Eusébio de
Cesareia
Artigo Mauricio Berwald
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Eusébio de
Cesareia, o pai da história da Igreja
Nome completo Eusébio de Cesareia
Nascimento 265
Cesareia
Marítima
Morte 30 de maio de 339
Eusébio de
Cesareia (ca. 265 — Cesareia Marítima, 30 de maio de 339) (chamado também de
Eusebius Pamphili, "Eusébio amigo de Pânfilo") foi bispo de Cesareia
e é referido como o pai da história da Igreja porque nos seus escritos estão os
primeiros relatos quanto à história do cristianismo primitivo. O seu nome está
ligado a uma crença curiosa sobre uma suposta correspondência entre o rei de
Edessa, Abgar e Jesus Cristo. Eusébio teria encontrado as cartas e, inclusive,
as copiado para a sua História Eclesiástica.
Vida
A data e o
local exato do seu nascimento são incertos e pouco se sabe da sua juventude.
Conheceu o presbítero Doroteu de Tiro em Antioquia e, provavelmente recebeu
dele instrução exegética. Em 296, estando na Palestina, viu Constantino I, que
visitava essa província com Diocleciano. Estava em Cesareia quando Agápio era,
aí, bispo. Tornou-se amigo de Pânfilo de Cesareia, com quem teria estudado a
Bíblia, com a ajuda da Hexapla de Orígenes e de comentários compilados por
Pânfilo , na tentativa de escrever uma versão crítica do Antigo Testamento.
Em 307,
Pânfilo foi preso, mas Eusébio continuou o projecto que com ele tinha começado.
O resultado foi uma apologia de Orígenes, terminada por Eusébio depois da morte
de Pânfilo, que foi enviada aos mártires na minas de Phaeno, no Egipto. Parece
que, depois, se retirou para Tiro e, mais tarde para o Egipto, onde sofreu,
pela primeira vez, perseguição. A acusação de que obteve a sua liberdade
sacrificando aos deuses pagãos parece ser infundada.
Voltamos a
ouvir falar de Eusébio como bispo de Cesareia Marítima. Sucedeu a Agápio, não
se sabe bem quando mas, de qualquer forma, terá sido pouco depois de 313. Pouco
se sabe dos primeiros tempos do seu bispado. No entanto, com o início da
controvérsia ariana, toma, subitamente um lugar de destaque. Ário pediu-lhe
proteção. Por uma carta que Eusébio escreveu a Alexandre, é evidente que não
negou refúgio ao presbítero exilado. Quando o Primeiro Concílio de Niceia se
reuniu, em 325, teve algum protagonismo[4] . Nem era um líder nato, nem sequer
um pensador profundo, mas como homem bastante instruído e autor famoso, caído
nas graças do imperador, acabou por salientar-se entre os mais de 300 membros
que reuniram no concílio. Tomando uma posição moderada na controvérsia,
apresentou o símbolo (credo) baptismal de Cesareia que acabou por se tornar a
base do Credo niceno. No final do concílio, Eusébio subscreveu os seus
decretos.
A
controvérsia ariana continuou, não obstante a realização do concílio. Eusébio
manteve-se envolvido na questão. Por exemplo, entrou em disputa com Eustácio de
Antioquia, que se opunha à crescente aceitação das teorias de Orígenes e, em
especial, por este ter praticado uma exegese alegórica das escrituras, o que
interpretava como sendo a origem teológica do arianismo (veja Escola de
Antioquia). Eusébio, admirador de Orígenes, foi repreendido por Eustácio que o
acusou de se afastar da fé de Niceia. Eusébio retorquiu, acusando Eustácio de
seguir ideias sabelianas. Eustácio foi acusado, condenado e deposto num sínodo,
em Antioquia. Grande parte do povo de Antioquia rebelou-se contra esta decisão
eclesiástica, enquanto os anti-eustacianos propunham Eusébio como novo bispo.
Ele recusou a oferta.
Depois de
Eustácio ter sido afastado, os eusebianos viraram-se contra Atanásio de
Alexandria, um oponente muito mais perigoso. Em 334, Atanásio foi intimado a
comparecer frente a um sínodo em Cesareia. Ele não compareceu. No ano seguinte,
convocou-se outro sínodo em Tiro (Concílio de Tiro), presidido por Eusébio.
Atanásio, prevendo o resultado, dirigiu-se a Constantinopla, onde apresentou a
sua causa ao imperador. Constantino convocou os bispos para a sua corte, entre
os quais, Eusébio. Atanásio foi condenado ao exílio no final de 335. Nesse
mesmo sínodo, outro oponente era atacado com sucesso. Marcelo de Ancira há
muito que lutava contra os eusebianos, protestando contra a reabilitação de
Ário. Acusado de sabelianismo, foi deposto em 336. Constantino morreu no ano
seguinte. Eusébio não sobreviveu mais tempo. Morreu (provavelmente em
Cesareia), em 340, o mais tardar, sendo provável que tenha morrido a 30 de Maio
de 339.
Obras
Da extensa
actividade literária de Eusébio, uma relativamente grande parte foi preservada.
Ainda que a posteridade tenha suspeitado dele como ariano, o seu método de
escrita tornou-o indispensável; a utilização de excertos cuidadosamente
íntegros nas suas citações poupou muito trabalho de pesquisa aos leitores
futuros. As suas obras, tornadas de referência, foram deste modo preservadas.
As obras
literárias de Eusébio reflectem o curso da sua vida. No início, dedicou-se à
crítica dos textos bíblicos, sob a influência de Pânfilo de Cesareia e,
provavelmente, de Doroteu, da escola de Antioquia. Com as perseguições de
Diocleciano e de Galério, dirigiu o seu interesse para os mártires (tanto os da
sua época, como os anteriores). Esse interesse levou-o a escrever,
praticamente, uma história da Igreja e, mesmo, uma história universal, que,
segundo o ponto de vista de Eusébio, seria apenas a base para a história
eclesiástica. Nota-se, pois, que para Eusébio, a Igreja aparece como sendo o
motor da História da Humanidade.
Com as
controvérsias arianas, o interesse de Eusébio passou para as questões
dogmáticas. A cristandade era finalmente reconhecida pelo Estado. Isso trouxe,
não obstante, novos problemas. Apologias diferentes das anteriores tornavam-se
necessárias. Por fim, Eusébio, no seu papel de teólogo da corte imperial,
escreve panegíricos hiperbólicos dedicados ao imperador cristão. A todas estas
actividades, há a acrescentar muitos outros textos de natureza diversa, em que
ressalta a sua correspondência, para além de trabalhos exegéticos onde se
incluem comentários e tratados sobre arqueologia bíblica que se estendem
durante todo o período da sua vida literária, fazendo fé daquilo por que
Eusébio viria a ser reconhecido por quase todos, independentemente da opinião
teológica que professassem: a sua larga erudição.
Obras que
versam a crítica bíblica
Pânfilo de
Cesareia e Eusébio ocuparam-se, em conjunto, da leitura crítica das escrituras
tal como eram apresentadas na versão da Bíblia conhecida como a
"Septuaginta". Dedicaram-se ao estudo do Antigo Testamento, ainda que
se debruçassem especialmente sobre o Novo Testamento. Efectivamente, parece que
um dos manuscritos da Septuaginta, preparado por Orígenes, terá sido trabalhado
e revisto pelos dois, a crer em Jerónimo.
Para
facilitar a pesquisa dos textos evangélicos, Eusébio dividiu a versão das
escrituras que tinha em seu poder em parágrafos que remetiam para uma tabela
sinóptica, de forma a encontrar os pericópios que se referissem mutuamente.
A
"Crónica"
As duas
grandes obras históricas de Eusébio são a "Crónica" e a
"História da Igreja". A primeira (em grego, "Pantodape
historia", ou seja, "História Universal") é dividida em duas
partes. A primeira, (em grego: "Chronographia", ou seja
"Anuais" ou cronologia), pretende ser um compêndio de história
universal, organizada segundo as diversas nações, recorrendo às fontes
históricas que Eusébio pesquisou arduamente. A segunda parte, (em grego,
"Chronikoi kanones", ou seja, "Cânones cronológicos") tenta
estabelecer sincronismos do material histórico em colunas paralelas. É um dos
exemplos mais antigos do que é frequente, hoje em dia, nas obras de referência,
como enciclopédias, onde os frisos cronológicos se tornaram um instrumento de
trabalho e consulta.
O trabalho
original, no seu todo, está perdido. Pode, porém, ser reconstruído a partir dos
excertos copiados, com incansável diligência, pelos cronologistas da escola
Bizantina, especialmente Jorge Sincelo. As tábuas cronológicas da segunda parte
foram totalmente preservadas numa tradução em latim feita por Jerónimo, e as
duas partes existem ainda numa tradução em arménio, ainda que o seu valor seja
discutível devido às alterações em relação ao original que poderão ter sido
feitas pelos tradutores. A "Crónica", tal como a conhecemos,
estende-se até ao ano de 325. Foi escrita antes da "História da
Igreja"
.
A
"História da Igreja
Na sua
"História da Igreja" ou "História Eclesiástica", Eusébio
tentou, de acordo com as suas próprias palavras (I, i.1), apresentar a história
da Igreja desde os apóstolos (história essa referida nos "Actos dos
Apóstolos") até ao seu próprio tempo, tendo em conta os seguintes
aspectos:
(1) a
sucessão dos bispos nas Sés principais;
(2) a
história dos Doutores da Igreja;
(3) a
história das heresias;
(4) a
história dos judeus;
(5) as
relações com os pagãos;
(6) o
martirológio.
Trabalhos
históricos menores
Antes de
compilar a sua história da Igreja, Eusébio trabalhou no martirológio do período
primitivo e uma biografia de Pânfilo de Cesareia. O martirológio não foi
conservado na íntegra, embora se tenha preservado quase na totalidade, em
partes. Contém:
(1) uma
epístola da congregação de Esmirna a respeito do martírio de Policarpo
(2) o
martírio de Piónio;
(3) os
martírios de Carpo, Papilo e Agatónica;
(4) o
martirológio das congregações de Vienne e Lyon (actual França);
(5) o
martírio de Apolônio de Roma.
Da vida de
Pânfilo resta apenas um fragmento. Um trabalho sobre os mártires da palestina
foi composto depois de 311. Um grande número de fragmentos encontram-se
disseminados por vários catálogos de lendas, ainda por compilar. A Vida de Constantino
foi compilada após a morte do imperador e a eleição do seu filho como um dos
augustos(coimperadores romanos), em 337. É mais um panegírico, repleto de
retórica, que uma biografia, mas é de grande valor histórico pelos documentos
que incorpora.
Apologias e
obras dogmáticas
Aos trabalhos
de cariz apologético ou dogmático pertencem:
(1) a
"Apologia de Orígenes", cujos primeiros cinco livros terão sido
escritos por Pânfilo de Cesareia, na prisão, assistido por Eusébio, segundo as
palavras de Fótio. Eusébio escreveu o sexto livro após a morte de Pânfilo.
Existe actualmente uma tradução em latim do primeiro livro, feita por Rufino de
Aquileia.
(2) um
tratado contra Hiérocles de Alexandria, (Governador romano e filósofo
neoplatónico), no qual Eusébio rebateu a glorificação de Apolónio de Tiana
feita por Hieróceles. O trabalho chamava-se "Discurso de Amor à
Verdade" (em grego, Philalethes logos);
(3) e (4)
duas importantes obras, relacionadas uma com a outra, conhecidas pelos nomes,
em latim Praeparatio evangelica e Demonstratio evangelica, , tentando a
primeira provar a excelência do cristianismo sobre todas as religiões e
filosofias pagãs. A Demonstratio consistia originalmente em vinte livros dos
quais foram completamente perservados dez, além de um fragmento do
décimo-quinto livro. Eusébio considerava-a como uma introdução à Cristandade
para os pagãos. O trabalho foi terminado, provavelmente, antes de 311.
(5) noutro
texto, com origem no período das perseguições, intitulado "Excertos
Proféticos" (Eklogai prophetikai), discute em quatro livros os textos
messiânicos das escrituras.
(6) o tratado
"Da Manifestação Divina" (Peri theophaneias), , escrito já
posteriormente a estes, trata da encarnação do Logos Divino, sendo, em vários
aspectos, idêntico à Demonstratio evangelica. . Restam apenas fragmentos.
(7) o
polémico tratado "Contra Marcelo", escrito cerca de 337;
(8) um
suplemento ao trabalho anterior, intitulado "Da Teologia da Igreja",
onde defende a doutrina nicena do Logos, contra o partido de Atanásio.
Um número
vasto de escritos pertencendo a esta categoria estão, até a data, completamente
perdidos.
Obras
exegéticas e outras
Dos trabalhos
exegéticos de Eusébio nada nos chegou na sua forma original. Os chamados
"comentários" baseiam-se em manuscritos posteriores copiados dessa
série (catenae) de escritos. Um trabalho mais completo, de natureza exegética,
preservado apenas em fragmentos, intitula-se "Das Diferenças dos
Evangelhos" e foi escrito com o intuito de harmonizar as contradições nos
relatos dos diferentes evangelistas. Foi também com propósitos exegéticos que
Eusébio escreveu os seus tratados de arqueologia bíblica:
(1) uma obra
sobre os equivalentes, em grego, dos nomes de família hebreus.
(2) uma
descrição da antiga Judeia, com uma relação da distribuição das dez tribos.
(3) uma
planta de Jerusalém e do Templo de Salomão.
Estes três
tratados estão perdidos. Uma obra intitulada "Sobre os Nomes dos Lugares
nas Escrituras Sagradas" sobreviveu até nós.
Há, ainda,
que fazer menção de discursos e sermões, alguns deles preservados até hoje,
como é exemplo um sermão para a consagração da Igreja de Tiro, e um discurso
para o trigésimo aniversário do reinado de Constantino (336). Das cartas de
Eusébio, restam apenas alguns fragmentos.
Comentários a
respeito de Eusébio
sua doutrina
Do ponto de
vista dogmático, Eusébio apoia-se totalmente em Orígenes. Tal como este
teólogo, partiu da ideia fundamental da soberania absoluta (monarchia) de Deus.
Deus é a causa de todos os seres. Mas não é, meramente, uma causa; Nele, tudo o
que é bom está incluído; Dele, toda a Vida é originada; e é a origem de toda a
Virtude. É o Deus Supremo, ao qual, Cristo está sujeito como Deus segundo
(secundário). Deus enviou Cristo para o Mundo para que este participasse das
Graças incluídas na essência divina. Cristo é a única criatura realmente boa,
possuindo a imagem de Deus, e sendo um raio de eterna luz; esta comparação com
o raio de luz é, no entanto, de tal forma limitada que Eusébio necessita de,
expressamente, enfatizar a auto-existência de Jesus.
Eusébio
tenta, assim, enfatizar a diferença das Pessoas da Trindade, mantendo a
subordinação de Jesus a Deus (Eusébio nunca aplica a Jesus o termo theos)
porque, segundo ele, tudo o que é defendido para além disso é suspeito de
politeísmo ou de Sabelianismo. Crê que Jesus é uma criatura de Deus cuja
geração ocorreu antes do Tempo.
Jesus é, pela sua atividade, o órgão de Deus,
o criador da vida, o princípio de todas as revelações divinas, que, no seu
carácter absoluto é entronado sobre toda a criação. Este Logos Divino assumiu
um corpo humano sem que o seu Ser fosse em algo alterado. A relação do Espírito
Santo com a Santíssima Trindade é explicada por Eusébio em termos similares à
relação entre o Pai e o Filho. Nada do que é apresentado nesta doutrina é
original de Eusébio, tudo remetendo para a teologia de Orígenes. A falta de
originalidade de Eusébio revela-se no facto de nunca ter apresentado as suas
próprias ideias de forma sistemática.
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