A Igreja em Antioquia 11:19-30
Atividades de Paulo e Barnabé
Esta seção
parece dar prosseguimento ao trecho de Atos 8:4, porquanto temos aqui a
reiteração da declaração que a igreja foi dispersa, em face das perseguições
que começavam a ficar mais severas. O autor sagrado, mui
provavelmente, se alicerçou em alguma fonte informativa da igreja cristã de
Antioquia e ele teria interrompido para falar-nos sobre a conversão de Saulo de
Tarso (baseado em uma fonte informativa paulina), bem como sobre as atividades
de Simão Pedro, que deram inicio, oficialmente, à igreja cristã gentílica,
narrativas essas quase certamente fundamentadas em uma fonte informativa
derivada de Jerusalém-Cesaréia. (Ver At 8:5 - 11:18).
O livro de Atos,
a partir deste ponto, começa a expandir a narrativa sobre as várias atividades
que constituíram a missão da igreja cristã entre os gentios, através das quais
o cristianismo se tornou instituição verdadeiramente universal,
para jamais retornar ao provincialismo do judaísmo. Da mesma forma
que as atividades do apóstolo Pedro foram aprovadas pela igreja-mãe, em
Jerusalém, embora houvesse ainda alguma oposição, assim também, na presente
seção, a missão da igreja de Antioquia, entre os gentios, foi abençoada por
Barnabé. Presumivelmente, pois, também foi afirmada pela igreja de Jerusalém,
visto que Barnabé era representante da mesma. O autor sagrado, por conseguinte,
esforça-se aqui por mostrar-nos que a igreja cristã dera um passo avante em
unidade, e não de modo faccioso, dividido.
A história de
Cornélio e seus
familiares, bem como dos primórdios da igreja cristã em Cesaréia, foi
apresentada de maneira dramática; mas, neste ponto, os inícios igualmente
importantes do cristianismo, em Antioquia, são expostos como fatos consumados.
Paulo já estava
agindo, levantando congregações cristãs na Síria e na Cilícia (ver
Gl 1:21), tendo sido o verdadeiro originador da missão cristã entre os
gentios, embora o livro de Atos não nos dê essa impressão, posto que a história
de Cornélio e Pedro representa o início oficial da missão evangelizadora entre os
povos gentílicos, provavelmente porque foi através desse incidente que a
igreja-mãe, em Jerusalém, deu sanção oficial à mesma. Ou talvez tenha ocorrido
simplesmente que Lucas não estava informado sobre os muitos anos de labor de
Paulo, na Síria e na Cilícia, antes desse incidente em Cesaréia.
O inicio da igreja cristã de Antioquia não
se deveu aos esforços de Paulo, mas antes, de algum irmão cujo nome não é dado,
que fora forçado a fugir de Jerusalém, o qual, tendo chegado à região de
Antioquia mui naturalmente continuou falando a respeito do Senhor Jesus, não
tendo seguido a norma de falar exclusivamente aos judeus (ver o vs. 19). O
vigésimo versículo não deixa perfeitamente claro se esses discípulos, cujo nome
não nos é dado, eram judeus helenistas, de Jerusalém, que haviam sido forçados
a fugir por causa das perseguições, ou eram nativos de Chipre e Cirene,
provavelmente judeus helenistas que haviam estabelecido ali residência
permanente. Esta última possibilidade parece mais provável.
A passagem de Atos
13:1 parece indicar, de forma bem definida, que se tratava de judeus cristãos,
residentes permanentes em áreas ocupadas por gentios, aqueles que
foram os responsáveis pela evangelização de Antioquia e redondezas. Por
conseguinte, o apóstolo Paulo não foi o único fundador do
cristianismo gentílico; a despeito do que, o grande espaço que Lucas dedica a
ele, nessa história, demonstra, acima de qualquer dúvida, que Paulo era
considerado a força mais poderosa do evangelismo entre os gentios. Não se há de
duvidar que importante parte das atividades do apóstolo Paulo, em alguns
territórios, se alicerçava em igrejas cristãs já fundadas, não sendo um
trabalho inteiramente pioneiro.
11:19 Aqueles,
pois, que foram dispersos pela tributação suscitado por causa de Estêvão,
passaram até a Fenícia, Chipre e Antioquia, não anunciando a ninguém a palavra,
senão somente aos judeus,
Neste ponto tem
continuação a narrativa interrompida no trecho de Atos 8:4, a fim de
que fossem feitas as inserções do material concernente à conversão de Saulo de
Tarso e do material concernente ao início oficial da missão cristã entre os
gentios, por parte de Simão Pedro. (Ver a lição 10).
Fenícia.
O território que ficava nas costas
orientais do mar Mediterrâneo, e cobria cerca de duzentos e quarenta
quilômetros entre os rios Litani e Arvade (modernamente
Líbano Latáquia do Sul). Esse lugar é mencionado exclusivamente no
N.T. como lugar de refúgio para os cristãos perseguidos, os quais fugiram de
Jerusalém por causa da perseguição que rebentou logo após o assassínio de
Estêvão (ver At 11:19). Foi também o território através do qual passaram
Paulo e Silas, em sua jornada de Samaria a Antioquia. (Ver At 15:3).
Posteriormente, o apóstolo Paulo aportou na costa da Fenícia, perto de Tiro, em
sua viagem a Jerusalém. (Ver At 21:2,3). Nos tempos do Senhor Jesus, a
Fenícia era reputada como a região costeira em redor de Tiro e Sidom.
(Ver Mt 15:21 e Lc 6:17). E os habitantes da região, que incluíam
gregos, eram considerados «sírios-fenícios» (ver Mc 7:26).
Nos tempos do
A.T., esse território era denominado, pelos hebreus, «Canaã» (ver
Is 23:11). A palavra «cananeu» significa comerciante, e
mui provavelmente esse foi o nome que os habitantes do lugar aplicaram a si
mesmos. (Ver Gn 10:15). A origem dessas populações tão dadas às coisas do
mar é extremamente obscura; mas sabemos, com base nos escritos de
Heródoto (1.1. 11.89), que eles ali chegaram provenientes da área do golfo
persa, através do mar Vermelho e primeiramente erigiram a cidade de Sidom.
As principais cidades desse território
eram Trípolis, Biblis, Sidom, Tiro e Berito. A área é
fértil, a começar pelas terras altas no sopé do monte Líbano e descendo
lentamente para o mar. Ocupava um lugar muito cobiçado para o comércio, desde
os tempos mais remotos que se conhecem. Diz Plínio (L. 5, cap. 12) que a
Fenícia se tornara famosa pela invenção das letras, das constelações e das
artes navais e da guerra.
O território era
conhecido por sua religião idolatra, o que foi condenado por Elias (ver
I Rs 18-19) e por Isaías (ver Is 65:11). A arqueologia, quando do
descobrimento dos textos de Ras Shamra, demonstrou que
ali imperava o politeísmo, bem como uma mitologia natural centralizada ao redor
de Baal, que também era conhecido pelo nome de Moloque (que significa
«rei»), do deus-sol Sapis e deQuesepe, uma divindade pertencente ao
submundo. Cultos surgidos posteriormente misturaram diversas ideias
pertencentes a outras culturas, mas, de maneira geral, a área era estritamente
pagã. Foi em um lugar assim, pois, que agora chegava o cristianismo.
Chipre.
Trata-se da terceira maior ilha do
mar Mediterrâneo, com 238 quilômetros de comprimento e 24 a 64 quilômetros de
largura.Ali nasceu Barnabé. A história registrada menciona Chipre
desde 1500 A.C. Diversos povos, entre os quais os egípcios, os
fenícios, os gregos e os romanos, nela habitaram em estágios vários de sua
história. Os missionários cristãos nela penetraram, pela primeira vez, através
de uma de suas mais excelentes cidades portuárias, Salamina. Ainda existe
um grande aqueduto nesse local, o qual era suficiente para suprir de água uma
cidade com cerca de cem mil habitantes. Ali medrava grande população judaica,
nos dias de Paulo, o que fica demonstrado pelo fato de haver bom número de
sinagogas na cidade. O cristianismo lançou ali raízes firmes. Acredita-se que
Barnabé foi martirizado na ilha de Chipre, em Salamina. Quando do concilio
de Nicéia (325 D.C.), três bispos vieram de Chipre como representantes das
igrejas dali, o que nos mostra até que ponto o cristianismo já se desenvolvera
na ilha. Chipre parece nunca ter sido densamente povoada, pois Plínio alistou
apenas quinze centros populacionais.
Antioquia.
Essa cidade, localizada às margens
do rio Orontes, foi o berço das missões cristãs. Era
conhecida como Antioquia da Síria, a fim de ser distinguida de Antioquia
da Pisídia. (Ver At 13:14). Antioquia da Síria foi fundada em cerca
de 300 a.C. e cresceu a ponto de contar com numerosa população nos
tempos de Paulo, incluindo muitos judeus, os quais, desde tempos remotos haviam
obtido o direito de cidadania. Durante o período das guerras dos Macabeus,
muitas famílias judaicas se estabeleceram em Antioquia. Na época de Paulo, era
a terceira maior cidade do império romano, perdendo em importância numérica apenas
para Roma e Alexandria. Os romanos fizeram-na capital da província romana da
Síria.
Paulo começou
e terminou ali a sua segunda viagem missionária.
Não sabemos
exatamente quão grande era a cidade nos dias de Paulo, mas, à base da
informação dada por Crisóstomo, deve ter contado com uma população de
cerca de oitocentos mil habitantes, em 300d.C. A
atual Antikiyeh assinala o local da cidade antiga, mas é
comparativamente pequena, cobrindo apenas pequena parte da área original. As
escavações arqueológicas têm descoberto numerosas ruínas do passado, algumas
das quais anteriores à era cristã. O circo, um dos maiores dos tempos romanos,
a acrópole, numerosos banhos, vilas e cemitérios romanos, têm sido
descobertos. Belos pisos de mosaico, que datam do período apostólico até o
século VI D.C., também têm sido descobertos. O Caronion (busto
de Caron, deus grego mitológico, que transportava as almas para o outro
lado do rio Estige), de cerca de 170 A.C, com cinco metros e pouco de
altura, entalhado em uma penedia de pedra calcária, a nordeste da cidade,
continua visível, embora bastante estragada pelas intempéries. Nos dias de
Paulo certamente ainda era um marco notável. Mais de uma vintena de edifícios
cristãos tem sido ali descoberta, embora nenhuma dessas construções date dos
dias apostólicos. O famoso Cálice de Antioquia foi descoberto
ali por alguns trabalhadores que cavavam um poço, em 1910. No início foi
declarado pertencente à última parte do século I D.C, e alguns chegaram a
imaginar que fosse o cálice original em que Cristo serviu a Ceia. Há nele
gravadas efígies que representam Cristo e os apóstolos. A maioria das
autoridades concorda que se trata de um produto da primitiva arte cristã,
datando entre os séculos II e VI de nossa era.
Antioquia sobre
o Orontes era sede do legado imperial da província
romana da Síria e Cilícia, e aparecia como a capital do oriente. Josefo, o
historiador judeu do tempo dos apóstolos, diz-nos que era a terceira maior
cidade do império romano, perdendo em importância somente para Roma e
Alexandria. A grande maioria da população era síria, embora houvesse numerosa
colônia judaica. Sua cultura era tipicamente greco-helenista. Seu porto
era Selêucia (At l3:4), a qual era reputada cidade comercial e
centro marítimo. Não muito distante dali ficava Dafné, quartel-general do
culto de Apolo e Artêmisa, culto esse que se tornou famoso por sua
degradação. Isso era tanto verdade que Juvenal, ao queixar-se da degradação
moral que invadia Roma, disse que «...o Orontes sírio desaguou
no Tibre» (Sátiras III. 62). O centro da igreja cristã passou de Jerusalém, seu
berço original, para Antioquia da Síria, seu centro gentílico, pois a igreja
cristã, cada vez mais, se foi tornando uma instituição gentílica. A tradição
associa o apóstolo Pedro a essa cidade, considerando-o primeiro de seus bispos.
Nomes ilustres posteriores, associados a essa cidade, foram Inácio e João Crisóstomo,ambos
chamados bispos de Antioquia. Crisóstomo foi grande escritor de
comentários bíblicos e exerceu notável influência sobre o desenvolvimento
doutrinário da igreja cristã.
A cidade de
Antioquia foi fundada por Seleuco Nicator, um dos
generais de Alexandre, em 300 A.C, que lhe deu nome em honra a seu
pai, Antíoco.
Antíoco havia devastado e poluído a cidade de
Jerusalém, mas os seus sucessores, de conformidade com o que diz Josefo
(«Guerras dos Judeus» 1.7, cap. 3, seção 3), foram mais liberais, tendo criado
uma boa atmosfera para o desenvolvimento do judaísmo naquele lugar; e isso
teria atraído a muitos judeus, até que, finalmente, Antioquia se tornou grande
centro da erudição judaica, bem como cidade onde havia numerosa colônia
judaica. (Ver Talmude Hieros. Kiddishin, foi. 64.4). Com base nessa
circunstância, o caminho ficou preparado para a entrada e o crescimento do cristianismo
em Antioquia.
«...não
anunciando a ninguém a palavra, senão somente aos judeus...» «...tão pouco compreendida foi a
comissão de Cristo, para que se pregasse o evangelho a todas as nações, embora
ela fosse tão clara; ou então assim foi ordenado pela providência divina, que
embora devesse primeiramente ser pregado o evangelho a eles, isso perdurasse
por pouco tempo apenas...» (John Gill, in loc). Tal tipo
de atividade era apenas de esperar-se da parte de quem abandonara Jerusalém,
porquanto o incidente de Cesaréia, que envolveu o apóstolo Pedro e a família de
Cornélio, que assinalou o início da missão cristã entre os gentios, ainda não
se tornara suficientemente conhecido ao redor.
11:20 Havia,
porém, entre eles alguns cíprios e cirenenses, os quais, entrando
em Antioquia, falaram também aos gregos, anunciando o Senhor Jesus.
«...Cirene...» Trata-se de um porto no norte da
África, fundado pelos dórios, rico em várias mercadorias, como trigo, lã e
tâmaras. Tornou-se parte integrante do império ptolemaico no século III A.C.
Em cerca de 96 A.C. foi doado a Roma, tendo-se tornado província
romana em 74 A.C. Josefo, tomando por empréstimo uma informação
de Estrabão, diz-nos que a colônia judaica era ali encorajada e que a
população judaica foi crescendo até constituir um dos quatro principais grupos
étnicos da cidade. (Ver Antiq. xiv. 7.2). Simão, que levou a
cruz do Senhor Jesus, era nativo desse lugar, segundo lemos em
Mc 15:21 e seus paralelos, nos demais evangelhos. Houvesse
representantes dessa cidade na multidão no dia de Pentecoste (ver
At 2:10), e, evidentemente, em Jerusalém, antigos habitantes
deCirene tinham a sua própria sinagoga (ver At 6:9).
«...falavam
também aos gregos...»
Talvez não tenham sabido acerca da obra de Paulo na Síria e na Cilícia e
nem acerca das atividades de Pedro em Cesaréia, mas sentiam o mesmo impulso
evangelístico, que os proibia falar exclusivamente aos judeus. O entendimento
que possuíam sobre o caráter universal da mensagem de Cristo, sobre o fato de
que não havia mais distinções entre judeus e gentios, e sobre a verdade de que
as leis cerimoniais haviam sido abolidas na igreja cristã, talvez ainda fosse
muito fraco; mas o amor de Cristo os compelia a não limitarem a sua mensagem.
Pode-se observar o trecho de At 13:1, onde Lúcio de Cirene é
mencionado juntamente com Barnabé, que era de Chipre, como um dos líderes da
igreja cristã de Antioquia. Lúcio, pois, mui provavelmente, foi um dos homens
que assim pregou, conforme está registrado aqui. Barnabé, conhecendo pessoalmente
o lugar, foi posteriormente comissionado para investigar os acontecimentos dali
e confirmar os resultados. (Ver os vss. 22 e ss.).
11:21 E
a mão do Senhor era com eles, e grande número creu e se converteu ao Senhor.
Pregavam ao
Senhor Jesus, ou talvez «Jesus como Senhor» (ver o vs. 20), conforme a frase
pode ser interpretada; pois o evangelho, que pregavam, na realidade anuncia a
todos os homens o senhorio de Cristo, sendo ele o alvo de toda a existência, o
ponto central em torno do qual gira o plano do evangelho (ver Ef 1:10), e
a imagem em que os remidos estão sendo transformados, sempre crescendo na
obediência a ele, ou seja, participando de sua natureza moral, que os
transforma em seres que compartilham de sua própria essência.
Por causa dessa
mensagem, «...a mão do Senhor estava com eles...», o que
quer dizer que o poder e a presença de Deus se manifestavam entre eles. Ora,
isso é «teísmo», em contraste com o «deísmo». O teísmo ensina que
Deus não somente criou todas as coisas, mas igualmente se faz presente em sua
criação, recompensando e punindo aos homens, tendo ou não comunhão com
eles. O deísmo, por sua vez, ensina que apesar de talvez existir uma força
superior, esse poder, que pode ser pessoal ou não, abandonou de vez a sua
criação, e nada acontece, de positivo ou de negativo, por motivo da
ação de sua vontade. Esse «deus» deísta nem pune e nem galardoa aos homens.
A
expressão «...mão do Senhor...» é uma expressão hebraica comum
para dar a ideia da assistência de Deus aos homens, fortalecendo-os em sua
vida. (Ver Êx 9:3 e Is 59:1). Podem-se ver outros usos dessa expressão nos
trechos de Lc 1:66; At 4:28,30 e 13:11. Deve-se observar que a
palavra «...Senhor...» torna-se aqui, uma alusão ao Senhor, pois ele é
quem é o «Senhor» dos crentes, para quem todos eles se voltam. Voltar-se para
Deus ou para o Senhor, pois, significa expressar arrependimento e propósito de
vida, centralizados na mensagem do evangelho, o que, naturalmente, conduz os
homens a Deus. Essa expressão também é empregada em outros trechos bíblicos.
(Ver At 14:15; 15:3,19; 26:18,20 e I Ts 1:9).
«Sem essa
influência acompanhadora, nem mesmo um apóstolo poderia fazer grande bem;
e poderiam homens inferiores esperar serem capazes de convencer e de
converter os pecadores, sem a mesma?» (Adam Clarke, in loc.),
«A 'mão',
conforme se sabe bem, significa poder e força. Portanto, o que Lucas
queria dizer é que Deus testificava com a sua ajuda presente, sobre o fato de
que os gentios estavam sendo chamados juntamente com os judeus, através de sua
orientação, para que se tornassem participantes da graça de Cristo».
(Calvino, in loc).
«Através de
manifestações visíveis que não podiam ser postas em dúvida, o Senhor mostrou
que era com sua aprovação que deveriam prosseguir nessa predica...aos gentios».
(Alford, in loc).
11:22 Chegou
a noticia destas coisas aos ouvidos da igreja em Jerusalém; e enviaram Barnabé
a Antioquia;
A igreja-mãe, em
Jerusalém, atuava como uma espécie de diretora do movimento cristão inteiro,
até esse ponto da narrativa, embora assim não tenha continuado a ser, após a
destruição de Jerusalém, em 70 D.C., quando parece que Antioquia da Síria e
Éfeso se tornaram os novos centros eclesiásticos principais, apesar de não
terem jamais exercido aquela autoridade moral que evidentemente residira em
Jerusalém. Lembremo-nos que os apóstolos habitavam em Jerusalém, tendo
sido comissionados a coordenar a expansão do ministério cristão. Os apóstolos,
pois, sentiam-se responsáveis por todo o avanço e o desenvolvimento da igreja,
e ansiavam para que isso fosse feito conforme era mister, de maneira aprovada
pelo Senhor.
O problema legalista havia
causado consternação na igreja-mãe; e essa quiçá tenha sido uma das razões
pelas quais os apóstolos viram ser necessário enviar Barnabé a
Antioquia, a fim de que inspecionasse o trabalho que ali vinha sendo feito.
Essa inspeção e o relatório subsequente seriam então considerados pelos
oficiais da igreja de Jerusalém, e o selo resultante de aprovação da obra então
a «oficializaria». Lembremo-nos que Pedro esteve em Samaria (oitavo capítulo do
livro de Atos) a fim de realizar missão semelhante. Parece que todas as
variegadas expressões da igreja cristã estavam sujeitas a uma aprovação
apostólica direta ou indireta. Essa foi anatureza da missão de Barnabé,
que lhe foi dada pelos apóstolos. Barnabé não figurava entre os doze apóstolos,
mas, quanto à atividade e ao poder, parece ter excedido a maioria deles; e, a
despeito da falta de designação oficial de um deles, parece ter funcionado na
igreja primitiva como apóstolo. Foi a ele, pois, que se confiou essa missão. E
foi uma escolha apropriada, de qualquer maneira, posto ter sido um judeu
helenista, que compreendia o tipo de ministério levado a efeito fora de
Jerusalém e em territórios gentílicos, melhor do que um apóstolo típico. O
poder da influência de Barnabé, e a importância da obra em Antioquia, embora
apresentados de forma um tanto casual aqui, eram evidentes pelo fato de que,
através de sua liderança e labores em Antioquia é que resultará a transferência
do centro da igreja de Jerusalém para Antioquia.
Barnabé parece ter exercido considerável
influência sobre Paulo, e desde o princípio tiveram várias associações, tendo
viajado juntos em jornadas missionárias. Paulo não demorou, entretanto, a ultrapassar
a Barnabé em poder e autoridade, pois ele era, verdadeiramente, o apóstolo dos
gentios. No entanto, Barnabé participou da formação de Paulo, pois é com
frequência que um personagem de menor envergadura se mostra importantíssimo na
formação de um homem verdadeiramente grande. Barnabé, tal como Pedro e a
maioria dos oficiais da igreja de Jerusalém, tinha seus preconceitos
judaicos pois era um «levita» (At 4:36), estando,
presumivelmente, intimamente associado à corrente principal do pensamento judaico;
mas foi capaz, a exemplo de Paulo e Pedro, de desligar-se desses preconceitos,
tendo-se feito poderoso ministro do evangelho entre os gentios. Contudo, à
semelhança de Pedro, em ocasião posterior, fez algumas concessões
desnecessárias às pressões dos judaizantes, e, temporariamente pelo menos,
negou o seu conhecimento recém-adquirido sobre como Deus não faz acepção de
pessoas. Por causa desse retrocesso, tanto Barnabé como Pedro
foram severamente criticados por Paulo. (Ver Gl 2:13).
A igreja-mãe de Jerusalém
agia como coordenadora e inspetora da obra inteira do cristianismo. Alguns
intérpretes têm considerado a questão da necessidade de inspeção por
parte dos apóstolos, direta ou indireta, sobre a obra entre os gentios,
pensando que isso teria sido um tema «artificial» de Lucas, isto é, contradito
por tudo quanto se sabe acerca da autoridade apostólica, acerca de como se
expandiu a igreja, antes da destruição de Jerusalém. O poder da igreja-mãe,
entretanto, era perfeitamente real, embora a autoridade dos apóstolos em nada
se assemelhasse à autoridade dos «bispos», como se vê hoje em dia. Pois os
apóstolos agiam muito mais como uma força orientadora, aconselhadora. O trecho
de Gl 2:11-13 e os decretos apostólicos, do décimo quinto capítulo do livro
de Atos, deixam claro que a igreja de Jerusalém realmente reivindicava possuir
autoridade sobre as igrejas de outras regiões, incluindo a Síria e a Cilícia.
«Realmente não
há nenhuma dificuldade em supormos que Barnabé, que já era figura proeminente
da igreja de Jerusalém, tenha sido enviado para investigar as atividades de
seus compatriotas cipriotas». (G.H.C. Macgregor, in loc).
A seleção de
Barnabé, para levar a efeito essa obra, mostra-nos bem claramente que a igreja
de Jerusalém não queria usar de severidade, mas antes, de gentileza e de
cautela, para com os labores cristãos entre os gentios.
11:23 o
qual, quando chegou e viu a graça de Deus, se alegrou, e exortava a todos a
perseverarem no Senhor com firmeza de coração;
«A astuciosa
voluntariedade de Satanás é bem conhecida. Por isso, assim que ele percebe
alguma porta aberta para o evangelho, esforça-se, por todos os meios, por
corromper ali o que é sincero... Barnabé foi enviado a fim de fazer os
crentes avançarem nos princípios da fé, para colocar em ordem certas coisas,
para dar alguma forma ao edifício que fora iniciado, a fim de que houvesse um
estado ordeiro na igreja».
«...Barnabé nada
queria se não a glória de Cristo. Pois, ao dizer que viu a graça de Deus e que
os exortou a avançarem, depreendemos que haviam sido bem ensinados 'aqueles
crentes'. O regozijo foi um testemunho de sincera piedade. A ambição sempre se
mostrará invejosa e maliciosa; e é por isso que muitos buscam ser louvados ao
reprovarem a outros, posto que almejam mais a própria glória do que a
glória de Cristo. Porém, os servos fiéis de Cristo devem regozijar-se (a
exemplo de Barnabé) ao virem o progresso do evangelho, sem importar
através de quem Deus queira que o seu nome se torne conhecido». (Calvino, in loc).
Importância do ensino
cristão. Uma das
importantes lições que nos dá este versículo é que, inerente ao tipo de
ministério que Barnabé efetuou ali, havia a preocupação de instruir. Não se
contentou ele em deixá-los onde os encontrara. A aura
do reavivamento sempre diminui, e então chega a importante obra do
ensino e do arraigamento, ou seja, da instrução sobre «todas as coisas»
que o Senhor Jesus ensinara, para serem praticadas. É deveras estranho que
alguns ministros do evangelho pensem ser tão importante e urgente a pregação do
evangelho simples, mas, infelizmente, sem jamais mencionarem a questão da
transformação do crente segundo a imagem do Senhor, quando isso é o coração
mesmo do evangelho, sendo uma verdade de alcance muito maior do que já pudemos
imaginar, por mais que refletíssemos, ignorando, dessa maneira, o
ministério do ensino.
A salvação não
consiste meramente em alguém vir a crer e fazer publicamente uma declaração de
fé. Mas consiste em tudo quanto acontece a essa pessoa, até que ela chegue ao
nível da perfeição que há em Cristo Jesus.
Barnabé,
entretanto, ensinou que aqueles convertidos precisavam apegar-se à mensagem
com «...firmeza de coração...» «O pregador vira a graça de
Deus, e se regozijara com ela; mas sabia, conforme o sabem todos os verdadeiros
mestres, que é possível à vontade de um indivíduo frustrar essa graça, pelo que
a cooperação do crente, manifesta em uma resolução deliberada e firme, é
necessária para que a boa obra seja levada a bom termo».
(E.H. Plumptre, in loc).
11:24 porque
era homem de bem, e cheio do Espirito Santo e de fé. E muita gente se uniu ao
Senhor.
Deve-se
observar, nesta altura do comentário, que as propriedades especiais de bondade,
possuídas por Barnabé, bem como o seu excelente caráter cristão, são atribuídos
ao ministério do Espírito Santo, tal como fora a eloquência de Estêvão. (Ver
At 6:10). Neste ponto aprendemos o que já sabíamos, isto é, que em
qualquer coisa em que um homem se pareça com Cristo, é porque o seu «alterego»,
o Espírito Santo, está operando em seu íntimo, produzindo os diversos aspectos
do fruto do Espírito Santo, de acordo com a lista de suas virtudes, em
Gl 5:22,23. Essas são as virtudes positivas da natureza moral de Cristo, a
qual todos os crentes finalmente possuirão em sua perfeição, porque a perfeição
moral, que as Escrituras nos ordenam possuirmos (ver Mt 5:48), não
consiste em mera ausência do pecado. Pelo contrário, é uma participação ativa e
positiva em todas as facetas da natureza de Cristo - o seu amor, a sua
compaixão, a sua bondade, a sua longanimidade, a sua graça, a sua alegria,
a sua paz, etc. Somente o Espírito de Deus pode assim transformar um
homem, de modo a vir ele a participar, plena e verdadeiramente, dessas
virtudes. O desígnio de Deus é que, eventualmente, todos os crentes venham a
participar da completa imagem de Cristo, quando as suas virtudes tornar-se-ão
verdadeiramente completas em cada crente. O processo será eterno.
«Ele é santo
porque o Espírito de Santidade habita nele: não conta apenas com algumas
visitas ou retiradas transitórias do Espírito; mas este reside em sua alma e
enche o seu coração. O Espírito Santo é a luz do
entendimento; é a 'discriminação' do juízo. É o propósito fixo e
a 'determinação' da 'vontade' reta. É a 'pureza', seu amor, alegria, paz, gentileza,
bondade, mansidão, controle próprio e fidelidade em suas afeições e paixões. Em
suma, era o controle soberano sobre o seu coração; governa todas as paixões e é
o motivo e o princípio de toda a ação justa. Ele é cheio de fé. Implicitamente
dava crédito a seu Senhor: sabia que ele não pode mentir que a sua palavra não
falha jamais; esperava não somente o cumprimento de todas as promessas, mas
também todo grau de ajuda, de luz, de vida e deconsolo, que Deus, em qualquer
ocasião, julgasse ser necessário para a sua igreja. Orava pela bênção divina e
confiava que não estava orando em vão. Sua fé jamais fracassou, porque se
apegava no Deus que não pode mudar. Contemplai ainda, pregadores do
evangelho!um ministro original de Cristo. Emulai a sua piedade, a sua
fé e a sua utilidade». (Adam Clarke, in loc).
A menção do
importante papel desempenhado por Barnabé, na igreja cristã primitiva, é feita
por Clemente, em sua obra RedactorAntijudaicus, pág. 109, onde
se percebe como a sua reputação perdurou além de sua vida terrena, tendo sido
famoso mesmo em séculos posteriores, inteiramente à parte dos registros do N.T.
Barnabé
era «...homem bom...», no sentido de possuir «coração amplo»,
«mente liberal», «generosidade», e não meramente como quem obedecia a certo conjunto
de regras. Ele se avantajava acima do estreito sectarismo judaico, de sua
santidade meramente legalista. Não era apenas «justo», conforme eram
considerados os estritos observadores da lei mosaica, mas era «bom» na
manifestação pessoal e fervorosa das graças espirituais. «Sua benevolência
impedia-o, eficazmente, de censurar qualquer coisa que fosse nova ou estranha
entre aqueles pregadores aos gentios. levando-o a regozijar-se no sucesso
deles». (Gloag, in loc).
«...muita
gente...» Uma grande multidão
foi acrescentada à igreja cristã, evidentemente para indicar esse aumento, além
da menção do vigésimo primeiro versículo, como resultado direto da presença e
do ministério de Barnabé. Esse tipo de ministério florescente e harmonizador,
despido de inveja, gradualmente foi fazendo de Antioquia o grande centro do
cristianismo. A glória da igreja cristã de Jerusalém foi diminuindo, pois a sua
estrela já se apagava. Mas a estrela da graça de Deus subia sobre Antioquia, e
ali o Espírito de Deus tomou residência. Que tantas pessoas tenham sido
adicionadas à igreja, não é para admirar, posto contarem com
ministros como aqueles, ouvindo elas o evangelho de Cristo, pregado e recebido
pelo poder do Espírito Santo.
11:25 Partiu,
pois, Barnabé para Tarso, em busca de Saulo;
Paulo chega a
Antioquia; vss. 25 e 26:
Desde a sua conversão Paulo estivera atarefado nas regiões da Síria e Cilícia,
e não se há de duvidar que se mostrara ativo especialmente ao redor de sua
cidade natal de Tarso, pregando o evangelho e estabelecendo igrejas. Por
conseguinte, foi ele o verdadeiro pioneiro da igreja cristã entre os gentios, e
o seu ministério marcou o início real da missão cristã entre os povos
gentílicos, embora, «oficialmente» falando, segundo está registrado por Lucas
em seu livro de Atos, essa distinção tenha sido conferida a Pedro, em sua
atividade em Cesaréia, junto à família de Cornélio.
Desde sua
conversão, até sua chegada em Antioquia, cerca de catorze anos se tinham
passado na vida de Paulo, pois diz ele que fora«...para as regiões da Síria
e da Cilícia» (Gl 1:21). E então, apos catorze anos, ele visitou
novamente Jerusalém. A maior parte desse tempo ele passou, mui provavelmente,
em Tarso, para o qual lugar, segundo diz Lucas, ele foi imediatamente, depois
de sua primeira visita a Jerusalém. (Ver At 9:30). Em
Atos 15:41 encontramos a menção à igreja na Síria e na Cilícia, que
já estava estabelecida quando Paulo e Silas ali chegaram, embora não nos seja
dito como tal igreja fora iniciada. Por conseguinte, parece que a narrativa do
livro de Atos deixa em branco um período de catorze anos no ministério do
apóstolo Paulo. Esse hiato se reveste de alguma importância, posto
que foi então que realmente se estabeleceu a missão de evangelização
cristã entre os gentios.
Essa omissão, da
parte de Lucas, tem deixado os intérpretes perplexos, embora a maioria
usualmente resolva que é melhor seguirmos a informação que nos é dada pelas
epístolas paulinas, e não os informes do livro de Atos, havendo algumas
diferenças nesses relatos. Alguns estudiosos têm conjeturado que os «catorze»
anos de Gl 2:1 deveriam ser «quatro» anos, e que algum erro primitivo foi feito
aqui, ou pelo próprio Paulo ou por algum escriba primitivo.
Contudo, nenhum manuscrito contem o número quatro, pelo
que também esse tipo de interpretação se alicerça inteiramente em conjeturas.
Seja como for, apesar da suposição de que seriam «quatro anos» para fazer á
Omissão de Lucas tornar-se cronologicamente menor, materialmente falando, isso
não faz diferença alguma, porquanto Lucas continuaria não nos fornecendo
qualquer informe sobre o ministério de Paulo durante esse tempo
—ou quatro ou catorze anos. E assim, permanece de pé a principal
dificuldade.
A fim de ser
preenchido esse período de catorze anos, alguns estudiosos sugerem que a—a
longa lista—sofrimentos, pelos quais Paulopassou, segundo o registro de II
Co 11:23-27, deve ser encaixada dentro desse período, pelo menos
parcialmente. Mas isso, infelizmente, tem de permanecer dentro das
interpretações especulativas. Não sabemos dizer por que Lucas omitiu esse
período do ministério de Paulo; mas o mais provável é que ele simplesmente não
tenha contado com qualquer informe histórico a respeito. Por qual motivo ele
não conversara com Paulo, acerca desse período, ao formular suas anotações,
também não sabemos dizê-lo, posto que, como companheiro de viagens daquele
apóstolo, teria tido fácil acesso a esse material informativo. Alguns talvez
encarem isso como prova que Lucas não foi o autor dessa narrativa histórica, e
isso deve ser considerado como um problema sério. Entretanto, os pontos em
favor da autoria de Lucas em muito contrabalançam essa objeção.
A omissão
acerca desse importante período da vida de Paulo, na história do livro de Atos,
pode ter uma implicação positiva, ou seja, que Lucas não fabricou suas
narrativas, meramente pelo uso de certas epístolas paulinas; antes, se utilizou
de outras fontes informativas, ainda que estas fossem incompletas, em certos
casos. Por exemplo, a simples leitura do primeiro capítulo da epístola aos
Gálatas poderia ter levado Lucas a inventar muitas histórias sobre o ministério
«siro-ciliciano» de Paulo. Ao invés disso, no livro de Atos, o primeiro
ministério significativo de Paulo é a sua primeira viagem «missionária», e
At 13:1-14:28. A verdade é que Lucas, valendo-se dos informes de que
dispunha, relatou histórias verídicas, e, embora não completas, pelo menos têm
o mérito de cativar a nossa confiança.
Weiss, seguindo
essa linha de raciocínio, apresenta a seguinte observação: «...um fenômeno
da mais elevada importância, em conexão com a origem das narrativas do livro de
Atos. Se porventura fossem fictícias, talvez baseadas na epístola de
Gálatas, certamente encontraríamos algumas histórias sobre esse período». (Ver History of Primitive Christianity, Macmillan and Co.,
Nova Iorque, I, pág.205).
Embora não
possuamos a mais leve informação sobre como Paulo se manteve ocupado durante
esse período, pelo menos sabemos que o seu trabalho foi significativo, e que,
ao lançar-se em sua primeira viagem «missionária», já era um missionário
veterano. «Não podemos insistir demasiadamente sobre o fato de que o real
desenvolvimento de Paulo, tanto como cristão quanto como teólogo, já estava
completo nesse período que é tão obscuro para nos, e que, em suas
epístolas estamos tratando com um homem plenamente amadurecido». (Ibid., I,
pág. 206).
Os dois
estiveram juntos em Antioquia pelo espaço de um ano (ver o
próximo versículo). Sobre esse tempo o próprio Paulo nada diz,
provavelmente porque no primeiro e no segundo capítulos de sua epístola aos
Gálatas ele se tenha preocupado mais em narrar os seus contatos com os demais
apóstolos, o que dizia respeito à sua afirmação que ele não obteve sua doutrina
em consulta com eles, mas antes, independentemente, tendo-a recebido
diretamente do Senhor Jesus; por isso mesmo, qualquer menção do fato de
que estivera trabalhando com Barnabé seria incidental para o seu propósito. Com
base em Gl 2:11-13 ficamos sabendo que quatro anos mais tarde Paulo e
Barnabé estavam novamente trabalhando juntos em Antioquia, cidade à qual
retornaram depois de terem completado a primeira viagem missionária (ver At
14:26). Por quanto tempo Paulo e Barnabé labutaram em Antioquia, antes de se
lançarem em sua primeira jornada missionária, não sabemos precisar; mas a
circunstância de que ambos esses ministros estiveram ali por algum tempo,
produziu o fenômeno de grande desenvolvimento daquela igreja cristã do mundo
gentílico, em que Antioquia foi elevada à posição de nova capital da igreja de Cristo.
«A primeira
coisa que Barnabé fez, quando chegou a Antioquia, foi lembrar-se de
Paulo. Sabia que precisava de ajuda, se tivesse de aproveitar ao máximo as
oportunidades que a cidade de Antioquia oferecia à igreja cristã». (Theodore
P. Ferris, in loc).
«Barnabé mui
provavelmente sabia que Saulo era vaso escolhido por Deus (ver At 9:15)
para o trabalho entre os gentios. Naturalmente que sabia do trabalho efetuado
por Saulo entre os helenistas de Jerusalém (ver At 9:29), bem como já
recebera notícias de sua obra na Cilícia e na Síria. E, assim sendo, foi a
Tarso ao perceber que precisava de ajuda. 'Não tinha ele coisa alguma
daquela baixeza que não pode tolerar a presença de um possível
rival' (Furneaux). Barnabé reconhecia suas próprias limitações e sabia
onde se encontrava o homem do destino, para aquela crise, o homem que já
recebera o selo aprovador de Deus. O momento e o homem certo se encontraram,
quando Barnabé trouxe Saulo para Antioquia. A porta estava aberta, e o homem
estava preparado, muito mais do que quando o Senhor Jesus o chamara na estrada
de Damasco. Os anos passados na Cilícia e na Síria não haviam sido em vão, pois
ele não estivera indolente... Deus sempre tem um homem preparado para qualquer
grande emergência em seu reino. O convite feito por Barnabé foi simplesmente a
repetição do chamamento de Cristo. Por isso Saulo atendeu ao mesmo».
(Robertson, in loc).
11:26 e,
tendo-o achado, o levou para Antioquia. E durante um ano inteiro reuniram-se
naquela igreja e instruíram muita gente; e em Antioquia os discípulos pela
primeira vez foram chamados cristãos.
CRISTÃOS:
grego, «christianós», seguidores de Cristo.
A cunhagem desse
vocábulo—cristão—segue a ordem de termos como «herodianos»
(ver Mt 22:16; no grego, «herodianoi», isto é, seguidores
de Herodes) ou «cesarianos» (seguidores de
César). Deissman, em sua obra Light from the Ancient East, pág.
377, dá exemplos do genitivo kaisaros, que também significa
«pertencente a César», tal como o adjetivo comum «cesariano».
A palavra «...chamados...» (no
grego, «chrematisai») denota «obter o nome». O termo «cristão»
(no grego, «christianous») se compõe da palavra grega que significa «Messias»
ou «Cristo» (ungido), mais a terminação latina usual que significa «partidário
de». Por conseguinte, em Antioquia, alguém inventou uma nova palavra, que agora
é usada entre nós há quase vinte séculos. Não é muito provável que os judeus
tenham cunhado o termo, pois jamais teriam elevado a nova seita
aplicando-lhe qualquer forma ou derivado da palavra hebraica «messiah»
(ungido). Também é perfeitamente evidente que os próprios discípulos de Cristo
não inventaram essa designação. O mais provável é que tenha sido criação dos
gentios de Antioquia, familiarizados como estavam tanto com o latim como com o
grego, sabendo que os discípulos de Jesus chamavam-no pelo título de «Cristo».
Usaram tal palavra, pois, e latinizaram-na um tanto, a fim de dar-lhe o sentido
de «partidários de», «seguidores de», «aderentes de» Cristo. Os judeus
costumavam chamar os cristãos pelo apelido de «nazarenos», o que, para eles,
era termo depreciativo, porquanto Nazaré era uma aldeia de ínfima
significação. Nada de bom se esperava que procedesse dali (ver Jo 1:46),
quanto menos a maior de todas as figuras humanas, o próprio Messias... Assim,
pois, os judeus usavam esse apelido por derrisão, sarcasticamente. Os
próprios crentes se chamavam de aprendizes (discípulos) ou
«seguidores» de Cristo.
Existem três
empregos diferentes dessa palavra, nas páginas do N.T. a fim de
indicar os seguidores de Cristo. O primeiro emprego é o que aqui encontramos,
utilizado pelos gentios hostis, a fim de designarem os seguidores da nova
religião. Em At 26:28 encontramos o segundo emprego, evidentemente
como termo depreciativo, usado por Agripa. E a passagem de
I Pe 4:16 emprega essa palavra, referindo-se à comunidade cristã. Mui
provavelmente, quando essa epístola petrina foi escrita, os crentes já usavam
livremente a designação cristãos para indicarem a si
mesmos, embora a perseguição de que Pedro fala, contra os cristãos,
provavelmente subentende que Roma perseguia os «cristãos» como indivíduos
desprezíveis, usando a palavra em sentido pejorativo. Pedro, pois, escreveu que
se alguém viesse a sofrer como «...cristão...», não deveria encarar com
alarme tal perseguição, pois isso era, na realidade, sinal de que estava
sendo elevadamente favorecido pelo Senhor. Pois, por essa altura
primitiva de sua história, era motivo de ufania para os crentes o fato de serem
chamados «cristãos».
Portanto, foi em
Antioquia que esse honroso título de «cristão» passou a ser usado para designar
os crentes em Jesus. O famoso Inácio foi bispo de Antioquia, e mais tarde
sofreu martírio em Roma. E em Antioquia João Crisóstomo pregava seus
poderosíssimos sermões, tendo escrito os seus notáveis comentários naquela
cidade. Antioquia, pois, se tornou famosa dentro da tradição cristã, tendo
servido de capital do movimento cristão quando se apagou a estrela de
Jerusalém.
Como curiosidade
histórica, é possível que
muitos pagãos tenham chamado os crentes de «crestãos», e não de «cristãos», não
estando bem familiarizados com o conceito hebreu de «Cristo» ou «Messias», mas
antes, confundindo essa palavra com termo similar, «chrestus»,que é
nome próprio até hoje bastante comum na Grécia e significa «bom». Alguns pagãos
provavelmente pensavam que os discípulos eram os «bons» («chrestianos») e
não «cristãos» ou «seguidores de Cristo». Esse parece ter sido o ponto de vista
de Suetônio (historiador romano), quando disse que os judeus haviam
feito perturbações em Roma, sob a «instigação de Cresto» (ver Cláudio, 25). Ver
também Tertuliano, Apologia, cap. 3, que exibe esse uso do
termo).
«Cristão, por
conseguinte, é a mais elevada designação que um ser humano qualquer pode ter à
face da terra; e recebê-la da parte de Deus, como prece que sucedeu, torna-a um
título gloriosíssimo!» (Adam Clarke, in loc).
Nos escritos dos
pais da igreja cristã há diversos usos primitivos desse vocábulo, o que mostra
como tal título veio a tornar-se, desde quase o princípio, uma designação
honrosa, ainda que originalmente tivesse sido palavra cunhada pelos pagãos de
Antioquia. (Ver Inácio, Epístolas, Rm 3:3; Mgn. iv;
Ef 11:2; Mart. Plvc. x e xii: 1,2). Nos escritos de
Gregório (Naz. Orat. iv (sobre Jul. 1 86, par. 114), ficamos
sabendo que os judeus costumavam fazer objeção a esse nome como designação para
indicar os seguidores de Jesus, e preferiam chamá-los «galileus».
«...Cristo
deixou surgir esse nome... como um pendão, mediante o que se viesse a
conhecer, por todo o mundo, que havia um povo cujo capitão era Cristo, o
qual glorificava ao seu nome». (Calvino, in loc).
11:27 Naqueles
dias desceram profetas de Jerusalém para Antioquia;
11:27 - Vss.
27-30 - A visita a Jerusalém, ao tempo da fome.
Esta breve seção
tem produzido toda sorte de problemas históricos e de interpretação. Parece-nos
que se por essa altura a igreja cristã de Antioquia enviava bens materiais a
Jerusalém, a fim de ajudar a aliviar a situação de pobreza a de fome que
ali imperava, que já se dera a mudança de poder, de Jerusalém para
Antioquia, ou, pelo menos, que estava ocorrendo então essa transferência do
poder central de Jerusalém para aquela cidade. Alguns eruditos, entretanto, têm
duvidado da autenticidade de toda essa seção, com base nos seguintes
argumentos:
1. Nenhuma
profecia, segundo lemos aqui, teria sido feita, tudo não passando
de uma reiteração da narrativa de At 21:10,11, onde
encontramos o mesmo profeta, Ágabo, em operação. Essa narrativa, pois, no
presente texto, teria sido criação do autor sagrado, que simplesmente duplicou
eventos com relação a Ágabo. Observe-se que naquela seção há certa
similaridade de conteúdo, o que tem dado origem a esta sugestão.
2. Alguns
estudiosos duvidam da autenticidade histórica desta seção, visto que
evidentemente ela não é aludida na epístola aos Gálatas, e nem em qualquer das
demais epístolas paulinas, como parte das atividades de Paulo. A visita
descrita por esse apóstolo, no trecho de Gl 1:18-24, corresponde ao que se
lê em At 9:26-29, ao passo que o informe de Gl 2:1-10 corresponde ao que está
registrado em At 15:2-29, visita essa que, ordinariamente, e chamada de «visita
ao concilio».
3. A visita
aqui historiada —At 11:27-30 —aparentemente teria ocorrido entre as
duas outras visitas ali mencionadas; mas quanto a isso não contamos com
qualquer registro nas epístolas paulinas. Os intérpretes que assim dizem pensam
que é fatal, para esta seção que ora comentamos, a observação de que a epístola
aos Gálatas certamente teria algum registro sobre essa visita, se realmente ela
houvesse ocorrido, posto que o apóstolo Paulo ansiava por registrar
todas as suas atividades relacionadas a Jerusalém, porquanto queria demonstrar
que recebera o evangelho independentemente dos outros apóstolos, e, sim, diretamente
da parte do Senhor Jesus, o que o qualificava a ser um apóstolo, tal como
aqueles outros, devido ao fato de que o Senhor tratara diretamente com ele,
aparecendo-lhe pessoalmente, do mesmo modo que fizera com os demais apóstolos.
Ora, dizem ainda os mesmos intérpretes, que se tivesse havido alguma outra
visita a Jerusalém, que não foi mencionada, poder-se-ia imaginar que, nessa
oportunidade, Paulo poderia ter-se consultado com os apóstolos, e que o seu
evangelho era uma mensagem emprestada de outros.
comentario biblico Normam R.Champlin novo testamento
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