A
primeira visão novamente é proléptica, antecipadora (veja 10:7; 11:15), e
retrata o destino do povo de Deus que foi preservado durante a grande tribulação, mas que
tinha sido vítima da cólera da besta. João os vê no Reino messiânico. Esta
visão somente se concretiza nos capítulos 20-22, mas João gosta de relatar a
seus leitores visões antecipadoras do que virá no fim, para fortalecê-los para
as experiências duras que estão à sua frente.
1 Olhei, e eis o Cordeiro em
pé sobre o monte Sião, e com ele cento e quarenta e quatro mil tendo nas
frontes escrito o seu nome e o nome de seu Pai. João muda da profecia
sobre a besta e os que levam a marca dela sobre a mão ou a testa para os
redimidos, que trazem a marca de Deus. Apesar de terem sido vítimas da besta
por se recusarem a adorá-la, sua salvação está assegurada. Em certo sentido
isto é uma repetição da visão da grande multidão em 7:9-17, que passou pela
grande tribulação e agora está diante do trono e
do Cordeiro. A presente visão reafirma a sua vitória final, apesar do martírio
infligido pela besta.
A última vez
que vimos o Cordeiro ele estava diante do trono, no céu (7:9); aqui ele está na
cidade santa, Sião ou Jerusalém. É possível que devamos entender o monte Sião
simbolicamente, como lugar de libertação e vitória. O Salmo 2 promete
que o ungido de Deus será colocado no “meu santo monte Sião” (Sl 2:6), e
continua a promessa de vitória com as palavras: “Proclamarei o decreto do
Senhor: Eleme disse: Tu és meu Filho, eu hoje te gerei” (Sl 2:7). O
Novo Testamento encara a ressurreição do Messias como o cumprimento desta
promessa (At 13:33; Hb 1:5; 5:5). Por esta razão é possível que
o monte Sião deva ser entendido espiritualmente, como a vitória dos santos.
Porém é
mais provável que o monte Sião signifique a vitória escatológica que, de acordo
com o Apocalipse, consiste na nova Jerusalémque desce de Deus (21:2). A
Sião ou Jerusalém antiga frequentemente é definida no Antigo Testamento
como a sede do governo de Deus na terra e o centro da sua vitória final. “E
acontecerá que todo aquele que invocar o nome do Senhor será salvo; porque no
monte Sião e em Jerusalém estarão os que forem salvos” (Jl 2:32). No Novo
Testamento, todavia, Sião se tornou “a cidade do Deus vivo, a Jerusalém
celestial” (Hb 12:22), não mais uma cidade terrestre, mas de cima (Gl 4:26).
Jerusalém-Sião é a morada celestial do próprio Deus; não é mais uma cidade
terrestre onde se pensa que ele mora. Na terra ele mora nos templos vivos dos
corações do seu povo (Ef2:21-22). Quando vier o fim, todavia, as pessoas não
deixarão a terra para voar até a Jerusalém celestial; esta é que vem a eles,
descendo do céu, e Deus vai morar no meio dos homens.
Os cento
e quarenta e quatro mil são o mesmo grupo que foi selado em 7:9-17; como
naquela passagem, eles representam aqui a totalidade dos redimidos. Muitos intérpretes
insistem em que duas características deles — castidade e primeiro fruto (v. 4)
— os destacam como grupo especial de crentes, mártires ou celibatários. Mas
estas palavras, não exigem que sejam interpretadas assim; Os santos que
sofreram martírio no capítulo anterior estão agora na Jerusalém celestial,
definitivamente salvos.
2. João
ouviu uma
voz do céu, mas ele não diz de quem. Parece que ela vem da
presença de Deus. A voz do Cristo glorificado era “como
voz de muitas águas” (6:1). Os músicos são diferenciados dos quatro seres viventes no v. 3;
parece que eles são exércitos de cantores celestiais. Sua voz se amplia em um
poderoso crescendo.
3. Entoavam novo cântico
diante do trono, diante dos quatro seres viventes e dos anciãos. E ninguém
pôde aprender o cântico, senão os cento e quarenta e quatro mil que foram
comprados da terra. Em 5:9 são os vinte e quatro anciãos que cantam um
cântico novo, louvando o Cordeiro que tinha resgatado a humanidade com seu
sangue, para reinarem seu Reino. O cântico deste versículo também fala de
redenção, porque só quem foi redimido da terra pode aprendê-lo. Como em 5:9 os
anciãos entoam o novo cântico mesmo sendo um hino de redenção, assim também
este cântico novo é entoado pelos anjos, mas foi composto principalmente para
os redimidos.
4. São estes os que não se
macularam com mulheres, porque são castos. A palavra grega
traduzida “castos” é a mesma que significa “virgens” (parthenoi). Muitos
intérpretes pensam que estas palavras identificam os cento e quarenta e quatro
mil como uma classe especial de cristãos que levaram uma vida de autonegação e
pureza especial, abstendo-se do casamento e se tornando celibatários. O sentido
básico de parthenoi parece
apoiar este ponto de vista. Mas isto seria uma violação de toda a teologia
bíblica. A Bíblia nunca considera as relações sexuais pecaminosas ou profanas.
Relações sexuais são sem excessão encaradas como um elemento importante do
relacionamento humano; na verdade, são um dom de Deus. Ser casto ou
evitar profanação sexual sempre está em contraste com relações sexuais
ilícitas. O Novo Testamento recomenda o casamento, e as relações
sexuais são parte essencial do casamento (1 Co 7:4ss.). É verdade
que Paulo afirma que muitas vezes os ministros cristãos podem desincumbir-se
com mais eficácia das suasresponsabilidades ficando
solteiros (1 Co 7:32-34), mas não por encarar o sexo como algo profano;
somente porque o relacionamento familiar traz consigo outras responsabilidades.
A palavra
“casto” (ou “virgem”) pode se referir à condição espiritual, não somente
a relações físicas. Inácio saúda seus irmãos “suas esposas e filhos, e as
solteiras (parthenoi)
chamadas de viúvas” (Inácio aos Esmirneanos, 13:1). Quanto à sociedade,
estas mulheres tinham estado casadas e eram agora viúvas; mas espiritualmente
elas eram virgens. Paulo também usa esta palavra para os que são casados:
“Tenho-vos preparado para vos apresentar como virgem pura (parthenon) a um só
esposo, que é Cristo” (2 Co 11:2). Esta interpretação encontra apoio no fato
de que João em diversas ocasiões fala da idolatria da besta como porneia —
prostituição (14:8; 17:2, 4,18:3,9; 19:2). Esta ideia tem um
pano de fundo extenso no Antigo Testamento, onde a apostasia do Deus de Israel,
para adorar os deuses dos cananitas, constantemente é chamada de adultério. Por
esta razão concluímos que os 144.000 são virgens e puros no sentido de terem se
recusado a se manchar, participando da prostituição que é adorar a besta, mantendo-se puros em
relação a Deus.
São eles os seguidores do
Cordeiro por onde quer que vá. São os que foram redimidos dentre os homens,
primícias para Deus e para o Cordeiro. Este grupo é casto e puro, mas
este é seu traço negativo; o lado positivo do seu caráter é que
eles são leais ao Cordeiro; eles o seguem, mesmo que seja para a morte. Isto é
discipulado perfeito e sem hesitação. Assim como o caminho de submissão
perfeita à vontade do Pai levou o Cordeiro à sua morte sacrificial na cruz, ser
discípulo dele pode bem levar a compartilhar da sua cruz (Mt 10:38; Mc
8:34). Eles seguem o Cordeiro porque não pertencem a si mesmos; eles foram
redimidos — comprados para Deus, às custas do sangue do Cordeiro
(5:9).
Como
redimidos eles são “primícias para Deus”. Esta palavra não está totalmente livre
de dificuldades, porque geralmente ela designa uma parte do todo. As primícias
eram os primeiros frutos da colheita, aos quais seguiriam muito mais. A palavra
grega é usada com este sentido falando da ressurreição de Cristo; ele é a
primícia da ressureição de todos os santos; ele é a primeira etapa do que os
santos são o todo (1 Co 15:20, 23). Este significado sustentaria o ponto
de vista de que os 144.000 são um grupo escolhido de cristãos, em contraposição
aos crentes como um todo. Mas este significado de nenhuma maneira é
obrigatório. “Primícias” pode significar todo um grupo, com vistas à sua
consagração total a Deus. Neste sentido os cristãos são chamados de “como
que primícias das suas criaturas” (Tg 1:18).
Do mesmo modo diz Jeremias: “Israel era consagrado ao Senhor, as primícias da sua
colheita” (Jr 2:3). A nossa passagem não contém nenhum pensamento no sentido de
que estes redimidos são um primeiro grupo de pessoas, seguido da salvação dos
demais. Na verdade Deus quer a salvação de toda a raça humana, mas só os
redimidos são os que de fato se entregam a ele; assim, a ênfase do termo está
na entrega e consagração dos redimidos.
5. E não se achou mentira na
sua boca; não têm mácula. O termo “sem mácula” é usado no Antigo Testamento para
os sacrifícios limpos, em condições de serem oferecidos a Deus. Aqui os
redimidos pertencem a Deus, numa dedicação sem falhas. A natureza particular
desta dedicação impecável é que neles só há verdade: “Não se achou mentira na
sua boca”. Em Israel os redimidos eram os que “não proferem mentira, e na sua
boca não se acha língua enganosa” (Sf 3:13). Honestidade perfeita era uma
das características do servo do Senhor (Is 53:9). Os redimidos são, como o
seu Senhor, absolutamente sinceros e sem malícia (1 Pe 2:22).
Chamada ao arrependimento (14:6-7).
6. Vi outro anjo voando pelo
meio do céu. Já falamos que o capítulo catorze consiste de uma
série de visões pouco relacionadas entre si, antecipando o fim. Depois de ver
os redimidos finalmente salvos, João ouve um anjo exortando todos
a que se arrependam enquanto há tempo, antes que venha o julgamento final
e seja tarde demais. Não está claro por que o anjo é “outro”, a não ser que
entendamos que o novo cântico no céu (vv. 2- 3) foi entoado por exércitos de
anjos. Ele voava no meio do céu, no zénite, onde
todos poderiam vê-lo (veja 8:13). A mensagem do anjo era para os que se assentam sobre a
terra — a expressão costumeira de João para pessoas não
regeneradas (veja 3:10; 6:10; 8:13, etc.). Este anjo não fala a crentes,
mas a incrédulos. Sua mensagem é um evangelho eterno. O artigo definido
ausente representa uma dificuldade. Levou muitos comentadores a verem aqui uma
mensagem especial que será pregada em relação à vinda do fim. Um estudioso
contemporâneo nosso acredita que isto se refere a um ministério angélico
especial, no tempo do fim, que resultará em um grande movimento de salvação
entre os gentios? Mas é possível entender o anúncio do fim como uma parte das
boas novas — um evangelho anunciado aos profetas. Aos adoradores da besta e aos
que não querem se arrepender, o anúncio do fim não é evangelho; representa
castigo e julgamento. Mas o anúncio do fim é boa nova, porque
representa a consumação do plano divino de redenção. Talvez não devamos fazer
tanto caso da omissão do artigo definido. Paulo fala do evangelho de Deus (Rm
1:1) sem o artigo definido.
7. Dizendo, em grande voz:
Temei a Deus e dai-lhe glória, pois é chegada a hora do seu juízo; e adorai
aquele que fez o céu, e a terra, e o mar, e as fontes das águas. À
luz da proclamação do anjo de que o fim está próximo, todos os homens são
exortados a que se arrependam. Ainda não é tarde demais; o julgamento final
ainda não veio; ainda há tempo para se arrepender e encontrar misericórdia
diante de Deus. Para a frase “dai-lhe glória”, veja observações a 11:13;
ela implica claramente em arrependimento.
Deus é
descrito mais em termos de juiz e criador. Os habitantes da terra ficaram
maravilhados com os poderes manifestos pela besta e seu falso profeta (13:12-14);
o anjo os lembra de que se haverão com alguém que é mais poderoso que a besta —
aquele que é a origem de todas as coisas no céu e na terra.
A queda de Babilônia (14:8).
8. Seguiu-se outro anjo, o segundo. A
chamada ao arrependimento, à vista do julgamento iminente, é seguida de um
anúncio angélico que antecipa a queda de Babilônia. Isto é
semelhante ao anúncio antecipado da vinda do Reino de Deus (11:15; 12:10).Babilônia era o
grande inimigo de Israel nos tempos do Antigo Testamento (Is 21:9; Jr 50:2;
51:8), e aqui representa a capital da civilização apóstata dos últimos dias, o
símbolo da sociedade humana organizada política, econômica e
religiosamente em oposição e desafio a Deus. Babilônia foi
personificada pela Roma do primeiro século (1 Pe 5:13); na literatura
apocalíptica judaico-cristã Babilôniapassou a
ser um nome simbólico para Roma (Oráculos Sibilinos V. 143,
159, 434, Apocalipse
de Baruque 11:1; 67:7). O vinho da fúria da sua
prostituição (veja 18:3) combina duas ideias: o vinho
usado para embebedar e seduzir a relações sexuais ilícitas, e “o vinho da
cólera de Deus” (v. 10). Babilônia enganou e
seduziu todas
as nações pela atração e fascinação
da sua riqueza e da sua luxúria; mas esta taça de prazer sensual
transbordará, transformando-se na taça da cólera de Deus. A queda
de Babilônia, anunciada aqui, está descrita em
17:1-18:24.
O castigo dos adoradores da
besta (14:9-12).
A chamada
universal ao arrependimento segue-se uma
promessa de castigo para aqueles que não quiserem se arrepender. Qual será o
destino dos que persistirem adorando a besta? O que acontecerá àqueles que
não se comovem com a lealdade dos mártires, que selam seu
testemunho fiel de Jesus com seu sangue? Esta visão responde a estas perguntas.
9-10. Seguiu-se a estes outro
anjo, o terceiro, dizendo, em grande voz: Se alguém adora a besta e a sua
imagem, e recebe a sua marca na fronte, ou sobre a mão, também este beberá do vinho da cólera de Deus,
preparado, sem mistura, do cálice da sua ira. Temos de recordar mais
uma vez que por trás das manifestações da ira de Deus contra a civilização
rebelde, nas pragas das sete trombetas — e no
futuro imediato dos sete flagelos — havia
um plano de misericórdia: fazer com que as pessoas se arrependessem, enquanto
havia tempo. Os que irreversivelmente se
decidiram pela hostilidade a Deus têm de se tornar objetos da ira divina antes
que o Reino de Deus seja estabelecido. É inimaginável que pessoas que odeiam o
Messias de Deus e participam da perseguição ao povo de Deus entrem no Reino de
Deus. O reinado perfeito de Deus e a instituição do seu governo no mundo inclui
a necessidade de que aqueles que se recusam a se submeter a este governo sejam
julgados.
Duas
palavras são usadas para descrever o julgamento de Deus: cólera (thumos) e ira (orge). Não
podemos fazer uma distinção muito grande entre as duas palavras, mas orge é o
tipo de ira que parte de uma disposição já tomada, enquanto que thumos representa
uma ira mais passional. Na maior parte do Novo Testamento é usada a palavra orge para a
ira divina; fora do Apocalipse thumos aparece só uma vez (Rm
2:8). Na Bíblia grega as duas palavras frequentemente aparecem juntas, para
intensificar a realidade da ira de Deus.
Em
qualquer caso, a ira de Deus não é uma emoção humana; é a reação preestabelecida da sua
santidade à pecaminosidade e rebelião humanas. Enquanto Deus em
sua ira não purificar o mundo de todo mal e rebelião seu Reino não pode vir.
Por isso, no sentido mais amplo do plano de Deus para o homem, sua ira é
necessária, correlata ao seu amor e à sua misericórdia. Dois dos principais
temas do Apocalipse são a obstinação dos homens diante da salvação
que Deus oferece, manifesta em sua submissão à besta, e o julgamento de Deus
que tem de atingi-los. João enfatiza no Apocalipse a ira de Deus mais que
qualquer outro livro do Novo Testamento (14:8, 10,19; 15:1, 19; 19:15).
Porém não é de maneira inconsequente que seu evangelho, que expressa o amor de
Deus mais que qualquer outro, também insiste: “Quem se mantém rebelde contra o
Filho não verá a vida, mas sobre ele permanece a ira de Deus” (João 3:36).
Paulo inicia sua mais elaborada declaração sobre o evangelho da graça com as
palavras: “A ira de Deus se revela do céu contra toda impiedade e perversão dos
homens” (Rm 1:18; veja Rm 3:5; 12:19; Cl 3:6). Qualquer interpretação da
mensagem do Novo Testamento que não inclua a ira de Deus está atenuada e
mutilada.
O vinho
da ira de Deus é “preparado, sem mistura, no cálice da sua ira”. Literalmente
seria: “misturado sem mistura”. Era costume dos antigos misturar temperos
e ervas ao vinho para lhe dar mais sabor, e “misturar vinho” até se tornou
sinônimo de “servir vinho” (Sl 75:8). Mas o vinho da ira de Deus também é sem
mistura, forte; será sorvido sem atenuação. As duas palavras são usadas de
maneira semelhante nos Salmos de Salomão, onde Deus “lhes misturou um
espírito de loucura, e lhes deu de beber uma taça de vinho não dissolvido” (8:15).
E será atormentado com fogo
e enxofre, diante dos santos anjos e na presença do Cordeiro. Este
é o significado da taça da ira de Deus. O lago de fogo e enxofre será o lugar
definitivo de castigo da besta e do falso profeta, e de todos que não tiverem
seu nome escrito no livro da vida do Cordeiro (20:10,15). Como a descrição da
cidade celestial, também estas palavras têm de ser entendidas simbolicamente,
como uma realidade temível e derradeira que ninguém pode descrever. A palavra
comumente usada para o lugar dos perdidos, no Novo Testamento,
é geenna ou Gehenna, enquanto o mundo dos mortos intermediário
é hades (sheol, no
Antigo Testamento). Geenna não
aparece no Apocalipse; hades aparece quatro vezes, usado quase como sinônimo de
túmulo (1:8; 6:8;20:13,14). Nossa versão traduz tanto geena como hades por
“inferno”, confundindo muito a situação; ambos têm significado bem diferente.
Geenna vem
do hebraico ge-hinnom, que
significa “Vale do Hinom” e se refere ao vale que passava ao sul de
Jerusalém onde, nos dias da monarquia, judeus apóstatas adotaram as
práticas cultuais da Palestina e queimaram
crianças em honra a Baal e Moloque (2
Rs 23:10; 2 Cr 28:3; 33:6; Jr 32:35). Por isto o vale do Hinom se
tornou tradicionalmente para os judeus um sinônimo de destruição pelo fogo.
Jeremias vê o vale transformado em vale da Matança (Jr 7:31-32; 19:5-6),
no dia da vingança. Nosso Senhor também usou esta figura para descrever o
destino dos maus. Advertiu seus ouvintes que empregassem todos os meios
necessários para remover os obstáculos e evitar este destino: “É melhor entrares
maneta na vida do que, tendo as duas mãos, ires para o
inferno (geenna), para
o fogo inextinguível” (Mc 9:43). Em outra ocasião Jesus descreveu o destino dos
perdidos como sendo separação eterna de Deus e do seu Cristo (Mt 7:23;
25:12).
Não
podemos compreender tudo que está implícito na afirmação de que os maus serão
castigados “diante dos santos anjos e na presença do Cordeiro”. Jesus disse que
negaria diante de Deus e dos anjos aqueles que o negassem (Mc 8:38; Lc
12:9). A literatura apocalíptica judaica contém um detalhe que falta no
Apocalipse, que os maus serão castigados na presença dos santos (Enoque 48:9). O
ponto central parece ser, como Beckwith sugeriu,
que a presença do Cordeiro, agora triunfante e vitorioso, seria o fator mais
doloroso do sofrimento dos perversos, porque como adoradores da besta eles
tinham combatido o Cordeiro junto com esta.
11. A fumaça do seu tormento
sobe pelos séculos dos séculos, e não têm descanso algum, nem de dia nem de
noite, os adoradores da besta e da sua imagem, e quem quer que receba a marca
do seu nome. Este versículo nos lembra de outro grupo, os vinte e
quatro anciãos, que “não têm descanso nem de dia nem de noite, proclamando”
louvores e adoração a Deus (4:8). A duração eterna do castigo dos maus não é
novidade no Novo Testamento. Jesus tinha falado do castigo eterno dos perversos
(Mt 25:46), e advertiu acerca do inferno de fogo, onde “não lhes morre o
verme, nem o fogo se apaga” (Mc 9:48).
12. Aqui está a
perseverança dos santos, os que guardam os mandamentos de Deus e a fé em Jesus. À
vista do castigo certo da besta e dos que a adoram, João insere uma exortação à
perseverança por parte dos que irão sofrer às mãos da besta. A “fé em
Jesus” é um genitivo objetivo e não pode ser traduzida ‘ ‘fé de Jesus”.
A bem-aventurança dos
mártires (14:13).
13. Então ouvi uma voz do céu,
dizendo: Escreve: Bem-aventurados os mortos que desde agora morrem no Senhor.
Sim, diz o Espírito, para que descansem das suas fadigas, pois as suas obras os
acompanham. Os santos são exortados à perseverança, mas são também
assegurados da bênção que há em sua morte. Esta bem-aventurança — preferida dos
cristãos diante da morte — vale primeiramente para os que sofrerão martírio,
não para os santos em geral. Mas não precisamos entender que os outros cristãos
não podem se alegrar com esta bênção. O mesmo descanso é prometido aos mártires
em 6:11. A palavra “desde agora” não quer dizer que os outros santos não
são bem-aventurados, mas que os que em breve cairão por mão da besta são os
felizes de Deus, contrariando todas as aparências externas. No Senhor todos
os crentes morrem, assim como também vivem em Cristo (1 Co 15:18; 1 Ts
4:16). Isto não identifica um grupo de cristãos especial. O Espírito Santo
confirma e explica a bem-aventurança: os abençoados descansarão. A palavra
grega traduzida “fadigas” significa trabalhar até à exaustão. A perseguição
pela besta levou os santos ao fim das suas forças. Mesmo assim eles morremno Senhor, e
suas obras, seus feitos, os acompanham além-túmulo. Estas obras são sua perseverança, sua obediência aos
mandamentos de Deus e sua fé em Jesus mencionadas na bem-aventurança anterior.
A colheita (14:14-16).
João encerra
seu interlúdio com duas visões: uma da colheita dos grãos e outra da vindima da ira de
Deus. A primeira retrata o julgamento escatológico, com referência especial
para o ajuntamento dos justos, na salvação; a segunda retrata a condenação dos
perversos. Estas duas visões pressupõem que a luta final e espiritual entre
Cristo e o Anticristo já terminou e que os homens tomaram sua decisão; lealdade
a Cristo nem que seja até à morte, ou adoração da besta. As duas visões dão um
retrato dramático antecipado de como será o destino destes dois grupos. O cumprimento
das visões só ocorre nos capítulos 19-20.
14. A
maneira natural de entender o semelhante a filho de homem que João
vê é que ele é o Messias que volta, o próprio Cristo; e é difícil
evitar esta conclusão. A ideia do “semelhante a filno de homem”
remonta à visão da vinda do Reino de Deus em Dn 7:13, onde um
semelhante a filho de homem foi apresentado ao Ancião de dias, recebendo um
reino eterno, para que todos os povos e nações o servissem. Jesus também falou
do papel do Filho do Homem no julgamento final, que ele comparou a uma colheita
(Mt 13:37ss.); e comparou ainda a missão escatológica do
Filho do Homem à separação dos justos dos perversos (Mt 25:31ss.).
João tinha antes comparado o Jesus exaltado a um semelhante a filho
de homem (1:13). Considerando que Filho do Homem é um termo usado com
frequência para o papel escatológico de Cristo, e também que o termo Filho do
Homem no Novo Testamento nunca é aplicado a anjos, temos de concluir que se
trata aqui de uma visão de Cristo que retoma.
A objeção
a isto é que esta figura celestial inicia a colheita à ordem de “outro anjo”
(v. 15); e seria considerado impróprio se Cristo começasse a colheita somente
depois de um anjo lhe ordenar isto. Esta objeção, no entanto, não é fatal,
porque muitas vezes no pensamento apocalíptico anjos fazem o papel que
poderíamos atribuir ao Messias. Na parábola do trigo e do joio o Filho do Homem
semeia a boa semente, mas os anjos são os trabalhadores na colheita
(Mt 13:37, 41); estão, porém, sob as ordens do Filho do Homem. Na parábola
da rede os anjos são os pescadores que separam os maus dos justos
(Mt 13:49). No capítulo que pode bem ser considerado chave no livro do
Apocalipse, retratando a luta espiritual que se desenrola por trás da história,
Miguel e seus anjos obtêm a vitória sobre o dragão (12:7ss.), apesar de em todo
o Novo Testamento a vitória sempre ser conquistada por Cristo. O relacionamento
entre Cristo e seus anjos é um mistério que não podemos resolver, mas é
evidente que ele é íntimo. De maneira que não pode haver objeção grave ao fato
de que um anjo está comandando a colheita.
O Filho
do Homem está sentado
em uma nuvem branca. No Apocalipse a cor branca tem um significado
simbólico e está sempre relacionada com as coisas de Deus (veja
nota a 6:2). A nuvem branca é remanescente da nuvem brilhante que
foi vista no monte da Transfiguração (Mt 17:5). Geralmente são mencionadas
nuvens com a volta de Cristo (Mt 24:30; 1:7). A coroa de ouro simboliza
triunfo, a foice
afiada serve para fazer a colheita.
15. Outro anjo saiu do
santuário. Isto mostra que o anjo está saindo da presença de
Deus, trazendo uma mensagem do próprio Deus. O anjo é somente mensageiro. A
expressão “outro anjo” é frequente no Apocalipse e nem sempre pode ser bem
definida (veja 7:2; 8:3; 14:6). A seara da terra é um símbolo bíblico
frequente para o julgamento final (Jr 51:33; Os 6:11, Mc 4:29, Mt 13:39).
Geralmente a ideia engloba tanto os maus como os justos. No presente contexto,
e já que a visão seguinte está relacionada à colheita (vindima) dos
perversos, é difícil evitar a conclusão de que a colheita do cereal se refere
em especial aos justos, apesar de este fato não estar em destaque. A figura da
colheita para recolher os que devem entrar no Reino de Deus (Mt 9:37s., Lc
10:2, Jo 4:35-38) reforça esta ideia.
A seara
da terra já
secou, está madura. Estas palavras trazem a ideia de que a
história se desenrola sob a soberania de Deus, contrário ao que parece aos
homens. A história e os acontecimentos humanos não são determinados por um
destino cego e sem sentido, que não leva a nada. Deus vela sobre a história, e
em sua sabedoria divina virá a hora em que a humanidade estará madura
para o julgamento. A história não está sem controle; na hora de Deus serão
colocados os pingos nos is.
Algumas
versões (RV, NEB) traduzem a palavra grega para “secou” por “mais que madura”,
mas isto é desnecessário. A ideia simplesmente é que chegou a hora de colher,
que não pode ser adiada.
16. E aquele que estava sentado
sobre a nuvem passou a sua foice sobre a terra, e a terra foi ceifada. Cristo
pode usar os anjos como instrumentos (veja acima), mas quem ceifa é ele. A
colheita é descrita nos capítulos 19-20.
A vindima (14:17-20).
Não há
dúvidas sobre o significado da segunda visão da consumação; ela retrata em
traços claros e vívidos o julgamento dos perversos,
como se fosse uma colheita de uvas.
17. Então saiu do santuário,
que se encontra no céu, outro anjo, tendo ele mesmo também uma foice afiada. Um
anjo é quem faz a colheita das uvas, mas ele sai do santuário, ou seja,
da presença de Deus, servindo como anjo de Deus. Em Mt 25:41 o Filho
do Homem é quem envia os perversos para o seu castigo, acompanhado dos seus
anjos; no Apocalipse o julgamento final é uma expressão da ira do Cordeiro
(6:16), apesar de ser mais descrito em termos de ira de Deus (14:10; 16:19;
19:15).
18. Saiu ainda do altar outro
anjo, provavelmente do altar do incenso, que foi antes
mencionado em conexão com as orações dos santos (8:3s.). Somos lembrados mais
uma vez da eficácia das orações do povo de Deus na terra, mesmo perseguido,
orando que o fim venha logo. As orações dos santos estão para ser respondidas,
por fim. Se, porém, a alusão é ao altar do sacrifício, então entra em questão o
clamor das almas debaixo do altar por justiça (6:9ss.) — uma oração prestes a
ser respondida. Em qualquer caso o pensamento básico é o mesmo. Não é dada
nenhuma explicação para o fato de que o anjo tem autoridade sobre o fogo: talvez
uma referência ao fogo do altar, possivelmente porque o fogo, com frequência, é
associado a julgamento.
A figura
da colheita de uvas aparece
em outras passagens da Escritura como sinal de juízo. “O lagar eu o
pisei sozinho. ... Pisei as uvas na minha ira; no meu furor as esmaguei, e
o seu sangue me salpicou as vestes e me manchou o
traje todo” (Is 63:3). “Lançai a foice, porque está madura a seara;
vinde, pisai, porque o lagar está
cheio, os seus compartimentos transbordam; porquanto a sua malícia é grande”
(J13:13).
19. Então o anjo passou a sua
foice na terra e vindimou a
videira da terra, e lançou-a no grande lagar da cólera de Deus. Este
versículo deixa claro que a colheita das uvas significa julgamento e não
salvação. Em 19:15 a mesma colheita é tarefa do Messias que “pisa
o lagar do vinho do furor da ira do Deus Todo-poderoso”. Não
há problema no fato de a tarefa judicial do Messias ser retratada aqui como
tarefa de um anjo.
20. E o lagar foi pisado fora da cidade, que
não é especificada e provavelmente não pretende ser. A cidade simboliza Deus
morando no meio do seu povo — talvez seja a nova Jerusalém — e a ideia é que o
julgamento cairá sobre os perversos no momento em que são expulsos da presença
de Deus. É possível que haja aqui uma vaga alusão à batalha escatológica
de Jl 3:2, 12. A figura muda de repente do pisar das uvas para um
massacre militar. A quantidade de sangue que correu literalmente
é inconcebível; mil
e seiscentosestádios é
uma distância de uns trezentos quilômetros — todo o comprimento
da Palestina. A figura mostra toda a terra de Israel inundada de sangue de um
metro e meio de altura. A ideia é clara: o julgamento é radical, destruindo
qualquer vestígio de maldade e hostilidade contra o reinado de Deus.
Os três
capítulos anteriores foram um interlúdio entre as sete trombetas e os
sete flagelos. A sétima trombeta, ao soar,
anunciou o período do fim (10:7); mas quando ela soou, ela que seria o terceiro
ai, não veio nenhuma praga ou castigo; em vez disto temos uma visão que mostra
antecipadamente a vinda do Reino de Deus. Já que a sétima trombeta não traz
nenhuma praga, apesar de ser o terceiro ai, e “com estes se consumou a cólera
de Deus” (15:1)., Estas pragas somente são derramadas “sobre os homens
portadores da marca da besta e adoradores da sua imagem” (16:2) e têm, como as
sete trombetas, o propósito indireto de
colocar as pessoas de joelhos diante de Deus, na última oportunidade de
arrependimento (16:8).
( Bibliografia
G. Ladd, COMENTARIO DO APOCALIPSE,1980)notas .Normam R, Champlin, comentario do apocalipse.).
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