A igreja em Antioquia 11:19-30
Enquanto estes
desenvolvimentos aconteciam na área da missão da igreja judaica, os cristãos
judaicos helenísticos que tinham sido forçados a deixar Jerusalém na ocasião da
morte de Estêvão, se espalharam até ao norte, chegando à grande metrópole
da Antioquia. Espalhavam o evangelho por onde iam, mas foi somente em
Antioquia que começaram a falar a não-judeus e a ganhar muitos convertidos. A
igreja começou a crescer rapidamente. As notícias levaram a igreja em
Jerusalém a enviar um representante para ver o que estava acontecendo. Barnabé,
o visitante assim nomeado, não tinha dúvida alguma acerca do valor da obra que
estava sendo realizada, e tomou parte ativa nela, indo para Tarso buscar Paulo,
a fim deste também participar. A evangelização da igreja fez um impacto tão
grande que o povo do local cognominou seus membros de "gente
de Cristo". Os membros da igreja tinham consciência dos seus vínculos com
Jerusalém, e quando ouviram uma profecia acerca de uma fome que estava para
vir, enviaram uma dádiva em dinheiro para ajudar a igreja.
Não pode haver
dúvida alguma de que a formação da igreja em Antioquia foi um evento de grande
importância na expansão da igreja e da sua missão aos gentios. Pode-se supor
com confiança que não se exigia da parte dos convertidos gentios que fossem
circuncidados ou que guardassem a lei, e provavelmente formavam um grupo de
tamanho considerável dentro da igreja, embora não exista evidência sólida de
que formassem a maioria. A questão da lei judaica surgiu apenas quando
visitantes de Jerusalém procuraram aplicá-la obrigatoriamente
(Gl 2:11-14).
19. A
introdução de Lucas à seção leva o leitor de volta para 8:24, que
descreveu como a morte de Estêvão deu vazão a uma onda de
oposição à igreja e à dispersão de muitos cristãos. Com toda a probabilidade,
eram judeus que tinham conexão com a Dispersão, e eranatural para eles
mudarem-se para áreas fora da Judéia, inclusive os três lugares mencionados.
A Fenicia (o moderno Líbano), era a área que se estendia
ao longo do litoral numa faixa estreita desde o Monte Carmelo por uma distância
de aproximadamente 242 km, sendo que suas cidades principais
eram Ptolemaida, Tiro, Sarepta e Sidom, e, mais tarde,
ficamos sabendo de grupos cristãos em três destes lugares (21:3, 7; 27:3); sem
dúvida formados nesta ocasião. Chipre, já mencionada como
domicílio de Barnabé (4:36), já possuía um elemento judaico na sua população
pelo menos desde o século II a.C. (1 Mac. 15:23); foi o primeiro lugar a ser
evangelizado por Barnabé e Paulo quando, mais tarde, saíram juntos como
missionários (13:4-12). Entende-se, assim, que havia cristãos em Chipre antes
da chegada de Barnabé e Paulo, fato este que não está em tensão com o relato de
Lucas em 13:4-12, ainda que não o mencione ali (apesar de Conzelmann, pág.
67). Antioquia, a capital da província romana da Síria,
crescera rapidamente para tornar-se a terceira maior cidade do Império (depois
de Roma e Alexandria), com uma população estimada em 500.000. Foi fundada
por Seleuco I e recebeu o nome de Antioquia em homenagem ao seu
pai Antíoco (a mesma homenagem foi ligada aos nomes de cerca de
16 cidades, cf. 13:14). Havia ali uma grande população judaica.
20-21. Os
judeus exilados para seu novo lar pregavam, de início, apenas para seus
concidadãos judeus. A mudança decisiva foi instigada por alguns judeus de Chipre e
de drene que pregavam as boas novas de Jesus também aos gregos em
Antioquia (Lucas decerto se
refere aos gentios, mas o texto está incerto. Ao invés de "gregos", a
maioria dos MSS (inclusive o Códice do Vaticano) tem "helenistas", a
palavra que se emprega em 6:1 e 9:29 para designar os judeus de
língua grega. Os argumentos textuais em prol da segunda leitura são muito
fortes; caso seja adotada, refere-se, sem dúvida, à população mista da
Antioquia, de língua grega (Metzger, págs. 386-389).).
Não pode haver
dúvida de que se iniciou um período bem-sucedido de evangelização entre os
gentios, e de que a observância da lei judaica não era requerida dos
convertidos. O que não sabemos é como a igreja foi levada a dar este passo.
Fora necessária a intervenção divina para persuadir Pedro a empreender atuação
semelhante, mas aqui, parece que ocorreu quase casualmente sem surgirem
questões de princípios, nem no começo, nem mais tarde. É provável que se possa
explicar bem simplesmente o assunto, ao notar que a probabilidade de haver
gentios associados com as sinagogas era muito maior na Dispersão, de tal modo
que igreja entraria na questão do lugar deles no evangelismo muito mais
frequentemente e diretamente do que na Judéia propriamente dita. Se alguns dos
próprios evangelistas tinham sido prosélitos, este passo ficaria tanto mais
natural. Devemos supor que o novo grupo cristão rapidamente perdeu contato com
as sinagogas, de modo que não era compelido a observar a lei judaica, como
acontecia no ambiente predominantemente judaico de Jerusalém. Não sabemos se
a conversão de Cornélio ocorrera antes e já ficara conhecida em Antioquia, de
modo que pudesse ter servido de precedente.
22-24. Nada
há de surpreendente no fato de que a notícia daquilo que
acontecia em Antioquia tivesse chegado à igreja que estava em
Jerusalém, visto que, sem dúvida, havia bastante intercâmbio entre as
duas cidades. Em ocasiões anteriores (8:14; cf. 9:32) os líderes da igreja em
Jerusalém tinham enviado representantes para acompanhar a obra missionária fora
da cidade, e esta ocasião específica claramente exigia que demonstrassem
interesse. Não é necessário supor que a atuação deles fosse motivada pela
suspeita, e muito menos, pela hostilidade. No máximo, talvez tenha sido
necessário aplacar um grupo de cristãos judaicos da extrema direita em Jerusalém,
que haveriam de causar dificuldades numa etapa posterior e que talvez
já estavam se opondo à admissão dos gentios à igreja sem a
circuncisão ser exigida da parte deles; nada sugere que este grupo predominava
na igreja, mas os líderes fizeram o que puderam para conciliá-los (ver Hanson,
pág. 130).
A simpatia
básica da igreja em Jerusalém com as notícias do que acontecia em Antioquia
pode ser deduzida da escolha de Barnabécomo delegado dela. Embora,
pertencesse a uma família da Dispersão, era encarado com total confiança em
Jerusalém, e agia como fiel da balança entre os elementos hebraicos e
helenísticos dentro da igreja. Seu caráter era bem adaptado para esta função,
pois era marcante a qualidade cristã da sua vida; é o único homem a quem Lucas
descreve como sendo bom em Atos, e, quanto aos dons
espirituais, estava em pé de igualdade com Estêvão. Não podia deixar de ver a
mão de Deus no crescimento da igreja em Antioquia, e regozijava-se diante desta
evidência da graça divina. Longe de exortar os novos convertidos a se curvarem
diante de exigências legalísticas, instruiu-os a ficarem firmes na sua fé; aqui
vemos porque Barnabé merecia o cognome de "filho de exortação"
(4:36). Que Barnabé tinha a visão espiritual para reconhecer que o plano de
Deus estava sendo cumprido em Antioquia foi de importância decisiva para o
crescimento da igreja.
25-26. Barnabé
reconheceu as ricas potencialidades da situação para mais avanços, e percebeu a
necessidade de ajuda adicional na evangelização e no ensino. Foi procurar,
portanto, seu antigo amigo Paulo, que estava trabalhando em Tarso, e
persuadiu-o a participar da obra em Antioquia. Será que Paulo sentia que já se
cumprira tudo quanto necessitava fazer em Tarso? Realmente não sabemos, e não
ficamos sabendo de contatos posteriores que tenha tido com aquela cidade, mas
decerto Paulo já passara ali um período considerável de tempo, e, nas suas
campanhas missionárias posteriores, sua praxe era ficar suficiente tempo em
qualquer determinado lugar para estabelecer a igreja, e depois avançar para
outra localidade. A obra que Barnabé e Paulo realizaram em Antioquia é
descrita como ensinar a igreja, mas esta palavra pode
referir-se tanto à evangelização quanto à edificação espiritual dos convertidos
existentes.
Um dos
resultados importantes de todas estas atividades é que, pela primeira vez, os
discípulos vieram a ser conhecidos como cristãos. Lucas
especialmente menciona este fato porque "cristão" 'viera a ser um
termo familiar em certas áreas na ocasião em que escreveu. Já nos inícios do
século II, o nome é atestado em Roma, na Ásia Menor, e em Antioquia. A
terminação da palavra (Christianos) indica que é uma palavra
latina, tal qual "herodiano", e que se refere aos seguidores de Jesus
Cristo. "Cristo", portanto, seria entendido
como nome próprio, embora seu emprego original fosse como título, "o
Messias", para Jesus. O verbo foram chamados subentende
com toda a probabilidade que "cristão" era um cognome dado pelo
populacho de Antioquia e, assim, é bem provável que este entendesse que
"Cristo" fosse um nome próprio, ainda que, nestas alturas os próprios
cristãos ainda o empregassem como título; não passou muito tempo, no entanto,
para o título tornar-se, mais e mais, um nome para Jesus. É provável que o nome
contivesse um elemento deridicularização (cf. At 26:28; 1 Pe 4:16, os
únicos outros empregos do nome no Novo Testamento). Os cristãos preferiam empregar
para si outros nomes, tais como "discípulos", "santos" e
"irmãos".
27-28. Um dos
aspectos importantes da igreja primitiva foi a atividade dos profetas, pregadores
carismáticos que às vezes estavam ligados a uma igreja local ou ocupados num
ministério itinerante (13:1). Suas funções eram várias, e
incluíam a exortação bem como a previsão do futuro; é bem possível que tenham
dado exposições do Antigo Testamento, empregando sua compreensão espiritual
para mostrar como suas profecias estavam sendo cumpridas nos eventos em conexão
com a ascensão da igreja. A atividade deles tinha conexão com o novo sentido
de inspiração associado com o dom do Espírito à igreja. Nada há de surpreendente
na chegada de tais homens, provenientes de Jerusalém, em Antioquia
(embora Haenchen, pág. 376, fique muito perplexo com eles). Nada mais
ficamos sabendo, no entanto, acerca do propósito ou dos resultados da visita
deles senão que um deles, de nome Ágabo (que reaparece
em21:10), previu uma fome que se estenderia por todo o
mundo, i.é, o Império Romano. Fomes faziam parte daquilo que os
cristãos esperavam para os tempos do fim (Lc 21:11), e esta profecia
talvez tenha sido uma advertência de que o fim deveria estar próximo, embora
nada se fala neste sentido no texto. É certo que não houve qualquer fome que
abrangesse o Império inteiro durante o reinado de Cláudio (nem em qualquer
outro tempo); havia, no entanto, "fomes frequentes", conforme o
historiador Suetônio, e este era um cumprimento adequado da profecia. Certamente
houve uma fome na Judéia em c. de 46 d.C, e Josefo conta como Helena
da Adiabenemandou trigo para aliviar a fome dos pobres em Jerusalém. J.
Jeremias notou que os judeus seguiam a lei do sétimo ano sem plantio durante
este período, e argumentou que, se a quebra da produção coincidiu com os
efeitos de um ano sem plantio, a fome seria tanto maior; sugeriu, portanto, que
a fome fosse associada com o ano sabático que foi celebrado em
47-48 d.C. A profecia, naturalmente, pode ter sido pronunciada uns
poucos anos antes.
29-30. A
profecia encorajou os cristãos em Antioquia a enviar uma coleta em dinheiro
para capacitar seus irmãos na Judéia a comprarem estoques de gêneros
alimentícios para enfrentar a crise vindoura. Trata-se de um ato de
fraternidade cristã, da qual os membros da igreja participaram de acordo com as
suas possibilidades. O dinheiro era enviado aos presbíteros da igreja. Esta é a
primeira vez que presbíteros se mencionam na igreja de
Jerusalém, e causou certa surpresa o fato deles, e não os apóstolos, estarem
encarregados do socorro aos pobres. Na realidade, porém, os apóstolos já
tinham delegado a outros este dever (6:1-6), e é possível que os
"Sete" que foram nomeados para cuidarem desta tarefa agora vieram a
ser conhecidos como "presbíteros" por analogia com o nome dado a
certos líderes nas sinagogas judaicas. Funcionavam lado a lado com os
apóstolos (15:4, 6, 22-23; 16:4; 21:18). A coleta foi trazida por Barnabé
e Paulo. A objeção tem sido levantada que é improvável que tivessem estado em
Jerusalém durante a perseguição da igreja descrita na seção que imediatamente
se segue: como poderiam ter passado sem serem molestados? Não se nos informa,
porém, que estavam em Jerusalém exatamente naquela altura, a cronologia está em
aberto. Mais importante é o relacionamento entre a
presente narrativa e aquela em Gálatas caps. 1-2 onde Paulo faz um resumo
das suas primeiras conexões com a igreja em Jerusalém. À parte da sua visita a
Jerusalém após sua saída pouco cerimoniosa de Damasco, menciona uma
outra visita para lá, na qual foi acompanhado por Barnabé e Tito, e
durante a qual debateu o problema de pregar o evangelho aos gentios; pediram a
ele que "se lembrasse dos pobres", e diz que foi exatamente isto
mesmo que estava ansioso para fazer (Gl 2:1-10). Esta visita deve ser
considerada a mesma de Atos cap. 11? Podem ser levantadas as seguintes
objeções: (1) Atos cap. 15 relata a história de uma visita subsequente a
Jerusalém na qual a questão dos gentios foi o objeto explícito da discussão.
Embora haja diferenças quanto aos pormenores entre Atos cap. 15 e Gálatas cap.
2, pode-se argumentar que pertencem ao mesmo incidente, e
que é improvável que o mesmo terreno foi repisado duas vezes.
Nada há de
improvável, no entanto, no fato de ser necessário discutir um assunto antes de
finalmente se chegar a um acordo final, conforme concordará qualquer pessoa
que já trabalhou numa comissão. (2) Gálatas cap. 2 trata da
controvérsia teológica, ao passo que Atos cap. 11 diz respeito a uma oferta em
dinheiro. Mas podemos compreender que Lucas conservou a parte da controvérsia
para o cap. 15. Além disto, Gálatas 2:10 pode significar que Paulo já
estava ansioso por ajudar os pobres e que, na realidade, já o estava fazendo.
Se for assim, não há qualquer conflito real entre as passagens. Consideramos,
portanto, que a probabilidade pende em favor de a visita aqui registrada ser a
mesma que se refere em Gl 2:1-10.
Bibliografia I.
H. Marshall
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