Maria estava de visita
quando expressou sua felicidade na linguagem desse nobre cântico. Seria bom que
todas nossas relações sociais fossem tão úteis para nossos corações, como essa
visita foi para Maria. “Ferro com ferro se afia; e assim o homem afia o rosto
de seu amigo”. Maria, cheia de fé, faz uma visita a Isabel, quem estava
ensopada de uma santa confiança, e no pouco tempo de estarem reunidas, sua fé
remonta-se a plena convicção e sua plena convicção brotava em uma torrente de
sagrado louvor. Esse louvor despertou seus poderes adormecidos, e em lugar de
aldeãs comuns, vemos diante de nós duas profetizas e a duas poetizas, sobre as
quais o Espírito de Deus descansou em abundância.
Quando nos reunimos com
nossos parentes e conhecidos, nossa oração a Deus deve implorar que nossa
comunhão seja, não somente agradável, mas sim proveitosa, que não se trate
simplesmente de passar o tempo e de desfrutar de uma hora agradável, mas sim
que possamos nos aproximar ao céu na marcha de um dia, e que possamos adquirir
uma maior aptidão para nosso eterno repouso.
Observem, essa manhã, o
gozo sagrado de Maria, para que possam imitá-lo. Essa é uma época na que todos
esperam que sejamos felizes. Felicitamos-nos uns aos outros desejando que
possamos ter um “Feliz Natal”. Alguns cristãos que são um pouco escrupulosos
não gostam da palavra “feliz”. É uma boníssima palavra proveniente do antigo
saxão, que contém a felicidade da meninice e o júbilo da idade adulta, que traz
a nossa mente o antigo canto dos coros natalinos e o repique dos sinos da
meia-noite, o azevinho e as lareiras ardendo. Eu amo essa palavra por sua menção
em uma das mais ternas parábolas que descreve que, quando o filho pródigo,
perdido por tão longo tempo, regressou para casa de seu pai são e salvo,
“começaram a se alegrar”. Essa é a época se espera que sejamos felizes, e o
desejo de meu coração é que, no mais sublime e melhor sentido, vocês, crentes,
sejam “felizes”.
O coração de Maria
estava alvoroçado dentro dela – porem, aqui está o sinal de seu alvoroço: que
se tratava de uma alegria santa e cada uma de suas gotas era de um reboliço
sagrado. Não era um alvoroço com o quão os mundanos desfrutam de suas farras
hoje e amanhã, mas sim um júbilo como o que os anjos desfrutaram ao redor do
trono onde cantam: “Glória a Deus nas alturas”, enquanto nós cantamos: “E na
terra paz, boa vontade para com os homens”. Tais corações ditosos gozam de um
festival continuou. Eu quero que vocês, ‘os que estão nas bodas’, possuam hoje
e amanhã, sim, possuam em todos seus dias a sublime e consagrada
bem-aventurança de Maria, para que não somente possam ler suas palavras, mas
que as usem em vocês mesmos, experimentando sempre seu significado: “Engrandece
minha alma ao Senhor; meu espírito se alegra em Deus meu Salvador”.
Em primeiro lugar,
observem que ela canta – em segundo lugar, ela canta docemente – em terceiro
lugar, pergunto, haverá de cantar sozinha?
I. Observem primeiro que
MARIA CANTA.
Seu tema é um Salvador;
ela aclama ao Deus encarnado. O longamente esperado Messias está a ponto de
aparecer. Aquele a quem os profetas e os príncipes esperaram durante longo tempo,
está a ponto de vir e de nascer da virgem de Nazaré. Em verdade jamais houve um
tema para o mais doce cântico que esse: a condescendência da Deidade para com a
fraqueza da humanidade. Quando Deus manifestou Seu poder nas obras de Suas
mãos, as estrelas matutinas cantaram em coro e os filhos de Deus deram gritos
de júbilo – porem quando Deus se manifesta Ele mesmo, que música bastaria para
o grandioso salmo de assombro adorador?
Quando a sabedoria e o poder são vistos, não são vistos senão os atributos
– porem na encarnação, é a pessoa divina quem é revelada no véu de nossa
inferior argila: Maria bem poderia cantar, já que a terra e o céu mesmo agora
se maravilham diante da graça condescendente. Digna de uma música sem
comparação é a notícia de que “o Verbo foi feito carne, e habitou entre nós.”
Já não existe mais um grande abismo estendido entre Deus e Seu povo, pois a
humanidade de Cristo construiu uma ponte sobre ele. Já não pensamos mais que
Deus assenta-se no alto, indiferente as necessidades e aflições dos homens,
pois Deus nos visitou e desceu até a baixeza de nossa condição. Não
necessitamos nos lamentar mais porque não possamos jamais participar da glória
moral e da pureza de Deus, pois se Deus em glória desce até Sua criatura
pecaminosa, é certamente mesmo difícil levar essa criatura – lavada com o
sangue e purificada – às alturas por essa via adornada de estrelas, para que o
redimido se sente para sempre em Seu trono.
Não devemos sonhar mais,
sumidos em sombria tristeza, que não podemos nos aproximar a Deus, e quer Ele
não ouvirá realmente nossa oração, nem se compadecerá de nossas necessidades,
se vemos que Jesus se converteu em osso de nossos ossos e carne de nossa carne:
um bebê nascido igual que nós, vivendo a vida que nós temos que viver,
carregando com as mesmas debilidades e aflições, e inclinando Sua cabeça diante
da mesma morte.
Ó, não podemos vir com
ousadia por esse caminho novo e vivo e apelar ao trono da graça celestial,
quando Jesus reúne-se conosco como Emanuel, Deus conosco? Os anjos cantaram sem
quase saber a razão. Podiam entender o porquê que Deus havia se feito homem?
Devem ter conhecido que ai havia um mistério de condescendência – porem todas
as amorosas consequências que a encarnação implicaram, nem suas agudas mentes teriam
podido adivinhar; porem, nós vemos tudo, e compreendemos mais plenamente o
grandioso desígnio. A manjedoura em Belém era grande em glória – na encarnação
estava envolvida toda a bem-aventurança mediante a qual uma alma, arrebatada
das profundezas do pecado, é alçada às alturas da glória. Nosso maior
conhecimento não nos conduzirá a alturas de canto que as conjecturas angelicais
não podiam alcançar? Por acaso os lábios dos querubins serão movidos a dizer
sonetos ardentes e nós, que somos redimidos pelo sangue do Deus encarnado,
vamos ficar traiçoeira e ingratamente calados?
Não cantaram os arcanjos
Tua vinda?
Não aprenderam os
pastores Sua direção?
A vergonha me cobriria
por ingrato,
Se minha língua se
recusasse a louvar”
Esse, no entanto, não
foi o tema completo de seu santo hino. Seu peculiar deleite não era que um
Salvador devia nascer, mas sim que devia nascer para ela. Ela era bendita entre
as mulheres e altamente favorecida do Senhor – porem, nós podemos desfrutar do
mesmo favor – e mais, nós devemos desfrutar dele ou a vinda do Salvador não nos
serviria de nada para nós. Eu sei que Cristo no Calvário tira o pecado de Seu
povo. Porem, ninguém conheceu jamais o poder de Cristo na cruz, a menos que o
Senhor seja formado no indivíduo como a esperança de glória.
A ênfase do cântico da
virgem está colocada sobre a graça especial de Deus para com ela. Essas breves
palavras, esses pronomes pessoais, nos informam que se tratava realmente de um
assunto pessoal com ela. “Engrandece MINHA alma ao Senhor, e MEU espírito se
alegra em Deus MEU Salvador”. O Salvador era, de forma peculiar e em um sentido
especial, seu. Ao cantar, ela não disse: “Cristo para todos”, mas sim que seu
alegre tema foi: “Cristo para mim”.
Amados, Cristo Jesus
está em seu coração? Uma vez o olharam desde um ponto distante, e esse olhar os
curou de todas suas enfermidades espirituais, porem, agora vivem descansando
Nele, e o recebem em suas próprias entranhas como seu alimento e bebida
espirituais? Vocês frequentemente se alimentaram de Sua carne e beberam de Seu
sangue em santa comunhão – foram sepultados juntamente com Ele para morte pelo
batismo – vocês se entregaram em sacrifício a Ele e o tomaram como sacrifício
para vocês; podem cantar sobre Dele como a esposa o fez: “Sua esquerda está
debaixo de minha cabeça, e sua direita me abraça… Meu amado é meu, e eu sou sua
– Ele apascenta entre os lírios.”
Esse é um feliz estilo
de vida, e todo o que não chegue a isso é um pobre trabalho de escravos. Ó,
vocês não podem conhecer o gozo de Maria a menos que Cristo se converta em seu,
real e verdadeiramente – porem, á, quando Ele é seu, seu interiormente e reina
em seu coração, e controla todas suas paixões, e transforma sua natureza, e
subjuga suas corrupções inspirando-lhes santas emoções, seu no íntimo, sendo
uma alegria indizível e cheia de glória – ó, então podem cantar, devem cantar,
quem poderia calar suas línguas? Ainda que todos os burladores e os
escarnecedores de terra lhes pedissem que se calassem, vocês teriam que cantar,
pois seus espíritos devem se regojizar em Deus seu Salvador.
Perderíamos muita
instrução se passássemos por alto o fato de que o poema escolhido que temos
diante de nós é um hino de fé. O Salvador ainda não havia nascido, e tampouco,
até onde podemos julgar, tampouco a virgem tinha alguma evidência do tipo
requerido pelo sentido carnal para fazê-la crer que um Salvador nasceria dela.
‘Como isso poderia ser?’, era uma pergunta que naturalmente poderia ter
suspendido seu cântico enquanto não recebesse uma resposta convincente para
carne e sangue – porem, não tinha surgido tal resposta. Ela sabia que para Deus
todas as coisas são possíveis e um anjo lhe havia entregado essa promessa, e
isso lhe bastava: pela força da Palavra que saiu de Deus, seu coração saltou de
alegria e sua língua glorificou Seu nome.
Quando considero o que é
o que ela creu, e como recebeu a palavra sem duvidar, estou disposto a dar-lhe
como mulher, um lugar quase tão proeminente como o que Abraão ocupou como homem
– e se não me atrevo de chamá-la de mãe dos fiéis, pelo menos deve receber a
honra devida como uma das mais excelentes mães de Israel. Maria merecia com
crédito a benção de Isabel: “Bem– aventurada a que creu”. Para ela “a certeza
do que se espera foi sua fé, e fé foi também sua convicção do que não se vê” –
ela sabia pela revelação de Deus, que devia levar a semente prometida que
feriria a cabeça da serpente – porem, não tinha nenhuma outra prova.
Nesse dia há alguns em
nosso meio que possuem pouco ou nenhum gozo consciente da presença do Salvador
– caminham e trevas e não enxergam nenhuma luz – gemem pelo pecado inato e se
lamentam porque as corrupções prevalecem – devem confiar agora no Senhor, e
lembrar que se crêem no Filho de Deus, Cristo Jesus está neles, e por fé, muito
bem podem cantar gloriosamente a aleluia do amor adorador. Ainda que o sol não
brilhe hoje, as nuvens e as névoas não apagaram sua luz, ainda que o Sol da
Justiça não brilhe sobre você nesse instante, mantém Seu lugar nesses céus e
não conhece variabilidade nem a sombra de uma mudança. Se, apesar de todas suas
escavações, o poço não brota, deve saber que uma constante plenitude permanece
nessa profundeza, que se esconde por trás do coração e propósito de um Deus de
amor. Se como Davi, você está abatido como ele esteve, diga à sua alma: “Espera
em Deus, porque ainda hei de louvar-te, salvação minha e Deus meu”. Então,
alegre-se com a alegria de Maria: o gozo de um Salvador que é completamente
seu, mas que é evidenciado como tal não pelo sentido, mas sim pela fé. A fé
possui sua música igual que o sentido, mas é de uma classe mais divina: se as
comidas fartas nas mesas fazem com que os homens cantem e dancem, os festejos
de uma natureza mais refinada e etérea enchem os crentes de uma santa plenitude
de deleite.
Ainda ouvindo o cântico
da virgem favorecida, permitam-me observar que sua baixeza não a fez parar seu
cântico – melhor, inserta nele uma nota mais doce. “Porque há olhado para a
baixeza de sua serva.” Querido amigo, você está sentindo mais intensamente que
nunca a profundeza de sua natural depravação, e é abatido sob o sentido de suas
muitas falhas, e está tão morto e tão ligado à terra ainda mesmo nessa casa de
oração que não pode se levantar para Deus – Tem estado triste e deprimido,
enquanto nossas cantatas de Natal ressoaram em seus ouvidos – se sente hoje tão
inútil para a Igreja de Deus, tão insignificante, tão completamente indigno,
que sua incredulidade lhe sussurra: “Em verdade, em verdade, não possui nenhum
motivo para cantar”.
Vamos, meu irmão, vamos,
minha irmã, imitem essa bendita virgem de Nazaré, e convertam a essa própria
baixeza e insignificância que sentem tão dolorosamente, em uma razão para uma
louvação incessante. Filhas de Sião, digam docemente em seus hinos de amor:
“Tem olhado para baixeza de sua serva”. Entre mais indigno sou de Seus favores,
mais docemente cantarei de Sua graça. O que importa que eu seja o mais
insignificante de todos Seus escolhidos? – eu louvarei Àquele que com olhos de
amor me buscaram, e puseram Seu amor em mim. “Eu te louvo, ó Pai, Senhor do céu
e da terra, porque escondeu essas coisas dos sábios e entendidos, e as revelou
aos meninos. Sim, Pai, porque assim lhe agradou”.
Queridos amigos, estou
seguro de que o recordo de que há um Salvador e de que esse Salvador é seu,
deve fazer-lhes cantar – e se colocam junto a esse pensamento de que uma vez
foram pecadores, imundos, vis, odiosos e inimigos de Deus, então suas notas se
remontarão mais alto, e chegarão até o terceiro céu para ensinar o louvor de
Deus às harpas de ouro.
É muito digno de ser
advertir que a grandeza da benção prometida não lhe deu à doce cantante um
argumento para suspender seu agradecido tom. Quando medito sobre a grande
bondade de Deus ao amar a Seu povo antes que a terra existisse, ao entregar Sua
vida por nós, ao interceder por nossa causa diante do trono eterno, ao dispor
um paraíso de repouso para nós para sempre, um negro pensamento me perturbou:
“Certamente esse é um privilégio demasiadamente sublime para um inseto de um
dia como é essa pobre criatura, o homem”. Maria não contemplou esse assunto
incredulamente, mas sim que se alegrou mais intensamente por isso mesmo.
“Porque grandes coisas o Poderoso me há feito”.
Vamos, alma, é grandioso
ser um filho de Deus, porem, como seu Deus faz grandes portentos, não vacile
motivado pela incredulidade, mas sim triunfe em sua adoção ainda que seja uma
grande misericórdia. Ó, é uma poderosa misericórdia, mais alta que os montes,
ser eleito por Deus desde toda eternidade, porem é uma verdade que seus redimidos
são eleitos assim, e, portanto, cante motivado por isso. É uma profunda e
indizível benção ser redimido com o precioso sangue de Cristo, mas você é
redimido assim mais além de toda dúvida. Portanto, não duvide, antes, dê altos
gritos pela alegria de seu coração. É um pensamento arrebatador que more acima,
e que leve a coroa, e agite a rama de palma para sempre – que nenhuma
desconfiança interrompa a melodia de seu salmo de expectação, e melhor ainda:
“Para a exaltação sonora
do amor divino,
Peça a cada corda que
desperte.”
Que plenitude de verdade
há nessas poucas palavras: “Grandes coisas me há feito o Poderoso”. É um texto
a partir que um espírito glorificado no céu poderia pregar um sermão sem fim.
Peço-lhe que guarde os pensamentos que lhe sugeri dessa pobre maneira, e que
trate de chegar ao sítio onde Maria esteve, gozando de santa exultação. A graça
é grande, porem também o seu doador o é – o amor é infinito, e também o coração
do qual brota – a bem-aventurança é indescritível, porem a sabedoria divina que
a planejou desde tempos antigos também a é. Que nossos corações se apropriem do
“Magnificat”, o “faça-se” da Virgem, e louvem ao Senhor muito alegremente nessa
hora.
Ademais, posto que não
esgotamos a melodia – a santidade de Deus esfriou o ardor do gozo do crente –
porem não foi assim no caso de Maria. Ela se alegra nele: “Santo é seu nome”.
Incorpora esse brilhante atributo em seu cântico. Santo Senhor, quando esqueço
meu Salvador, o pensamento de Sua pureza me faz estremecer – quando estou onde
Moises esteve no santo monte de Sua Lei, estou espantado e tremendo! Para mim,
consciente de minha culpa, nenhum ribombar poderia ser mais terrível do que o
hino do serafim: “Santo, Santo, Santo, Senhor Deus dos exércitos!” Que é Sua
santidade senão fogo consumidor que tem que destruir-me completamente, sendo eu
um pecador? Se os céus não são puros diante de Seus olhos, e notas necedade em
Seus anjos, quanto menos então pode suportar ao homem vão e rebelde, nascido de
mulher? Como pode o homem ser puro e como podem Seus olhos o ver sem
rapidamente consumir-lhe em Sua ira? Porem, ó Tu, o Santo de Israel, quando meu
espírito está no Calvário e pode ver Sua santidade vindicar-se a si mesma nas
feridas do homem que nasceu em Belém, então meu espírito se alegra nessa
gloriosa santidade que uma vez foi seu terror. Inclinou-se até o homem o três
vezes santo Deus e assumiu a carne do homem? Então, em verdade, há esperança!
Um santo Deus suportou a sentença que Sua própria lei pronunciou contra o
homem? Esse Deus santo encarnado estende Suas feridas e intercede por mim?
Então, alma minha, a santidade de Deus deve ser uma consolação para você.
Extrairei águas vivas desse poço sagrado, e agregarei a todas minhas notas de
júbilo essa outra: “Santo é seu nome”. Ele jurou por Sua santidade, e não
mentirá, guardará Seu pacto com Seu ungido e com Sua semente para sempre.
Quando, como sobre asas
de anjos, nos remontamos ao céu em santo louvor, a perspectiva se abre debaixo
de nós – de igual maneira, quando Maria se cinge com a asa poética, olha ao
longo das passagens do passado, e contempla os poderosos atos de Jeová nas eras
transcorridas há muito tempo. Observem como a melodia adquire majestade –
trata-se mais bem do vôo de Ezequiel, o de asas de águia, que da agitação da
tímida pomba de Nazaré. Ela canta: “E a Sua misericórdia é de geração em
geração sobre os que o temem.”. Olha mais além do cativeiro, aos dias dos reis,
a Salomão, a Davi, através dos juízes e até chegar ao deserto, e através do mar
Vermelho para Jacó, a Abraão, e segue seu transcorrido até que detendo-se na
porta do Éden, ouve o som da promessa: “A semente da mulher ferirá a cabeça da
serpente”. Quão magnificamente resume o livro das guerras do Senhor, e repassa
os triunfos de Jeová: “Com o seu braço agiu valorosamente; Dissipou os soberbos
no pensamento de seus corações.” Quão deleitávemente a misericórdia é mesclada
com o juízo no seguinte canto de seu salmo: “Depôs dos tronos os poderosos, E
elevou os humildes. Encheu de bens os famintos, E despediu vazios os ricos.”
Meus irmãos e irmãs,
também cantemos do passado, glorioso em fidelidade, temível em juízo, fecundo
em portentos. Nossas próprias vidas nos proporcionarão um hino de adoração.
Falemos das coisas que experimentamos tocantes ao Rei. Estávamos famintos e Ele
nos encheu de coisas boas – encurvou-se sobre o monturo com o mendigo, e nos
entronizou entre os príncipes – fomos sacudidos pela tempestade, porem com
Eterno Piloto ao timão, não tivemos medo de naufragar – fomos lançados dentro
de um forno ardente, mas a presença do Filho do Homem apaziguou a violência das
chamas.
Proclamem, ó vocês,
filhas da música, a longa história da misericórdia do Senhor para com Seu povo
nas gerações já passadas. As muitas águas não puderam apagar Seu amor, nem os
rios afogá-lo – a perseguição, a fome, a nudez, os perigos, a espada, nada
disso separou aos santos do amor de Deus, que é em Cristo nosso Senhor. Os
santos, sob a asa do Altíssimo, sempre estiveram seguros. Quando foram mais
assediados pelo inimigo, moraram em perfeita paz: “Deus é nosso amparo e
fortaleza, nosso presente auxílio nas tribulações”. Atravessando às vezes a
onda cor vermelha de sangue, o barco da Igreja não se desviou jamais de seu
predestinado caminho de progresso. Cada tempestade favoreceu-a – o furação que
buscava sua ruína se viu obrigado a levar ela adiante mais rapidamente. Sua
bandeira desafiou nesses mil e oitocentos anos a batalha e a agitação, e não
teme para nada o que possa sobrevir ainda. Porem, vejam aqui, aproxima-se ao
porto – o dia está amanhecendo quando darão adeus às tormentas – as ondas se
acalmaram sob ela – o repouso longamente prometido está à mão – Jesus mesmo
encontra-se com ela, caminhando sobre a águas, entrará em seu porto eterno e
todos os que vão a bordo cantarão de gozo com seu Capitão e triunfarão e
cantarão vitória por meio Daquele que a amou e foi seu libertador.
Quando Maria afinou
assim seu coração para glorificar a Deus nela por Suas maravilhas do passado,
enfatizou particularmente a nota da eleição. A nota mais alta da escala de meu
louvor é alcançada quando minha alma canta: “Eu amo a Ele, porque Ele me amou
primeiro”. Kent o expressa muito bem dessa forma:
“Um monumento à graça.
É um pecador salvo pelo
sangue;
Eu rastreou as correntes
do amor
Até sua fonte: Deus;
E em Seu poderoso peito
veio,
Eternos pensamentos de
amor por mim.”
Dificilmente poderíamos
voar mais alto do que a fonte do amor no monte de Deus. Maria sustenta a
doutrina da eleição em seu cântico: “Depôs dos tronos os poderosos, E elevou os
humildes. Encheu de bens os famintos, E despediu vazios os ricos.”. Ai
percebemos à graça que distingue, a consideração que discrimina; ai, a alguns
se lhes permite que pereçam; ali estão outros, os menos merecedores e os mais
obscuros, que são feitos objetos especiais do afeto divino.
Não tenha medo de
ressaltar essa excelsa doutrina, amado irmão no Senhor. Permita-me assegurar
que quando sua mente está mais triste e caída, descobrirá que isso é um vaso
que contêm o mais delicioso medicamento. Aqueles que duvidam dessas doutrinas,
ou que as arrojam à fria sombra, perdem dos mais ricos ramos de Escol – perdem
dos vinhos refinados e dos grossos tutanos, porem vocês que, em razão dos anos,
tiveram seus sentidos exercitados para discernir entre o bem e o mal, vocês
sabem que não existe mel como esse, não há uma doçura comparável a ele. O mel
no bosque de Jonatas, quando era tocado, iluminava os olhos para ver, porem
esse é o mel que iluminará seu coração para amar e aprender os mistérios do reino
de Deus.
Comam, então, e não
tenham medo de se enjoarem – alimentem-se dessa seleta delicia, e não tenham
medo de se cansarem dela, pois quanto mais saibam, mais desejarão saber, quanto
mais cheia estiver sua alma, mais desejarão que sua mente seja expandida, para
poder compreender mais o amor de Deus que é eterno, imperecível e
discriminador.
Porem, farei mais um
comentário sobre esse ponto. Vocês vêem que Maria não terminou seu cântico até
não ter chegado ao pacto. Quando se remonta até um ponto tão alto como a
eleição, demore-se em seu monte irmão, que é o pacto da graça. No último verso
de seu cântico, ela canta: “Como falou a nossos pais, para com Abraão e a sua
posteridade, para sempre”. Para ela, esse era o pacto – para nós, que temos uma
luz mais clara, o antigo pacto feito na câmara do conselho da eternidade, é o
tema do maior deleite. O pacto com Abraão, em seu melhor sentido, só uma copia
menor desse pacto de graça feito com Jesus, o Pai eterno dos fiéis, antes que
os céus azuis fossem estendidos. Os compromissos do pacto são suaves almofadas
para uma cabeça dolorida – os compromissos do pacto com a fiança, Cristo Jesus,
são os melhores sustentadores de um espírito trêmulo:
“Seu juramento, Seu
pacto, Seu sangue,
Sustentam-me na feroz inundação;
Quando todo apoio
terrenal caia,
Segue sendo minha
fortaleza e meu sustento.”
Se Cristo efetivamente
jurou levar-me à glória, e se o Pai jurou entregar-me ao Filho para formar
parte da infinita recompensa pela aflição de Sua alma, então, alma minha,
enquanto Deus mesmo não seja infiel, enquanto Cristo não cesse de ser a
verdade, enquanto o conselho eterno de Deus não se converta em mentiroso e o
vermelho pergaminho de Sua eleição não seja consumido pelo fogo, você está
segura. Descanse, então, em perfeita paz, venha o que venha; tire sua harpa de
cima dos salgueiros e que seus dedos não parem de tocá-la seguindo os acordes
da mais rica harmonia. Ó, que recebamos graça de principio à fim para nos
unirmos a Maria em seu cântico.
II. Em segundo lugar,
MARIA CANTA DOCEMENTE. Ela louva a Deus com todo seu coração. Observem como
adentra até o centro do tema. Não há um prefácio, mas sim “Engrandece minha
alma ao Senhor; meu espírito se alegra em Deus meu Salvador”. Quando algumas
pessoas cantam, dão a impressão de que têm medo de ser ouvidas. Nosso poeta
declara:
“Com todos meus poderes
de coração e língua
Louvarei meu Criador em
meu canto;
Os anjos ouvirão as
notas que elevo,
Aprovarão o canto, e se
unirão no louvor.”
Temo que os anjos
frequentemente não escutam esses pobres sussurros, fracos e desfalecentes, que
muitas vezes brotam de nossos lábios simplesmente pela força do costume. Maria
é todo coração – evidentemente sua alma está ardendo – enquanto ela medita, o
fogo arde, logo expressa sua emoção com palavras. Nós também devemos recolher
nossos pensamentos dispersos, e devemos despertar nossos poderes adormecidos
para louvar ao amor redentor. Maria usa uma nobre palavra: “Engrandece minha
alma ao Senhor”. Eu suponho que isso significa: “Minha alma se esforça por
engrandecer a Deus por meio do louvor”. Ele é tão grande, como poderia ser em
Seu ser – minha bondade não pode magnificar-lhe, porem minha alma deseja
engrandecer a Deus nos pensamentos dos demais, e engrandecê-lo em meu próprio
coração. Eu desejaria dar ao cortejo de Sua glória um maior alcance – eu
desejaria refletir a luz que Ele me há dado – quisera converter em amigos a
Seus inimigos, eu desejaria converter os pensamentos ásperos sobre Deus em
pensamentos de amor. “Engrandece minha alma ao Senhor”. O velho Trapp disse:
“minha alma desejaria criar um maior espaço para ele”. É como se Maria quisesse
absorver mais de Deus, como Rutherford, quando disse: “Ó, que meu coração fosse
tão grande como o céu, para que eu pudesse conter a Cristo nele!” – e logo, se
coloca um ‘porem’ a si mesmo: “Porem, os céus e a terra não podem contê-Lo. Ó,
que tivera um coração tão grande que sete céus, para poder assim conter a todo
o Cristo dentro dele”. Verdadeiramente, esse é um desejo maior do que poderíamos
jamais esperar que fosse cumprido, no entanto, nossos lábios cantarão ainda:
“Engrandece minha alma ao Senhor.” Ó, se pudesse coroá-lo, se pudesse colocá-lo
mais acima! Se o fato de que fosse queimado na fogueira pudesse acrescentar tão
somente uma fagulha de mais luz para Sua glória, eu seria feliz por sofrê-lo.
Se o fato de que eu fosse aplastado pudesse levantar um tantinho mais a Jesus,
feliz seria a destruição que acrescentaria a Sua glória! Tal é o espírito de
entrega do cântico de Maria.
Mais, seu louvor é muito
alegre: “Meu espírito se alegra em Deus meu Salvador.” A palavra no grego é
muito notável. Eu creio que é a mesma palavra que é usada na passagem: “Folgai
nesse dia, exultai” (Lucas 6:23). Acostumávamos ter uma antiga palavra em
inglês que descrevia a um certo baile de celebração, “a galliard” – uma
galharda. Era um baile no que se dava saltos[1]; os antigos comentaristas o
chamam um levante. Maria, de fato, declara: “Meu espírito haverá de dançar como
Davi diante da arca, dará saltos, pulará, saltitará e regozijará em Deus meu
Salvador”. Quando nós louvamos a Deus, não deveria ser com notas dolorosas ou
melancólicas. Alguns de meus irmãos louvam sempre a Deus com a nota mais baixa,
ou em profundo, profundo baixo – não podem se sentir santos enquanto não
estejam melancólicos. Por que alguns homens não podem adorar a Deus exceto com
uma cara larga? Os conheço por sua simples maneira de caminhar quando eles vêem
à adoração: que passo terrível o deles! Não entendem o Salmo de Davi:
“A seus átrios, com
gozos desconhecidos,
As sagradas tribos
apelam.”[2]
Não, esses indivíduos
sobem à casa de Seu Pai como que se dirigissem à cadeia, e adoram a Deus nos
domingos como se fosse o dia mais triste da semana! Se diz de um certo
habitante das zonas altas da Escócia – quando os habitantes dessa região eram
muito piedosos – que uma vez esse tal foi a Edimburgo, e quando retornou de sua
viagem comentou que tinha visto um terrível espetáculo ao domingo, pois tinha
visto a certas pessoas em Edimburgo que iam à igreja com rostos alegres. Ele
considerava que era perverso achar-se feliz aos domingos. Esse mesmo conceito
existe nas mentes de certas boas pessoas daqui – imaginam que quando os santos
se reúnem devem se sentar, e experimentar uma pequena e cômoda infelicidade e
só um pouco de deleite. Em verdade, gemer e abater-se não é caminho designado
para adorar a Deus. Devemos tomar a Maria como uma norma. Eu a recomendo todo
ano como um exemplo para os que estão turbados e têm um coração desfalecente.
“Meu espírito se alegra em Deus meu Salvador”.
Cessem de se alegrarem
nas coisas sensuais, e não tenham nenhuma comunhão com os prazeres pecaminosos,
pois todo esse regozijo é maligno, mas vocês não podem se alegrar em demasia no
Senhor. Eu creio que o problema de nossa adoração pública é que somos
demasiadamente sóbrios, frios e formais. Eu não admiro precisamente os abruptos
rompantes de nossos amigos metodistas primitivos quando se desenfreiam, mas eu
não colocaria nenhuma objeção a ouvir uma “ALELUIA!” dito de todo coração de
vez em quando. Uma entusiasta explosão de exultação poderia acalentar nossos
corações – o grito de “Glória!” poderia acender nossos espíritos.
Isso sei, que não me
sinto mais pronto para a verdadeira adoração do que quando estou pregando no
País de Gales, quando ao longo de todo o sermão o pregador é auxiliado, mais
que interrompido, pelos gritos de: “Glória a Deus!” e “Bendito seja Seu nome!”
Vamos, nesse momento o sangue começa a arder, e a alma de um é sacudida, e essa
é a verdadeira maneira de servir a Deus com alegria. “Alegrem-se no Senhor,
sempre, Outra vez digo: Regozijai-vos!” “Meu espírito se alegra em Deus meu
Salvador.”
Em terceiro lugar, Maria
canta docemente porque canta confiadamente. Não para a perguntar-se: “Tenho
algum direito de cantar?”, mas bem diz: “Engrandece mina alma ao Senhor – e meu
espírito de alegra em Deus meu Salvador. Porque olhou para baixeza de Sua
serva”. O “se” é um triste inimigo de toda felicidade cristã – “porem”,
“porventura”, “dúvida”, “conjecturar”, “suspeitar”, esses constituem uma raça
de salteadores de meio de estrada que espiam aos pobres peregrinos tímidos e
lhes roubam o dinheiro de seus gastos. As harpas pronto desafinam e quando
sopra o vento desde o reduto da dúvida, as cordas se rompem ao menor toque. Se
os anjos do céu pudessem abrigar alguma dúvida, isso converteria o céu em um
inferno. “Se és Filho de Deus” foi a arma covarde brandida pelo antigo inimigo
contra nosso Senhor no deserto. Nosso grande inimigo conhece bem qual arma é a
mais perigosa.
Cristão, coloque o
escudo da fé sempre que veja a adaga envenenada pronta a ser usada contra você.
Temo que alguns de vocês alimentam suas dúvidas e temores. Bem poderiam incubar
jovens víboras e criar um basilísco. Pensam que é um sinal de graça terem
dúvidas, ainda que melhor é um sinal de debilidade. Se duvidam da promessa de
Deus, isso não demonstra que não possuem nada de graça, porem demonstra, em
verdade, que precisam de mais graça, pois se tivessem mais graça, receberiam a
Palavra de Deus tal como Ele a dá, e se diria de vocês como se disse de Abraão,
que “tampouco duvidou, por incredulidade, da promessa de Deus, mas sim que se
fortaleceu em fé, dando glória a Deus, plenamente convencido de que era também
poderoso para fazer tudo o que havia prometido.” Que Deus lhes ajudem a
desfazerem-se de suas dúvidas. Ó, essas são coisas diabólicas! Essa é uma
palavra muito dura? Encantar-me-ia encontrar uma mais dura. São criminais, são
rebeldes que buscam roubar de Cristo Sua glória – são traidoras que lançam lama
sobre o escudo de armas de meu Senhor. Ó, são vis traidoras – a alcem sobre a
forca que deve ser tão alta como a de Hamã – lancem-nas por terra, e deixem que
apodreçam como carniça, ou enterrê-las com o enterro de um asno! As dúvidas são
aborrecidas por Deus e também devem ser aborrecidas pelos homens. São cruéis
inimigas de suas almas, lesionam a sua utilidade e os despojam em todos os
sentidos. Eliminem-nas com a espada do Senhor e de Gideão! Por fé na promessa
busquem lançar fora esses cananeus e possuam a terra. Ó, vocês, homens de Deus,
falem com confiança, e cantem com sagrado júbilo.
Há algo mais que
confiança em seu cântico. Maria canta com grande familiaridade, “Engrandece
minha alma ao Senhor, e meu espírito se alegra em Deus meu Salvador… Porque me
fez grandes coisas o Poderoso; Santo é seu nome”. Esse é o cântico de alguém
que se aproxima muito de perto de seu Deus em amorosa intimidade. Eu sempre
tenho uma ideia quando escuto a leitura da liturgia: que é a adoração de um
escravo. As palavras e as frases não são um problema para mim. Talvez, de todas
as composições humanas, o serviço litúrgico da Igreja da Inglaterra seja, com
algumas exceções, o mais nobre, porem só é bom para escravos, ou, supondo o
melhor, para súditos. Ao longo de todo o serviço, um sente que há um cerco que
rodeia a montanha, tal como no Sinai. Sua “litania” é o lamento de um pecador,
e não o feliz triunfo de um santo. O serviço gera uma escravidão, e não contêm
nada do espírito confiante da adoração. Contempla ao Salvador desde muito
longe, como alguém que há de ser temido mais bem que amado, e que deve ser
considerado temível em lugar de deleitar-se Nele. Não tenho dúvida de que se
adéqua àqueles cuja experiência os conduz a colocar os dez mandamentos próximos
da mesa da comunhão, pois evidenciam por isso que seus tratos com Deus são
ainda sobre os termos de servos e não de filhos.
No que a mim diz
respeito, eu preciso de uma forma de adoração na que possa aproximar-me a meu
Deus, e acercar-me inclusive a Seus pés, expondo meu caso diante Dele, e
ordenando minha causa com argumentos, falando com Ele como um amigo fala com
seu amigo, ou um filho fala com seu pai – de outra forma, a adoração vale muito
pouco para mim.
Nossos amigos da Igreja
Episcopal, quando vêem aqui, são naturalmente impactados pelo nosso serviço, o
vendo como irreverente porque é muito mais familiar e atrevido que o seu. Temos
de nos guardar cuidadosamente de ter que merecer realmente essa critica, e
então não deveríamos temê-la, pois uma alma renovada deseja vivamente
precisamente esse tratamento que o formalista chama irreverente. Falar com Deus
como meu Pai, tratar com Ele como com Um que cujas promessas são verdadeiras
para mim, e a quem eu, um pecador lavado no sangue e vestido com a justiça
perfeita de Cristo, posso vir com valor, sem ter que ficar ao longe. Eu digo
que isso é algo que o adorados dos átrios exteriores não pode entender.
Há alguns de nossos
hinos que falam de Cristo com tal familiaridade que o crítico impassível diz:
“Não gosto de tais expressões. Eu não poderia cantar elas”. Estou plenamente de
acordo contigo, senhor crítico, já que a linguagem não lhe conviria bem a você,
posto que é um estranho, porem, um filho pode dizer mil coisas que um servo não
pode. Lembro que um ministro alterou um de nossos hinos que diz:
“Que recusem cantar
Os que jamais conheceram
nosso Deus;
Porem, os favoritos do
Rei celestial
Podem expressar
livremente seus gozos”.
Ele mudou dessa maneira:
“Porem, os SÚDITOS do
Rei celestial.”
Sim, e quando o
expressou, eu pensei: “isso é correto, você está cantando o que sente – você
não sabe nada da graça que discrimina nem das manifestações especiais, e
portanto, se apega a seu nível inato, que é de súdito do rei celestial”. Porem,
ó, meu coração necessita de uma adoração que possa sentir e expressar o
sentimento de que sou um favorito do rei celestial, e que portanto, posso
cantar de Seu amor especial, de Seu favor manifesto, de Suas doces relações e
de Sua misteriosa união com minha alma. Nunca estará bem enquanto não lhe faça
a pergunta: “Senhor, como é que se manifesta a nós, e não ao mundo?” Existe um
segredo que nos é revelado, e que não é revelado ao mundo exterior – um
entendimento que as ovelhas recebem, porem que as cabras não recebem. Eu apelo
a qualquer de vocês que durante a semana ocupam uma posição oficial: um juiz,
por exemplo. Você tem um assento no tribunal e não está revestido de uma
insignificante dignidade quando está ai. Quando chega em casa, você tem um
pequenino que tem muito pouco medo de sua investidura de juiz, ainda que tem
muito amor por sua pessoa, e que sobe em seus joelhos, lhe beija na bochecha e
lhe diz mil coisas que são adequadas e corretas porque saem dele, porem que
você não toleraria na corte se proviessem de qualquer outro ser vivente. Essa
parábola não necessita de interpretação.
Quando leio algumas das
orações de Martinho Lutero, escandalizo-me, porem argumento comigo mesmo assim:
“É certo que não posso falar com Deus da mesma maneira que Lutero, porem, talvez,
Lutero sentiu e compreendeu sua adoção mais do que eu o faço, portanto, não era
menos humilde porque fosse mais arrojado. Poderia ser que usou expressões que
estavam fora de lugar na boca de qualquer homem que não tivesse conhecido ao
Senhor como ele o fez.”
Ó, meu amigo, cante
nesse dia de nosso Senhor Jesus Cristo, como de alguém próximo a nós.
Acerque-se a Cristo, leia Suas feridas, mete a mão em Seu lado, e coloque seu
dedo no sinal dos cravos, e logo seu canto adquirirá uma sagrada doçura e uma
melodia que não se pode conseguir em nenhuma outra parte.
Devo concluir observando
que ainda que seu cântico era tudo isso, no entanto, quão humilde foi, em
verdade, e que repleto de gratidão. Os papistas a chamar: “Mãe de Deus”, porem
ela não sussurra jamais tal coisa em seu cântico. Não, melhor, ela diz: “Deus
meu Salvador” – justo as mesmas palavras que o pecador que as fala poderia
usar, e tais expressões como as que vocês, pecadores, que estão escutando-me,
poderiam usar também. Maria necessita de um Salvador – sente que o necessita e
sua alma se alegra porque há um Salvador para ela. Ela não fala como se pudesse
se recomendar diante Dele, mas que espera ser aceita no amado. Procuremos,
então, que nossa familiaridade esteja mesclada sempre com a prostração mais
humilde de espírito, quando lembramos que Ele é Deus sobre tudo, bendito para
sempre, e nós somos nada senão pó e cinzas. Ele enche todas as coisas, e nós
somos menos que nada e vaidade.
III. O último deveria
ser a pergunta: DEVE CANTAR SOZINHA? Sim, deve fazê-lo, se a única musica que
podemos trazer é a dos deleites carnais e dos prazeres mundanos. Haverá muita
musica amanhã que não encaixaria com a sua. Haverá muito júbilo amanhã, e muita
risada, mas temo que a maior parte disso não iria de acordo com o cântico de
Maria. Não será: “Engrandece minha alma ao Senhor; e meu espírito se alegra em
Deus meu Salvador”. Não desejaríamos impedir as brincadeiras dos espíritos
animais nos jovens nem nos velhos – não moderaríamos no mais mínimo seu júbilo
das misericórdias de Deus, entanto que não quebrantem seu mandamento por conta
do desenfreio, da bebedeira ou o excesso; porem, ainda assim, quando praticaram
a maior parte desse exercício corporal, de pouca se aproveita, pois é só o
desfrute da hora passageira e não a felicidade do espírito que é permanente –
e, portanto, Maria deve cantar sozinha no que concerne a vocês. A alegria da
mesa é demasiadamente baixa para Maria; o gozo da festa e da família é rasteiro
comparado com o seu.
Porem, Maria deve cantar
sozinha? Certamente não, se nesse dia qualquer de nós, pela simples confiança
em Jesus, pudesse receber a Cristo para ser seu. O Espírito Santo lhe conduz a
dizer nesse dia: “Confio minha alma a Jesus?”
Meu querido amigo, então
você concebeu a Cristo – no melhor sentido e no sentido místico da palavra,
Cristo Jesus é concebido em sua alma. O compreende como o que carregou o pecado
e quitou a transgressão? Pode ver a Jesus sangrando como o Substituto dos
homens? O aceita como tal? Coloca toda sua fé na dependência no que Ele fez, no
que é e no que faz? Então, Cristo é concebido em você, e pode prosseguir seu
caminho com toda essa alegria que Maria conheceu – e eu estava quase pronto a
dizer com algo mais – pois a concepção natural do santo corpo do Salvador foi,
como tema de congratulação, só a décima parte se lhe compara com a concepção
espiritual do santo Jesus dentro de seu coração, quando Ele seja em você a
esperança da glória.
Meu querido amigo, se
Cristo é seu, não há cântico na terra tão sublime e tão santo para ser cantado
– e mais, não há nenhum comovedor cântico procedente dos lábios dos anjos, nem
nenhuma nota comovedora da língua do arcanjo, aos que você não pudesse unir-se.
Mesmo nesse dia, o mais santo, o mais feliz, o mais glorioso das palavras, dos
pensamentos e das emoções, lhe pertencem. Usá-los! Que Deus lhe ajude a
desfrutar de tudo isso, e Dele seja o louvor e teu seja o consolo para sempre.
Amém.(sermões Charles Spurgeon)
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