi amplamente
distribuída por toda a Inglaterra. A Igreja a denunciou como uma tradução não
autorizada.
Wycliffe e os lolardos
Contrário à rígida hierarquia eclesiástica, Wycliffe defendia a pobreza
dos padres e os organizou em grupos para divulgar os ensinos de Cristo. Estes
padres (mais tarde chamados de "lolardos") não faziam votos nem
recebiam consagração formal, mas dedicavam sua vida a ensinar o Evangelho ao
povo. Estes pregadores itinerantes espalharam os ensinos de Wycliffe pelo
interior da Inglaterra, agrupados dois a dois, de pés descalços, usando longas
túnicas e carregando cajados nas mãos.
Em meados de 1381 uma insurreição social amedrontou os grandes
proprietários ingleses e o rei Ricardo II foi levado a crer que os lolardos
haviam contribuído com ela. Ele ordenou à Universidade de Oxford (que havia
sido reduto de líderes insurretos) que expulsasse Wycliffe e seus seguidores,
apesar destes não haverem apoiado qualquer movimento rebelde. O rei proibiu a
citação dos ensinos de Wycliffe em sermões e mesmo em discussões acadêmicas,
sob pena de prisão para os infratores.
O legado de Wycliffe
Início do Evangelho de João, em uma cópia da tradução para o inglês da
Bíblia de Wycliffe.Wycliffe então se retirou para sua casa em Lutterworth, onde
reuniu sábios que o auxiliaram na tarefa de traduzir a Bíblia do latim para o
inglês. Enquanto assistia à missa em Lutterworth, no dia 28 de dezembro de
1384, foi acometido por um ataque de apoplexia, falecendo 3 dias depois, no
último dia do ano.
Exumação e cremação dos ossos de John Wycliffe.
A influência dos escritos de Wycliffe foi muito grande em outros
movimentos reformistas, em particular sobre o da Boêmia, liderado por Jan Huss
e Jerônimo de Praga. Para frear tais movimentos, a Igreja convocou o Concílio
de Constança (1414 – 1418). Um decreto deste Concílio (expedido em 4 de maio de
1415) declarou Wycliffe como herético, recomendou que todos os seus escritos
fossem queimados e ordenou que seus restos mortais fossem exumados e queimados,
o que foi cumprido 12 anos mais tarde pelo Papa Martinho V. Suas cinzas foram
jogadas no rio Swift, que banha Lutterworth.
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