O FRUTO DO
ESPÍRITO DOMÍNIO PRÓPRIO
(TEMPERANÇA) (Gálatas
5.16-25 )
1. INTRODUÇÃO
Não podemos esquecer, como tenho
repetido aqui, que a vida cristã é aquela vivida no Espírito Santo. Na verdade,
a vida cristã só é possível no Espírito. Fora dEle, nossa vida é como a de
qualquer pessoa.
Entre as virtudes cristãs, elencadas
pelo apóstolo Paulo, está a do domínio próprio. Quando relaciona as qualidades
de um cristão, Paulo inclui o domínio próprio (Tito 1:8), junto com
hospitalidade, benignidade, sobriedade, justiça e piedade. O apóstolo Pedro
segue na mesma trilha, colocando como uma das virtudes a ser buscada pelo
cristão, ao lado do conhecimento, da perseverança e da piedade. (2Pedro 1.6)
Esta é uma palavra bastante
problemática para nossa geração, acostumada à idéia de que a felicidade decorre
do desprezo à idéia de disciplina e auto-controle. Colocando esta escolha em
outros termos, podemos dizer que, para boa parte das pessoas, se a escolha for
entre felicidade e auto-controle, talvez ouçamos alguém se dizer cansado de
auto-controle e que agora pretende viver a vida com toda a sua adrenalina.
Prevalece a idéia que autocontrole e alegria são incompatíveis
No entanto, a Bíblia nos adverte a
não permitir que o pecado tenha domínio sobre nós (Romanos 6.14), já que não
estamos mais debaixo da lei, que nos leva a produzir, mas sob a graça, que nos
deve levar a frutificar, além do domínio próprio, em alegria, amor,
benignidade, bondade, fidelidade, longanimidade, mansidão e paz.
2. O SENTIDO DO DOMÍNIO PRÓPRIO.
O apóstolo dava muita importância ao
termo ((egkrateia), uma vez que o usa várias vezes. Em 1 Coríntios 9.25,
trata-se da virtude de um atleta em disciplinar seu corpo em busca da vitória;
em 1 Coríntios 7.9, trata-se da capacidade do cristão em controlar sua
sexualidade.
É curioso que, quando comparece
perante o procurador romano Antonio Felix, que governou a Judéia de 52 a 60, o
acusado apóstolo se defende falando de justiça, de juízo final e de domínio
próprio, para irritação do representante de Nero. (Atos 24:25)
A expressão "domínio
próprio" aparece sob diferentes palavras nas versões bíblicas, tendo então
como sinônimos principais auto-controle e temperança. Não tem nada a ver,
portanto, com endereço particular na internet...
Podemos entender melhor o que é
domínio próprio pensando no seu oposto. Quem tem domínio próprio se autodomina.
Quem não tem é dominado por algo ou por alguém. Quem tem domínio não permite
que sentimentos e desejos o controlem; antes, controla-os, não se permitindo
dominar por atitudes, costumes e paixões.
Domínio próprio, portanto, é a
capacidade de efetiva que o cristão deve ter de controlar seu corpo e sua
mente. Quando fez o homem, Deus deu-lhe o privilégio de dominar sobre todas as
coisas: também disse Deus: Façamos o homem à nossa imagem, conforme a nossa
semelhança; tenha ele domínio sobre os peixes do mar, sobre as aves dos céus,
sobre os animais domésticos, sobre toda a terra e sobre todos os répteis que
rastejam pela terra. (Gênesis 1.26)
O salmista relembra esta competência
humana, ao dizer que Deus deu ao homem domínio sobre todas as obras das suas
mãos e dos seus pés (Salmo 8.6)
Esta competência, no entanto, nem
sempre se realiza quando se trata de homem dominar a si mesmo. Embora possa
estar em nós desejar fazer o bem, nem sempre o fazemos. Afinal, como aprendemos
também com Paulo, na nossa carne, não habita bem nenhum, pois o querer o bem
está em cada um de nós; não, porém, o efetuá-lo, porque não faço o bem que
prefiro, mas o mal que não quero, esse faço. (Romanos 7.18-19) Por isso,
parecemos, por vezes, em cidades derrubadas, pois que cidade que não tem muros,
assim é o homem que não tem domínio próprio. (Provérbios 25:28)
Esta percepção não pode é um convite
à passividade, mas um desafio a nos conhecermos mais e a nos esforçarmos mais
para viver segundo o padrão de Deus, por difícil que seja.
3. DESENVOLVENDO O AUTOCONTROLE
Antes, somos convidados a ter domínio
sobre nossos sentimentos, sobre nossos desejos e sobre as circunstâncias que
nos envolvem.
1. Dominando nossos sentimentos
Somos movidos pelos nossos
sentimentos. Se, por exemplo, amamos, a Deus, ao próximo ou a nós mesmos, somos
levados a querer bem, adorando a Deus, respeitando o outro e gostando de nós
mesmos. Se, doutro lado, em nós o ódio é forte, seja a Deus pela figura do pai
que representa, seja ao próximo, por ser a fonte de nosso sofrimento (o inferno
são os outros, já dizia Sartre), seja a nós mesmos, pela incapacidade ser o que
gostaríamos de ser, somos levados ao vale do vazio.
Ter domínio próprio é fazer com que os
sentimentos bons sejam fortalecidos e canalizados para que possam ser
aperfeiçoados. Assim, o amor deve alcançar o seu objeto. Desde Platão, existe
uma modalidade de amor silencioso. Há homens que amam mulheres que jamais
retribuirão o seu amor pelo simples fato de não saberem que sem amadas. Há,
pois, um amor erótico platônico. Há também um amor fraternal platônico, que é
aquele que nunca passa ao campo da ação. Há ainda um amor espiritual platônico.
Há gente que só Deus, que sonda os corações, sabe que é amado por ela, porque
dos lábios desse tipo de adorador não sai um cântico, não sai uma palavra de
gratidão ou de exaltação a Deus.
Quando temos domínio sobre o
sentimento do amor, fazemos com que ele se torne operativo.
Quando ao ódio, bem, simplesmente não
devemos odiar e poderíamos encerrar a discussão aqui. No entanto, somos também
capazes de odiar; este é um gigante da alma, como o descreveu um antigo
psicólogo (Emílio Mira y Lopez). Se o Espírito Santo habita em nosso coração,
ele não pode conviver com o ódio. Contudo, sabemos que, embora não o desejando,
nós odiamos.
Por isto, a recomendação bíblica é
que, mesmo nos irando, não devemos pecar e nem permitir que o sol se ponha
sobre a nossa raiva. Antes, consultemos nosso travesseiro e sosseguemos (Salmo
4.4). Em outras palavras, o ódio não pode ser um sentimento permanente em nós,
para que não nos destrua.
O ódio é, portanto, um sentimento a
ser controlado ou ele nos dominará e nos levará a fazer o que não queremos.
A ambição é um sentimento que também
deve ser controlado. Não devemos ser acomodados; antes, devemos querer o máximo
para nós. A ambição destrói quando não vê métodos e se baseia na comparação com
o que os outros são ou alcançaram. Controle a sua ambição e ela não controlará
você.
A vaidade é um sentimento que também
deve ser controlado. Não devemos nos achar que nada valemos e que os outros são
melhores ou fazem as coisas melhores que nós. Nem sempre... A vaidade mata
quando nos leva a nos achar onipotentes e oniscientes, acima da média humana.
Controle a sua vaidade e ela não controlará.
2. Dominando nossos desejos
Se os nossos sentimentos nos definem,
nossos desejos nos constituem. Nós somos aquilo que desejamos. Como ensinou
Jesus, onde estiver o nosso tesouro, isto é, os nossos desejos, aí estará
também o nosso coração. (Mateus 6:21)
Desejamos coisas legítimas e coisas
ilegítimas. Nem todos os nossos desejos são pecaminosos. Sejam quais forem, no
entanto, se eles nos controlarem, passam a ser pecaminosos. Comer chocolate não
é pecado. Se no entanto, não posso comê-lo e não consigo não comê-lo, comê-lo é
pecado. Ver televisão não é pecado. Se, no entanto, eu deixo de fazer o que
preciso fazer (seja ler, trabalhar, conversar) para ficar diante dela, ela me
controlou.
Desejamos coisas realmente
necessárias e coisas suavemente impostas. Já não sabemos a diferença em coisas
básicas e coisas supérfluas. De qualquer modo, no entanto, podemos dizer que
grande parte de nossas necessidades simplesmente não existe. É parte da máquina
do mundo, que nos torna primeiramente consumidores e depois cidadãos (se é que
chamos a sê-los).
A maior desgraça do desejo é quando
ele se converte em vício. Nada mais blasfemo do que um cristão viciado. Há
cristãos viciados em falar da vida alheia; até reunião de oração se transforma
em espaço privilegiado para a fofoca. São cristãos que não refreiam as suas
línguas. Há cristãos viciados em guardar dinheiro; eles guardam sempre e de
modo tão doentio que nunca usufruem dele. São cristãos que não refreiam sua
cobiça. Há cristãos viciados em mentir; dizem a Deus que O estão adorando, mas
estão apenas buscando uma bençãozinha; dizem que têm apreço por seu irmão,
sendo até capazes de abençoa-los da boca para fora, mas não têm a menor
disposição de ajudá-lo a carregar as suas cargas. São cristãos escravos da
aparência.
Ter domínio próprio é controlar os
próprios vícios, não os vícios dos outros, que este já é um outro vício...
3. Dominando-nos diante das circunstâncias
Além dos sentimentos e desejos, que
nós podemos controlar, em grau maior ou menor, há as circunstâncias, aquelas
situações que não criamos, mas que nos atingem.
Quando nos enredam, elas provocam
desânimo. Diante delas, podemos perder o auto-controle, partindo para reações
inadequadas, seja de desespero, seja com violência. Nossa reação mostra que, na
verdade, estamos sendo controlados por elas.
Podemos ser menores que as
circunstâncias, mas Deus é maior do que elas. Embora seja difícil, é assim que
devemos crer. Autocontrole é manter a esperança no Senhor da vida.
Precisamos também aprender a lidar
com as circunstâncias. Devemos fazer tudo o que estiver ao nosso alcance, mesmo
sacrificialmente, para mudar aquelas que nós podemos transformar. Diante
daquelas que não podemos alterar, temos que aprender a conviver com elas, mesmo
sob pretexto, para que não nos dominem. Adaptar-se não é aceitar
conformisticamente as adversidades, mas saber que elas existem, mudá-las logo,
mudá-las quando for possível e viver apesar delas.
Devemos ter sempre em mente o
conselho do pregador: Não há nenhum homem que tenha domínio sobre o vento para
o reter; nem tampouco tem ele poder sobre o dia da morte; nem há tréguas nesta
peleja; nem tampouco a perversidade livrará aquele que a ela se entrega.
(Eclesiastes 8:8)
4. PARA TER AUTOCONTROLE
Há certas ocasiões que, antes de
perceber o que está fazendo, você perde o controle, e passa ser vítima do seu
descontrole, velada ou violentamente. Os resultados são prostituição, impureza,
lascívia, que nos sobrevêm quando perdemos o controle sobre a paixão e nos
deixamos levar por ela; idolatria e feitiçarias, quando desesperamos diante das
circunstâncias e buscamos bênçãos de todo tipo; inimizades, porfias, ciúmes,
iras, discórdias, dissensões, facções e invejas, que nos dominam quando damos
lugar aos desejos de superação do outro; bebedices e glutonarias, quando nos
deixamos escravizar pelo desejo do nosso ventre. (Gálatas 5.19-20)
O fruto do Espírito, no entanto, é o
auto-controle.
1. Conheça-se e use o conhecimento a seu respeito a seu próprio favor.
Tendemos a não perceber como somos, mas devemos nos esforçar para tal. Se você,
no trânsito, é um pé de chumbo, vigie seu comportamento, para que controle o
seu ímpeto de sair em disparada. A velocidade não é mais importante que você.
Se você se ira com facilidade, evite as situações que a provocam a sua raiva.
Desenvolva métodos para que a irritação fique em níveis aceitáveis. Use o que
você sabe a seu próprio respeito para se dominar melhor.
2. Aprenda a tomar atitudes diferentes das que toma hoje. Faça com que seus
sentimentos e desejos não redundem sempre nos mesmos atos. Você nasceu assim,
mas não precisa morrer assim. Abra-se para o diferente. Faça o que nunca fez
antes.
3. Valorize a disciplina. Quando Jesus disse que, se o nosso olho nos levar
ao escândalo, devemos arrancá-lo, ele estava lembrando que precisamos subjugar
o nosso corpo, quando este nos subjuga. Ponha objetivos na vida e se empenhe
para alcançá-los. O autocontrole é o resultado da disciplina e do esforço
próprio.
4. Deixe-se conduzir pelo Espírito de Deus. O domínio próprio é um esforço
de quem vive pelo Espírito. Os homens em geral não pensam em disciplina, mas os
cristãos nos esforçamos para viver de modo organizado, coordenado e harmônico.
Neste ministério, o Espírito Santo quer nos apoiar, para nos conduzir. Deixe-se
dirigir pelo Espírito. O domínio próprio só é possível por meio de Sua ação em
nós.
5. CONCLUSÃO
O domínio próprio a que estamos nos
referindo aqui não se trata de um auto-controle que nos faz doentes, aquele
falso, aquele apenas de aparência, mas aquele resultante de desejo profundo.
Por isto, evite começar a fazer
aquilo que o controla. Se você perde o controle da sua língua, quando o assunto
é a vida alheia ou quando a conversa descamba para assuntos pouco edificantes,
não entre na conversa. Recuse participar desde o princípio.
Se já começou, deixando-se dominar
por sentimentos, desejos e atitudes, procure parar. O Espírito Santo o ajudará,
se houver arrependimento no seu coração.
Afinal, a vida cristã é aquela vivida
no Espírito Santo. Na verdade, a vida cristã só é possível no Espírito. Fora
dEle, nossa vida é como a de qualquer pessoa.
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