PRINCIPAIS HERESIAS PRIMITIVAS
Artigo Mauricio Berwald
“O que foi é o que há de
ser; e o que se fez, isso se tornará fazer; nada há, pois, novo debaixo do sol.
Há alguma coisa de que se possa dizer: Vê, isto é novo? Não! Já foi nos séculos
antes de nós” (Ec 1.10).
Você sabia que o batismo
pelos mortos foi uma heresia apregoada cerca de 1600 anos antes da “revelação”
atribuída pelos mórmons a Joseph Smith Jr.? Esse é apenas um dos muitos desvios
doutrinários que atravessaram séculos e foram incorporados pelas seitas pseudocristãs.
A “revelação”, baseada na
necessidade de restaurar a igreja, e a rejeição ao Antigo Testamento surgiram
na mesma época e fluíram dos ensinamentos de Márcion. Montano pregou que o fim
do mundo ocorreria em sua geração e atribuiu a si o fato de iniciar e findar o
ministério do Espírito Santo. Sabélio, com seu modalismo, foi outra fonte de
distorções bíblicas que até hoje é disseminada entre os evangélicos. Ainda
fazem parte desse grupo Mani, com sua doutrina reencarnacionista; Ário, que
deturpou a natureza de Jesus ao apresentá-lo como um ser criado (gravíssimo
engano sustentado pelas testemunhas de Jeová); Apolinário, que, ao contrário do
antecedente, negou a humanidade de Cristo; Nestório, que ensinava a existência
de duas pessoas distintas em Cristo; Pelágio, que, como os islâmicos e outros
grupos religiosos, negava a doutrina do pecado original; e Eutíquio, que
afirmava que a natureza humana de Cristo havia sido absorvida pela divina.
Como podemos inferir, as
heresias combatidas pela igreja contemporânea foram enfrentadas pela igreja
primitiva que, com muito esforço e com a ajuda de concílios e credos, conseguiu
defender a fé que “de uma vez por todas foi entregue aos santos”. Continuemos a
defendê-la!
Márcion (95 - 165)
Informações indicam que
Márcion nasceu em Sinope, no Ponto, Ásia Menor. Foi proprietário de navios,
portanto, muito próspero. Aplicou sua vida à fé religiosa, primeiramente como
cristão e, finalmente, ao desenvolvimento de congregações marcionitas.
Influente líder cristão, suas
idéias o conduziram à exclusão, em 144 d.C. Então, formou uma escola gnóstica.
Tendo uma mente prolífera, desenvolveu muitas idéias, as quais foram lançadas
em uma obra apologética alvo de combate de apologistas, especialmente
Tertuliano e Epifânio.
Procurou ter uma
perspectiva paulina, contudo, incluiu muitas idéias próprias e conjecturas sem
respaldo bíblico. Era convicto de uma missão pessoal: restaurar o puro
evangelho. Antes, rejeitou o Antigo Testamento por achá-lo inútil e
ultrapassado, além de afirmar que foi produzido por um deus inferior ao Deus do
evangelho. Para Márcion, o cristianismo era totalmente independente do
judaísmo; era uma nova revelação. Segundo ele, Cristo pegou o deus do Antigo
Testamento de surpresa e este teve de entregar as chaves do inferno Àquele.
Além disso, Cristo não era Deus, apenas uma emanação do filho de Deus. O único
apóstolo fiel ao evangelho, segundo Márcion, fora Paulo, em detrimento dos
demais apóstolos e evangelistas. Conseqüentemente, a Igreja primitiva havia
desviado e, por isso, necessitava de uma restauração. Ainda segundo ele, o
homem devia levar uma vida asceta, o casamento, embora legal, era aviltador.
Entre seus muitos
ensinos, encontramos o batismo pelos mortos.
O cânon de Márcion
restringia-se as dez epístolas de Paulo e a uma versão modificada do Evangelho
de Lucas.
Gnosticismo
Nome derivado do termo
grego gnosis, que significa “conhecimento”. Os gnósticos se transformaram em
uma seita que defendia a posse de conhecimentos secretos. Segundo eles, esses
conhecimentos tornavam-nos superiores aos cristãos comuns, que não tinham o
mesmo privilégio. O movimento surgiu a partir das filosofias pagãs anteriores
ao cristianismo que floresciam na Babilônia, Egito, Síria e Grécia (Macedônia).
Ao combinar filosofia pagã, alguns elementos da astrologia e mistérios das
religiões gregas com as doutrinas apostólicas do cristianismo, o gnosticismo
tornou-se uma forte influência na igreja.
A premissa básica do
gnosticismo é uma cosmovisão dualista. O supremo Deus Pai emanava do mundo
espiritual “bom”. A partir dele, surgiram sucessivos seres finitos (éons) até
que um deles, Sofia, deu à luz a Demiurgo (Deus criador), que criou o mundo
material “mau”, juntamente com todos os elementos orgânicos e inorgânicos que o
constituem.
Cristãos gnósticos, como
Márcion e Valentim, ensinavam que a salvação vem por meio desses éons, Cristo,
que se esgueirou através dos poderes das trevas para transmitir o conhecimento
secreto (gnosis) e libertar os espíritos da luz, cativos no mundo material
terreno, para conduzi-los ao mundo material mais elevado. Cristo, embora
parecesse ser homem, nunca assumiu um corpo; portanto, não foi sujeito às
fraquezas e às emoções humanas.
Algumas evidências
sugerem que uma forma incipiente de gnosticismo surgiu na era apostólica e foi
o tema de várias epístolas do Novo Testamento (1João, uma das epístolas
pastorais). A maior polêmica contra os gnósticos apareceu, entretanto, no
período patrístico, com os escritos apologéticos de Irineu, Tertuliano e Hipólito.
O gnosticismo foi considerado um movimento herético pelos cristãos ortodoxos.
Atualmente, é submetido a muitas pesquisas, devido às descobertas dos textos de
Nag Hammadi, em 1945/46, no Egito. Muitas seitas e grupos ocultistas demonstram
alguma influência do antigo gnosticismo (“Dicionário de religiões, crenças e
ocultismo”. George A. Mather & Larry A Nichols. Vida, 2000, pp 175-6).
.
Ascetismo
Autonegação, visão de que
a matéria e o espírito estão em oposição um ao outro. O corpo físico, com suas
necessidades e desejos inerentes, é incompatível com o espírito e sua natureza
divina. O ascetismo defende a idéia de que uma pessoa só alcança uma condição
espiritual mais elevada se renunciar à carne e ao mundo.
O ascetismo foi
amplamente aceito nas religiões antigas e ainda hoje é uma filosofia
proeminente, sobretudo nas seitas e religiões orientais. Platão idealizou-o. As
seitas judaicas, como os essênios, praticavam-no fervorosamente e o
cristianismo institucionalizou-o, com o desenvolvimento de várias ordens
monásticas. O gnosticismo foi o maior defensor dessa filosofia (“Dicionário de
religiões, crenças e ocultismo”. George A. Mather & Larry A Nichols. Vida,
2000, p. 23).
Sabélio (180 – 250)
Nasceu na Líbia, África
do Norte, no terceiro século depois de Cristo. Depois, mudou-se para a Itália,
passando a viver em Roma. Ao conhecer o evangelho, logo se tornou um pensador
respeitado em suas considerações teológicas. Recebeu influência do Modalismo
que já estava sendo divulgado na África.
O Modalismo ocorreu, no
início, como um movimento asiático, com Noeto de Esmirna. Os principais
expoentes do movimento: Noeto, Epógono, Cleômenes e Calixto. Na África, foi
ensinado por Práxeas e na Líbia, defendido por Sabélio. Hoje, o Modalismo é
muito conhecido pelo nome sabelianismo, devido à influência intelectual
fornecida por Sabélio. O objetivo de Sabélio era preservar o monoteísmo a
qualquer custo. Tinha um objetivo em vista que, pensava, justificava os meios.
Ensinava que havia uma
única essência na divindade, contudo, rejeitava o conceito de três Pessoas em
uma só essência. Afirmava que isso designaria um culto triteísta, isto é, de
três deuses. A questão poderia ser resolvida, afirmava, pelo conceito de que
Deus se apresentaria com diversas faces ou manifestações. Primeiramente, Deus
se apresentou como Deus Pai, gerando, criando e administrando. Em seguida, como
Deus Filho, mediando, redimindo, executando a justiça. E finalmente e sucessivamente,
como Deus Espírito Santo, fazendo a manutenção das obras anteriores,
sustentando e guardando. Uma só Pessoa e três manifestações temporárias e
sucessivas.
Mani (216 - 277)
Nasceu por volta de 216
d.C. na Babilônia. Foi considerado por alguns como o último dos gnósticos.
Diferente dos demais hereges, desenvolveu-se fora do cristianismo. Todavia, era
um rival do evangelho.
Seus ensinos buscavam
respaldo no cristianismo. Afirmava, por exemplo, ser o Paracleto, o profeta
final. Em seus ensinos enfatizava a purificação pelos rituais. Em 243 d.C., o
profeta Mani teve seus ensinamentos reconhecidos por Ardashir, rei sassânida
(Índia). Então, a nova fé teve o seu “pentecostes”, analogia traçada pelos
maniqueístas.
Durante 34 anos, Mani e
seus discípulos intensificaram seu trabalho missidevo aponário pelo leste da
Ásia, Sul e Oeste da África do Norte e Europa.
A base do maniqueísmo
engloba um Deus teísta que se revela ao homem. Deus usou diversos servos, como
Buda, Zoroastro, Jesus e, finalmente, Mani. Deveriam seus discípulos praticar o
ascetismo e evitar a participação em alguma morte, mesmo de animais ou plantas.
Deveriam evitar o casamento, antes, abraçarem o celibato. O universo é
dualista, existem duas linhas morais em existência, distintas, eternas e
invictas: a luz e as trevas.
A remissão ocorre pela
gnosis, conhecimento especial que os iniciados conquistavam. Entre os remidos
há duas classes, os eleitos e os ouvintes. Os eleitos não podiam nem mesmo
matar uma planta, por isso eram servidos pelos ouvintes, que podiam matar
plantas, mas nunca animais ou até mesmo comê-los. Os eleitos subiriam, após a
morte, para a glória, enquanto os ouvintes passariam por um longo processo de
purificação. Quanto aos ímpios, continuariam reencarnando na terra. Recebeu
grande influência de Márcion.
Ário (256-336)
Presbítero de Alexandria
entre o fim do terceiro século e o início do quarto depois de Cristo. Foi
excluído em 313, quando diácono, por apoiar, com suas atitudes, o cisma da
Igreja no Egito. Após a morte do patriarca da Igreja em Alexandria, foi
recebido novamente como diácono. Depois, nomeado presbítero, quando então
começou a ensinar que Jesus Cristo era um ser criado, sem nenhum dos atributos
incomunicáveis de Deus, por exemplo, eternidade, onisciência, onipotência etc,
pelo que foi censurado, em 318, e excluído, em 321. Mas, infelizmente, sua
influência já havia sido propagada e diversos bispos da Igreja no Oriente
aceitaram o novo ensino.
Em 325, ocorreu o
concílio de Nicéia e Ário, apesar de excluído, pôde recorrer de sua exclusão,
sendo banido. Ário preparou uma resposta ao Credo Niceno, o que impressionou
muito o imperador Constantino. Atanásio resistiu à ordem de Constantino de
receber Ário em comunhão. Então Ário foi deposto e exilado em Gália, falecendo
no dia em que entraria em comunhão em Constantinopla.
A base de seu ensino era
estabelecer a razão natural como meios de entender a relação entre Deus e
Cristo. Haveria uma só Pessoa na divindade. O logos não foi apenas gerado, mas
literalmente criado. Seria tão-somente um intermediário entre Deus e os homens
e, devido à sua elevada posição, receberia adoração e glória.
Apolinário (310-390)
Foi bispo de Laodicéia da
Síria no final do quarto século. Cooperou na reprodução das Escrituras. Fez
oposição à afirmação de Ário quanto à criação e à mutabilidade de Cristo.
Por outro lado, se opôs
ao conceito da completa união entre as naturezas divina e humana em Jesus.
Afirmava que Jesus não tinha um espírito humano. Segundo ele, o espírito de
Cristo manipulava o corpo humano. Sua posição inicial era contra o arianismo,
que negava a divindade de Cristo. Em sua opinião, seria mais fácil manter a
unidade da Pessoa de Cristo, contanto que o logos fosse conceituado apenas como
substituto do mais elevado princípio racional do homem. Contrapondo-se a Ário,
ele advogava a autêntica divindade de Cristo, e tentava proteger sua
impecabilidade substituindo o pneuma (espírito) humano pelo logos, pois julgava
aquele sede do pecado.
Conseqüentemente, Apolinário
negava a própria e autêntica humanidade de Jesus Cristo.
Em 381, o sínodo de
Constantinopla declarou contundentemente, entre outros sínodos, herética a
cristologia de Apolinário.
Apolinário formou um
grupo de discípulos que manteve seus ensinos. Mas não demorou muito e o
movimento se desfez.
Nestório (375-451)
Patriarca da Igreja em
Constantinopla na metade do quinto século depois de Cristo. Seu objetivo de
expurgar as heresias na região de seu controle encontrou problemas quando
expressou sua cristologia. Encontrava-se em seu tempo idéias divergentes sobre
a natureza de Cristo. Alguns, aparentemente, negavam a existência de duas
naturezas em Cristo, postulando uma única natureza. Outros, como Teodoro de
Mopsuéstia, afirmavam que o entendimento deveria partir da completa humanidade
de Cristo. Teodoro negava a residência essencial do logos em Cristo, concedendo
somente a residência moral. Essa posição realmente substituía a encarnação pela
residência moral do logos no homem Jesus. Contudo, Teodoro declinava das
implicações de seu ensino que, inevitavelmente, levaria à dupla personalidade
em Cristo, duas pessoas entre as quais haveria uma união moral. Nestório foi
fortemente influenciado pelo seu mestre, Teodoro de Mopsuéstia.
O nestorianismo é deficiente,
não em relação à doutrina das duas naturezas de Cristo, mas, sim, quanto à
Pessoa de cada uma delas. Concorda com a autêntica e própria deidade e a
autêntica e própria humanidade, mas não são elas concebidas de forma a comporem
uma verdadeira unidade, nem a constituírem uma única pessoa. As duas naturezas
seriam igualmente duas pessoas. Ao invés de mesclar as duas naturezas em uma
única autoconsciência, o nestorianismo as situava lado a lado, sem outra
ligação além de mera união moral e simpática entre elas. Jesus seria um
hospedeiro de Cristo.
Nestor foi vigorosamente
atacado por Cirilo, patriarca de Alexandria, e condenado pelo Terceiro Concílio
de Éfeso, em 431.
O movimento nestoriano
sobreviveu até o século quatorze. Adotaram o nome de cristãos caldeus. A Igreja
persa aceitou claramente a cristologia nestoriana. Atingiu expressão culminante
no décimo terceiro século, quando dispunha de vinte e cinco arcebispos e cerca
de duzentos bispos. Nos séculos doze e treze, formou-se a Igreja Nestoriana Unida
e, atualmente, seus membros são conhecidos como Caldeus Uniatos. Na Índia, são
conhecidos como cristãos de São Tomé. Hoje, esse movimento está em declínio.
Pelágio (360-420)
Teólogo britânico. Teve
uma vida piedosa e exemplar. Baseado exatamente nessa questão, desenvolveu
conceitos sobre a hamartiologia (doutrina que estuda o pecado). Sofreu
resistência e, finalmente, foi excluído por diversos sínodos (Mileve e
Catargo), sendo, ainda, condenado no Concílio de Éfeso, em 431 d.C.
Seus ensinos afirmavam que
o homem poderia viver isento do pecado. Que o homem fora criado a imagem de
Deus e, apesar da queda, essa imagem é real e viva. Do contrário, o homem não
seria aquele homem criado por Deus. No pelagianismo a morte é uma companheira
do homem, querendo dizer que, pecando ou não, Adão finalmente morreria, ainda
que não pecasse. O ideal do homem é viver obedecendo.
O pecado original é uma
impossibilidade, pois o pecado depende de uma ação voluntária do pecador.
Afirma ainda que, por uma vida digna, os homens podem atingir o céu, mesmo
desconhecendo o evangelho. Todos serão julgados segundo o que conheciam e o que
praticavam. O livre-arbítrio era enfatizado em todas as suas afirmações,
excluindo a eleição. Um século depois, desenvolveu-se o semipelagianismo, que
amortecia alguns ensinos extravagantes de Pelágio.
Eutíquio (410-470)
Viveu em um mosteiro fora
de Constantinopla durante a primeira metade do quinto século. Discípulo de
Cirilo de Alexandria, teve grande influência e chefiava mosteiros na Igreja
oriental. Oponente do nestorianismo, afirmava que, por ocasião da encarnação, a
natureza humana de Cristo foi totalmente absorvida pela natureza divina.
Era de opinião de que os
atributos humanos em Cristo haviam sido assimilados pelo divino, pelo que seu
corpo não seria consubstancial como o nosso, que Cristo não seria humano no
sentido restrito da palavra.
Esse extremo doutrinário
contou com o apoio temporário do chamado Sínodo dos Ladrões (em 449 d.C.). Essa
decisão foi anulada mais tarde pelo Concílio de Calcedônia, em 451 depois de
Cristo.
O Sínodo dos Ladrões
recebeu esse nome porque seus participantes roubavam características da
doutrina cristocêntrica. Por esse motivo, Eutíquio foi afastado de suas
atividades eclesiásticas. Mas a Igreja egípcia continuou apoiando a doutrina de
Eutíquio e manteve seus ensinos por algum tempo. Então, o eutiquianismo surge
novamente no movimento monofisista.
FONTE WIKIPEDIA
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