AVIVAMENTO DE MISSÕES NA INGLATERRA
PAI DE MISSÕES
MODERNAS
GUILHERME
CAREY(1761-1834)
Artigo Mauricio Berwald
O menino Guilherme
Carey, era apaixonado pelo estudo da natureza. Enchia seu quarto de coleções
de insetos, flores, pássaros, ovos, ninhos, etc. Certo dia, ao tentar alcançar
um ninho de passarinhos, caiu de uma árvore alta. Ao experimentar a segunda
vez, caiu novamente. Insistiu a terceira vez: caiu e quebrou uma perna. Algumas
semanas depois, antes de a perna sarar, Guilherme entrou em casa com o ninho na
mão. - "Subiste à árvore novamente?!" -exclamou sua mãe. - "Não
pude evitar, tinha de possuir o ninho, mamãe" - respondeu o menino.
Diz-se que
Guilherme Carey, fundador das missões atuais, não era dotado de inteligência
superior e nem de qualquer dom que deslumbrasse os homens. Entretanto, foi essa
característica de persistir, com espírito indômito e inconquistável, até
completar tudo quanto iniciara, que fez o segredo do maravilhoso êxito da sua
vida.
Quando Deus
o chamava a iniciar qualquer tarefa, permanecia firme, dia após dia, mês após
mês e ano após ano,até acabá-la. Deixou o Senhor utilizar-se de sua vida, não
somente para evangelizar durante um período de quarenta e um anos no
estrangeiro, mas também para executar a façanha por incrível que pareça, de
traduzir as Sagradas Escrituras em mais que trinta línguas.
O avô e o
pai do pequeno Guilherme eram sucessivamente professor e sacristão (Igreja
Anglicana) da Paróquia. Assim o filho aprendeu o pouco que o pai podia
ensinar-lhe. Mas não satisfeito com isso, Guilherme continuou seus estudos sem
mestre.Aos doze
anos adquiriu um exemplar do Vocabulário Latino,por Dyche,. o qual decorou. Aos
quatorze anos iniciou a carreira como aprendiz de sapateiro. Na loja
encontrou alguns livros, dos quais se aproveitou para estudar. Assim iniciou o
estudo do grego. Foi nesse tempo que chegou a reconhecer que era um pecador
perdido, e começou a examinar cuidadosamente as Escrituras.
Não muito
depois da sua conversão, com 18 anos de idade, pregou o seu primeiro sermão. Ao
reconhecer que o batismo por imersão é bíblico e apostólico, deixou a
denominação a que pertencia. Tomava emprestados livros para estudar e, apesar
de viver em pobreza, adquiria alguns livros usados. Um de seus métodos para
aumentar o conhecimento de outras línguas, consistia em ler diariamente a
Bíblia em latim, em grego e em hebraico.
Com a idade
de vinte anos, casou-se. Porém os membros da igreja onde pregava eram pobres e
Carey teve de continuar seu ofício de sapateiro para ganhar o pão cotidiano. O
fato de o senhor Old, seu patrão, exibir na loja um par de sapatos fabricados
por Guilherme, como amostra, era prova da habilidade do rapaz.
Foi durante
o tempo que ensinava geografia em Moulton, que Carey leu o livro As Viagens do
Capitão Cook e Deus falou à sua alma acerca do estado abjeto dos pagãos sem o
Evangelho. Na sua tenda de sapateiro afixou na parede um grande mapa-mundi,
que ele mesmo desenhara cuidadosamente. Incluíra neste mapa todos os dizeres
disponíveis: o número exato da população, a flora e a fauna, as
características dos indígenas, etc., de todos os países.Enquanto consertava
sapatos, levantava os olhos, de vez em quando, para o mapa e meditava sobre as
condições dos vários povos e a maneira de os evangelizar. Foi assim que sentiu
mais e mais a chamada de Deus para preparar a Bíblia, para os muitos milhões de
indus, na própria língua deles.
A
denominação a que Guilherme pertencia, depois de aceitar o batismo por imersão,
achava-se em grande decadência espiritual. Isto foi reconhecido por alguns dos
ministros, os quais concordaram em passar "uma hora em oração na primeira
segunda-feira de todos os meses" pedindo de Deus um grande avivamento da
denominação. De fato esperavam um despertamento, mas, como acontece muitas
vezes, não pensaram na maneira em que Deus lhes responderia.
As igrejas
de então não aceitavam a idéia, que consideravam absurda, de levar o Evangelho
aos pagãos. Certa vez, numa reunião do ministério, Carey levantou-se e sugeriu
que ventilassem este assunto: O dever dos crentes em promulgar o Evangelho às
nações pagãs. O venerável presidente da reunião, surpreendido, pôs-se em pé e
gritou: "Jovem, sente-se! Quando agradar a Deus converter os pagãos, ele
o fará sem o seu auxílio, nem o meu."
Porém o
fogo continuou a arder na alma de Guilherme Carey. Durante os anos que se
seguiram esforçou-se ininterruptamente, orando, escrevendo e falando sobre o
assunto de levar Cristo a todas as nações. Em maio de 1792, pregou seu
memorável sermão sobre Isaías 54.2,3: "Amplia o lugar da tua tenda, e as
cortinas das tuas habitações se estendam; não o impeças; alonga as tuas cordas,
e firma bem as tuas estacas. Porque transbordarás à mão direita e à esquerda; e
a tua posteridade possuirá as nações e fará que sejam habitadas as cidades
assoladas."
Discursou
sobre a importância de esperar grandes coisas de Deus e, em seguida, enfatizou
a necessidade de tentar grandes coisas para Deus.O auditório
sentiu-se culpado de negar o Evangelho aos países pagãos, a ponto de
"levantar as vozes em choro." Foi então organizada a primeira
sociedade missionária na história das igrejas de Cristo para a pregação do
Evangelho entre os povos nunca evangelizados. Alguns como Brainerd, Eliot e
Schwartz já tinham ido pregar em lugares distantes, mas sem que as igrejas se
unissem para sustentá-los.
Apesar de a
sociedade ser o resultado da persistência e esforços de Carey, ele mesmo não
tomou parte na sua formação. O seguinte, porém, foi escrito acerca dele nesse
tempo:"Aí está Carey, de estatura pequena, humilde , quieto e constante;
tem transmitido o espírito missionário aos corações dos irmãos, e agora quer
que saibam da sua prontidão em ir onde quer que eles desejem, e está bem
contente que formulem todos os planos".
Nem mesmo
com esta vitória, foi fácil para Guilherme Carey concretizar o sonho de levar
Cristo aos países que jaziam nas trevas. Dedicava o seu espírito indômito a
alcançar o alvo que Deus lhe marcara.A igreja
onde pregava não consentia que deixasse o pastorado: somente com a visita dos
membros da sociedade a ela é que este problema foi resolvido. No relatório da
igreja escreveram: "Apesar de concordar com ele, não achamos bom que nos
deixe aquele a quem amamos mais que a nossa própria alma."Entretanto, o
que mais sentiu foi quando a sua esposa recusou terminantemente deixar a
Inglaterra com os filhos. Carey estava tão certo de que Deus o chamava para
trabalhar na Índia que nem por isso vacilou.
Havia outro
problema que parecia insolúvel: Era proibida a entrada de qualquer missionário
na Índia. Sob tais circunstâncias era inútil pedir licença para entrar. Nestas
condições, conseguiram embarcar sem esse documento. Infelizmente o navio
demorou algumas semanas e, pouco antes de partir, os missionários receberam
ordem de desembarcar.
A sociedade
missionária, apesar de tantos contratempos, continuou a confiar em Deus; conseguiram
granjear dinheiro e compraram passagem para a Índia em um navio dinamarquês.
Uma vez mais Carey rogou à sua querida esposa que o acompanhasse. Ela ainda
persistia na recusa e nosso herói, ao despedir-se dela, disse: "Se eu
possuísse o mundo inteiro, daria alegremente tudo pelo privilégio de levar-te e
os nossos queridos filhos comigo; mas o sentido do meu dever sobrepuja todas as
outras considerações. Não posso voltar para trás sem incorrer em culpa a minha
alma."
Porém,
antes de o navio partir, um dos missionários foi à casa de Carey. Grande foi a
surpresa e o regozijo de todos ao saberem que esse missionário conseguiu
induzir a esposa de Carey a acompanhar o seu marido. Deus comoveu o coração do
comandante do navio a levá-la em companhia dos filhos, sem pagar passagem.
Certamente
a viagem a vela não era tão cômoda como nos vapores modernos. Apesar dos
temporais, Carey aproveitou-se do ensejo para estudar o bengali e ajudar um
dos missionários na obra de verter o livro de Gênesis para a língua bengaleza.Guilherme
Carey aprendeu suficiente o bengali, durante a viagem, para conversar com o
povo. Pouco depois de desembarcar, começou a pregar e os ouvintes vinham para
ouvir em número sempre crescente.Carey percebeu a necessidade imperiosa de o povo
possuir a Bíblia na própria língua e, sem demora, entregou-se à tarefa de
traduzi-la. A rapidez com que aprendeu as línguas da Índia é uma admiração para
os maiores lingüistas.
Ninguém
sabe quantas vezes o nosso herói se mostrou desanimadíssimo na Índia. A esposa
não tinha interesse nos esforços de seu marido e enlouqueceu. A maior parte dos
ingleses com quem Carey teve contato, o tinham como louco; durante quase dois
anos nenhuma carta da Inglaterra lhe chegou às mãos. Muitas vezes faltava aos
seus dinheiro e alimento. Para sustentar a família, o missionário tornou-se
lavrador da terra e empregou-se em uma fábrica de anil.Durante
mais de trinta anos Carey foi professor de línguas orientais no colégio de Fort
Williams. Fundou também, o Serampore College para ensinar os obreiros. Sob a
sua direção, o colégio prosperou, preenchendo um grande vácuo na evangelização
do país.
Ao chegar à
Índia, Carey continuou os estudos que começara quando menino. Não somente
fundou a Sociedade de Agricultura e Horticultura, mas criou um dos melhores
jardins botânicos, redigiu e publicou o "Hortus Bengalensis". O livro
"Flora Índica", outra de suas obras, foi considerada obra-prima por
muitos anos.Não se deve
concluir, contudo, que, para Guilherme Carey, a horticultura fosse mais do que
um passatempo. Passou, também, muito tempo ensinando nas escolas de crianças
pobres. Mas, acima de tudo, sempre lhe ardia no coração o desejo de se esforçar
na obra de ganhar almas.
Quando um
de seus filhos começou a pregar, Carey escreveu: "Meu filho, Félix,
respondeu à chamada para pregar o Evangelho". Anos depois, quando esse
filho aceitou o cargo de embaixador da Grã Bretanha no Sião, o pai,
desapontado e angustiado, escreveu para um amigo: "Félix encolheu-se até
tornar-se um embaixador!"Durante o
período de quarenta e um anos, que passou na Índia, não visitou a Inglaterra.
Falava, embora com dificuldade, mais de trinta línguas da Índia, dirigia a
tradução das Escrituras em todas elas e foi apontado ao serviço árduo de tradutor
oficial do governo. Escreveu várias gramáticas indianas e compilou notáveis
dicionários dos idiomas bengali, marati e sânscrito. O dicionário do idioma
bengali consta de três volumes e inclui todas as palavras da língua, traçadas
até a sua origem e definidas em todos os seus sentidos.
Tudo isto
era possível porque sempre economizava o tempo, segundo se deduz do que
escreveu seu biógrafo:"Desempenhava estas tarefas hercúleas sem pôr em
risco a sua saúde, aplicando-se metódica e rigorosamente ao seu programa de
trabalho, ano após ano. Divertia-se, passando de uma tarefa para outra. Dizia
que se perde mais tempo, trabalhando inconstante e indolentemente do que nas
interrupções de visitas. Observava, portanto, a norma de entrar, sem vacilar,
na obra marcada e de não deixar coisa alguma desviar a sua atenção para
qualquer outra coisa durante aquele período."O seguinte escrito pedindo
desculpas a um amigo pela demora em responder-lhe a carta, mostra como muitas
das suas obras avançavam juntas:
"Levantei-me
hoje às seis, li um capítulo da Bíblia hebraica; passei o resto do tempo, até
às sete, em oração. Então assisti ao culto doméstico em bangali, com os
criados. Enquanto esperava o chá, li um pouco em persa com um munchi que me
esperava; li também, antes de comer, uma porção das Escrituras em industani.
Logo depois de comer sentei-me, com um pundite que me esperava, para continuar
a tradução do sânscrito para o ramayuma. Trabalhamos até as dez horas, quando
então fui ao colégio para ensinar até quase as duas horas.
Ao voltar para casa,
li as provas da tradução de Jeremias em bengali, só findando em tempo para
jantar. Depois do jantar, traduzi, ajudado pelo pundite chefe do colégio, a
maior parte do capítulo oito de Mateus em sânscrito. Nisto fiquei ocupado até
as seis. Depois das seis assentei-me com um pundite de Telinga, para traduzir
do sânscrito para a língua dele. Às sete comecei a meditar sobre a mensagem
para um sermão e preguei em inglês, às sete e meia. Cerca de quarenta pessoas
assistiram ao culto, entre as quais, um juiz do Sudder Dewany'dawlut. Depois do
culto, o juiz contribuiu com 500 rupias para a construção de um novo templo.
Todos os que assistiram ao culto tinham saído às nove horas; sentei-me para
traduzir o capítulo onze de Ezequiel para o bengali. Findei às onze, e agora
estou escrevendo esta carta. Depois, encerrei o dia com oração. Não há dia em
que disponha de mais tempo do que isto, mas o programa varia."
Com o
avançar da idade, seus amigos insistiam em que diminuísse os seus esforços, mas
a sua aversão à inatividade era tal, que continuava trabalhando mesmo quando a
força física não dava para a necessária energia mental. Por fim, viu-se
obrigado a ficar de cama, onde continuava a corrigir as provas das traduções.
Finalmente,
em 9 de junho de 1834, com a idade de 73 anos, Guilherme Carey dormiu em
Cristo.A humildade era uma das características mais destacadas da sua vida.
Conta-se que, no zênite da fama, ouviu certo oficial inglês perguntar
cinicamente: - "O grande doutor Carey não era sapateiro?" Carey, ao
ouvir casualmente a pergunta, respondeu: "- Não, meu amigo, era apenas um
remendão."
Quando
Guilherme Carey chegou à Índia, os ingleses negaram-lhe permissão para
desembarcar. Ao morrer, porém, o governo mandou içar as bandeiras a meia haste
em honra de um herói que fizera mais para a Índia do que todos os generais
britânicos.Calcula-se que traduziu a Bíblia para a terça parte dos habitantes
do mundo. Assim escreveu um de seus sucessores, o missionário Wenger: "Não
sei como Carey conseguiu fazer nem a quarta parte das suas traduções. Faz cerca
de vinte anos (em 1855), que alguns missionários, ao apresentarem o Evangelho
no Afeganistão (país da Ásia central), acharam que a única versão que esse povo
entendia era o Pushtoo, feita em Sarampore por Carey."O corpo de
Guilherme Carey descansa, mas a sua obra continua a servir de bênção a uma
grande parte do mundo.
bibliografia(Notas,Herois da fé,Orlando Boyer,pp.95-102,1985,cpad,Brasil)
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