"Porque eu sei em quem tenho crido e estou
certo de que é poderoso para guardar o meu depósito até
àquele Dia" (2 Tm 1.12b).
Superstição religiosa é um conjunto de crendices
apoiadas na ignorância, no desconhecido e no medo. Nada tem a ver com a fé que
professamos.
É provável que você conheça algumas pessoas que
apregoam "certas verdades" baseadas em crenças infundadas ou que até
mesmo utilizem amuletos e usem expressões com o fim de afastarem maus
espíritos. Muitas destas pessoas agem assim por temerem aquilo que
desconhecem ou ignoram, ou seja, são supersticiosas.
Superstições são crenças alicerçadas sobre
sentimentos irracionais, que levam as pessoas, em razão de sua credulidade
excessiva, a temerem o desconhecido, sobrenatural. Quem é
supersticioso acredita em presságios, encantamentos, sinais, ritos
específicos e tantos outros elementos que repousam sobre a fé em coisas
irracionais. A Palavra de Deus reprova vigorosamente as superstições. Atos
dos Apóstolos registra um episódio em que Paulo e Barnabé, quando pelo poder de
Cristo curaram a um coxo em Listra, quase foram idolatrados como Júpiter e
Mercúrio pelos habitantes daquele país. Os servos de Deus protestaram com
veemência contra o ato supersticioso. No Antigo Testamento, eram proibidas as
adivinhações (Lv 19.31), a bruxaria, os augúrios a feitiçaria e magia
(2 Rs 21.6). Temos de ter muito cuidado para que essas práticas não
solapem nossa fé e assolem nossas igrejas; tais como amuletos, pé de coelho,
galho de arruda, ferradura de cavalo, dias especiais, crendices, simpatias e
magias.
A superstição está presente em todas as
religiões, novas e velhas. É nociva à fé cristã em razão de levar o indivíduo a
temer coisas inócuas e depositar a fé em coisas absurdas. Quem já não viu
alguém procurar se proteger com um galho de arruda, com ferradura de cavalo na porta
de casa, ou usar uma figa esperando obter sucesso? Os supersticiosos estão
inclinados a acreditar em tudo, menos na Palavra de Deus.
ETIMOLOGIA
1. O termo grego. O
substantivo grego empregado no Novo Testamento correspondente à palavra superstição
é deisidaimoniâ. Essa palavra aparece apenas em At 25.19. De
modo semelhante, o adjetivo procedente do original significa "piedosos,
supersticiosos ou religiosos" (At 17.22). O termo procede de duas palavras
gregas cujo sentido é "temor aos demônios, aos espíritos malignos ou as
divindades pagãs". Portanto, o vocábulo "superstição" designa
um sentimento religioso fundamentado na ignorância, no medo de coisas sobrenaturais
e na confiança em coisas ineficazes. Trata-se, por conseguinte, de uma crendice
popular baseada em crenças infundadas.
2. O termo em nossas versões. A
versão Almeida Atualizada e a Tradução Brasileira traduziram os vocábulos
originais por "religião" e "religioso", enquanto a Almeida
Corrigida, por "superstição" e "supersticioso". Agripa na
qualidade de judeu, embora desconhecendo a natureza da questão sobre a
ressurreição de Jesus, jamais chamaria essas coisas de mera superstição (At
25.19). O apóstolo Paulo, no areópago em Atenas, como disse alguém, empregou o
termo com "amável ambiguidade" (At 17.22).
3. O termo latino. Jerônimo,
na Vulgata Latina, traduziu os referidos termos por superstitio, (At
25.19) que significa "superstição, religião, culto, excessivo receio dos
deuses, adivinhação, arte de predizer o futuro" e superstitiosus, "supersticioso"
(At 17.22).
4. O termo no mundo romano. Havia
diferença entre religião e superstição no mundo romano. O cristianismo, mais
tarde, adotou essa distinção. Segundo Agostinho de Hipona, o homem
supersticioso distingue-se do religioso, citando Varrão (Marco Terêncio Varrão
[Marcus Terentius Varro], 116 a.C. – 27 a.C., filósofo e
enciclopedista romano), afirma que o supersticioso teme os deuses como
inimigos, e o religioso reverencia-os como pais. A ideia dessa palavra no mundo
romano é uma forma antiquada de culto, como deterioração ou algo ultrapassado,
rejeitado pela religião oficial. Podemos resumir superstição como a crendice do
medo (Jr 10.2).
CARACTERÍSTICAS ANIMISTAS
1. Animismo. Apesar da
superstição estar presente em todas as religiões, é no animismo que ela
praticamente se confunde. Animismo é a crença que atribui vida espiritual ou
alma a coisas inanimadas. Os animistas acreditam que plantas e animais possuem
alma, que a natureza está carregada de seres espirituais e que o espírito dos
mortos vagueia pelos lugares onde as pessoas viviam ou costumavam frequentar
(Is 34.14). É consequência da Queda no Éden (Rm 1.23, 25, 28).
2. Fetiches. Os
ídolos representam divindades ao passo que o fetichismo se caracteriza por atribuir
propriedades mágicas ou divinas a certos objetos. Em muitos casos, os
fetichistas dispensam, a tais objetos, reverência, adoração, gratidão e
oferendas, esperando receber graças ou vinganças dessas divindades ou
espíritos.
SUPERSTIÇÕES DO COTIDIANO
1. Amuletos e talismãs. É
a crença no afastamento dos maus espíritos apenas pelo uso de certos objetos
como galho de arruda, ferradura de cavalo na porta de casa, pé-de-coelho etc. Muitas
vezes, são usados como objetos de adornos. O profeta Isaías incluiu os amuletos
na lista de adornos femininos, traduzido por "arrecadas" na Versão
Almeida Corrigida (Is 3.20). A palavra hebraica, aqui, élahash, também
usada para encantamento (Ec 10.11; Jr 8.17). Talismã consiste em letras,
símbolos ou palavras sagradas, nomes de anjos ou demônios com o objetivo de
afastar o mal de quem os usa.
2. Rogos do espirro. "Saúde!",
"Deus te crie!", ou, expressão mais erudita como Dominus caetuml, "o
Senhor te crie!", hayiml, "vida!", em Israel;
são expressões que ouvimos no dia-a-dia quando alguém espirra. Por
que não acontece o mesmo quando alguém tosse? Os antigos acreditavam que o
espírito do homem residia na cabeça, e um bom espirro era o suficiente para
sua fuga e, ao fazer uma pequena prece, ele permanecia na pessoa que espirrou.
Hoje, isso já virou etiqueta social.
3. Sexta-feira 13. O
número 13 é tido por alguns como bom agouro e para outros como infortúnio. Há
até edifícios em que passam do 12° para o 14° andar temendo desgraças. A
sexta-feira 13 é considerada um dia de azar. Uns atribuem a superstição sobre o
número 13 aos vikings ou a outros normandos. Há também os que atribuem ao
cristianismo, já que sexta-feira foi o dia em que Jesus morreu e 13 é uma
referência a Judas Iscariotes que, segundo os supersticiosos, era o
décimo terceiro homem da reunião da Última Ceia. Mas, não há indício algum para
confirmar essa versão.
SUPERSTIÇÕES SUPOSTAMENTE BÍBLICAS
1. Segunda-feira azarada. Os
judeus não consideram a segunda-feira um bom dia para negócios, porque no relato
da criação, em Gênesis 1, não consta o registro "e viu Deus que era
bom", como aparece nos demais dias. Mas, no dia terceiro, aparece duas
vezes a expressão "e viu Deus que era bom" (Gn 1.10, 12), por isso é
o dia tradicional de cerimônia de casamentos e, também, o dia em que se celebram
grandes negócios em Israel. O costume baseia-se na interpretação incorreta de
uma passagem bíblica. A bênção divina para o sucesso, todavia, não depende do
dia em que o evento é realizado, e sim na confiança em Deus (Sl 37.3-5).
2. Mezuzá. Palavra
hebraica que significa "portal, umbral, ombreira" (Êx 12.7). Esse
termo é usado hoje para identificar o pequeno tubo metálico que os judeus usam
no umbral direito da porta, seguindo o prescrito na Lei de Moisés (Dt 6.4-9).
Isso não deve ser considerado superstição, pois tem fundamento bíblico, como
não é superstição um cristão colocar em seu lar quadros com versículos bíblicos
e outros motivos cristãos como identificação de sua fé. Mas os judeus
cabalísticos da Idade Média transformaram a mezuzá em
amuletos e talismãs, como objetos de proteção.
3. O perigo
da inversão de valores. Não confundir
o Cristo da cruz com a cruz de Cristo. Os hebreus consideravam a simples
presença da arca da aliança na guerra como garantia de vitória
(1 Sm 4.4-11). Ainda hoje, alguns crentes creem estar protegidos de
infortúnio e mau augúrio só porque mantêm a Bíblia aberta no salmo 91. Isso
significa transformar a fé viva no Deus todo-poderoso em mera superstição ou
amuleto. A proteção vem da confiança em Deus e na obediência à Sua Palavra
(Js 1.8; 1 Jo 5.4).
4. Fé cristã não é superstição. Os
filhos de Ceva, tendo em vista o misticismo de Éfeso, cuidaram fosse o
apóstolo Paulo um mágico com uma nova fórmula: o nome de Jesus (At 19.13). Mas
eles se equivocaram. Ainda hoje há os que transformam elementos cristãos em
superstições. Baseados em lendas de vampiros, muitos supõem que, exibindo uma
cruz, podem expulsar os espíritos maus. Jesus disse: "em meu nome
expulsarão demônios" (Mc 16.17). Ele conferiu essa autoridade aos seus
servos (Mt 10.8). Todos os que usarem o nome de Jesus como amuletos
poderão ter a mesma decepção dos filhos de Ceva (At 19.16).
As superstições, independentemente de sua origem,
são nocivas à fé cristã. Crer em coisas triviais, ou nas aparentemente
bíblicas, é rejeitar a fé em Deus ou acrescentar algo além dEle. Nós
cremos num Deus que pode guardar-nos de todos os males (2 Tm 1.12).
Não seria o uso de elementos como galhinho de
arruda, sal grosso e copo d'água na liturgia uma volta ao misticismo medieval,
tão condenado pelos reformadores? A teologia da maldição hereditária não seria
um vilipendio à doutrina da graça e uma superstição religiosa em sua
essência? Lamentavelmente, é nítida a existência de casos de superstição entre
evangélicos, mas isso é resultado da ausência de orientação bíblica. Nas
igrejas onde o povo recebe o ensino sistemático e sadio da Palavra de Deus
raramente existe isso.
Alguns casos de supersticiosidade entre evangélicos
são menores, outros são mais graves. Alguns exemplos do primeiro tipo são
deixar a Bíblia aberta no Salmo 91 para afastar desgraças; utilizar a
expressão Tá amarrado!' de forma séria, como uma espécie de precaução
espiritual; abrir a Bíblia aleatoriamente para 'tirar um versículo' que
funciona como a orientação de Deus para tomarmos uma decisão; trocar a leitura
sistemática e regular da Bíblia pela 'caixinha de promessas'; reputar que a
oração no monte tem mais eficácia do que a feita dentro do quarto ou na igreja;
dormir empacotado para que Deus, ao nos visitar à noite, não se entristeça; e
acreditar que objetos ou algum suvenir de Israel (pedrinhas, água do Rio
Jordão, folhas) têm algum poder especial.
O protestantismo foi um dos grandes catalisadores
do fim da superstição da Idade Média, que havia sido implementado por um
catolicismo cada vez mais decadente. É só reexaminarmos a história e veremos
que, antes da Reforma, o mundo medieval era cheio de fantasmas, duendes,
gnomos, demônios, anjos e santos. O povo era ignorante, extremamente
supersticioso e não tinha acesso à leitura. A própria Igreja Católica Romana
fomentava e explorava isso. Foram os evangélicos que combateram tudo
isso, inclusive apoiados pelos humanistas da época.
Um exemplo de caso grave de superstição é o caso da
teologia da maldição hereditária, que declara insuficiente a obra de Cristo na
vida da pessoa, pois afirma que, depois de salvo por Jesus, o cristão deve
desenterrar o seu passado e o de seus familiares para quebrar uma a uma todas
as possíveis maldições que acometeram seus antepassados e que ainda
repousariam sobre ele, se não a libertação não será completa. Além de não
ter base bíblica (2 Co 5.17), essa teologia defende um princípio
quase reencarnacionista, estabelecendo um carma na vida da pessoa a partir
de seus parentes. (...) Fujamos de toda a sorte de superstição. Que nossa fé
seja absolutamente bíblica.
Bibliografia Ezequias Soares,manual de
apologetica,2005,cpad,
Falsos mestres,
gálatas inconstantes e a origem do evangelho de Paulo Gl 1.6-10, 11-24
Em todas as outras epístolas, depois de saudar os
seus leitores, Paulo continua orando por eles ou louvando e agradecendo a Deus.
A Epístola aos Gálatas é a única em que não há oração, nem louvor, nem ação de
graças, nem elogios. Em vez disso, o apóstolo vai direto ao assunto, com uma
nota de extrema urgência. Paulo expressa admiração diante da inconstância e
instabilidade dos gálatas, e prossegue queixando-se dos falsos mestres que
estavam perturbando as igreja da Galácia. Daí, então, ele enuncia um
anátema solene e terrível contra aqueles que se atrevem a alterar o
evangelho.
1. A Infidelidade dos
Gálatas (v. 6)
Admira-me que estejais passando tão depressa
daquele que vos chamou na graça de Cristo. Note-se
que o verbo está na voz ativa e não na passiva, e que o tempo é o presente, não
o passado. Não é "que tenhais sido afastados tão depressa", mas
''que estejais passando tão depressa", ou, como diz a Bíblia na
Linguagem de Hoje: "Estou muito admirado de vocês estarem
abandonando tão depressa". A palavra grega (metatithêmi) é
interessante. Significa "transferir a fidelidade". É usada com
referência a soldados do exército que se rebelam ou desertam, e a pessoas que
mudam de partido na política ou na filosofia. Um certo Dionísio
de Heracléia, por exemplo, que abandonara os estóicos, tornando-se
membro de uma escola filosófica rivai, isto é, um epicurista, era chamado
de ho metathememos, um vira-casaca".
É disso que Paulo acusa os gálatas. Eles eram
vira-casacas religiosos, desertores espirituais. E estavam abandonando aquele
que os chamara para a graça de Cristo e abraçando um
outro evangelho. O verdadeiro evangelho é, na sua essência, o que Paulo
diz em Atos20:24: "o evangelho da graça de Deus". São as boas novas
de um Deus cheio de graça para com pecadores indignos. Na graça ele deu o seu
Filho para morrer por nós. Na graça ele nos justifica quando cremos. "Tudo
provém de Deus", como Paulo escreve em 2 Coríntios 5:18, significando
que "tudo é de graça". Nada é devido aos nossos esforços, aos nossos
méritos ou às nossas obras; tudo na salvação é devido à graça de Deus.
Mas os gálatas convertidos, que haviam recebido
este evangelho da graça, estavam agora se voltando para um
outro evangelho, um evangelho de obras. Os falsos mestres eram
evidentemente "judaizantes", cujo "evangelho" encontra-se
resumido em Atos 15:1: "Se não vos circuncidardes segundo o costume de
Moisés, não podeis ser salvos." Eles não negavam que era preciso crer em
Jesus para se obtera salvação, mas enfatizavam que também era necessário
circuncidar-se e guardar a lei. Em outras palavras, era preciso deixar que
Moisés completasse o que Cristo havia iniciado. Ou, melhor, nós mesmos
teríamos que completar, através de nossa obediência à lei, o que Cristo havia
começado. Era preciso acrescentar nossas obras à obra de Cristo. Era
preciso concluir a obra inacabada de Cristo.
Essa doutrina Paulo simplesmente não podia tolerar.
O quê?! Acrescentar méritos humanos ao mérito de Cristo e obras humanas à obra
de Cristo? Deus nos livre! A obra de Cristo é uma obra acabada; e o
evangelho de Cristo é o evangelho da graça livre. A salvação é só pela graça,
só pela fé, sem mistura alguma de obras ou méritos humanos. Ela é totalmente
devida à vocação graciosa de Deus, e não a qualquer boa obra de nossa parte.
Paulo vai ainda mais além. Ele diz que a deserção
dos gálatas convertidos estava relacionada com a experiência e também com a
teologia. Ele não os acusa de desertarem do evangelho da graça com vistas a um
outro evangelho, mas de desertarem daquele que os chamara
na graça. Em outras palavras, teologia e experiência, fé cristã e vida cristã,
andam juntas e não podem ser separadas. Afastar-se do evangelho da graça é
afastar-se do Deus da graça. Os gálatas que se cuidassem, pois
estavam se afastando muito depressa e precipitadamente. É impossível abandonar
o evangelho sem abandonar a Deus. Como Paulo diz mais adiante, em Gálatas 5:4:
"da graça decaístes".
2. A Atividade dos Falsos Mestres (v. 7)
O motivo por que os gálatas convertidos estavam se
afastando de Deus, que os chamara na graça, era claro: há alguns que
vos perturbam (versículo 7b). O verbo grego para
"perturbar" (tarassõ) significa "sacudir"
ou "agitar". As congregações gálatas haviam sido lançadas pelos
falsos mestres em um estado de confusão: confusão intelectual de um lado e
facções de lutas do outro. É muito interessante que o Concilio de
Jerusalém, provavelmente organizado logo após Paulo ter escrito esta epístola,
tenha usado o mesmo verbo em sua carta às igrejas: "Visto sabermos que
alguns de entre nós, sem nenhuma autorização, vos têm perturbado com
palavras, transtornando as vossas almas..." (Atos 15:24).
Esta perturbação era causada por falsa doutrina. Os
judaizantes estavam tentando "perverter" (ERAB), ou
"distorcer" o evangelho. Estavam propagando o que J. B. Phillips
chama de "uma falsificação do evangelho de Cristo". Na verdade, a
palavra grega(metastrepsai) é ainda mais enfática e poderia ser
traduzida por "inverter". Neste caso, eles não estavam apenas
corrompendo o evangelho, mas realmente "invertendo-o", virando-o de
costas e de cabeça para baixo. Não podemos modificar ou fazer acréscimos ao
evangelho sem que alteremos radicalmente o seu caráter.
Assim, as duas características principais dos
falsos mestres eram que eles estavam perturbando a igreja e alterando o
evangelho. Estas duas coisas andam juntas. Falsificar o evangelho resulta
sempre em perturbação para a igreja. Não se pode mexer no evangelho e deixar a
igreja intacta, pois esta é criada pelo evangelho e vive por ele. Na verdade,
os maiores perturbadores da igreja (agora e naquele tempo) não são os que se
lhe opõem de fora, que a ridicularizam e a perseguem, mas aqueles que
dentro dela tentam alterar o evangelho. São eles que perturbam a igreja.
Inversamente, a única maneira de ser um bom membro na igreja é sendo um bom
adepto do evangelho. A melhor forma de servir a igreja é crer no evangelho e
pregá-lo.
3. A Reação do Apóstolo Paulo (vs. 8-10)
A esta altura, a situação nas igrejas da Galácia é
evidente. Falsos mestres estavam distorcendo o evangelho, de modo que os
convertidos por Paulo o estavam abandonando. A primeira reação do apóstolo é de surpresa
total: Admira-me que estejais passando tão depressa daquele que vos
chamou na graça de Cristo (versículo 6). Muitos evangelistas de
gerações posteriores ficam igualmente admirados e assustados ao verem com que
rapidez e prontidão os convertidos relaxam sua firmeza para com o evangelho
que pareciam ter abraçado com tanta convicção. Como Paulo escreve em Gálatas
3:1, é como se alguém os fascinasse ou enfeitiçasse; e é isto que, de
fato, acontece. O diabo perturba a igreja tanto através do erro quanto do
pecado. Quando ele não consegue atrair os cristãos para o pecado, engana-os
com falsas doutrinas.
A segunda reação de Paulo é de indignação com os
falsos mestres, sobre os quais ele enuncia uma solene maldição: Mas,
ainda que nós, ou mesmo um anjo vindo do céu vos pregue evangelho que vá além
do que vos temos pregado, seja anátema. Assim como já dissemos, e agora repito,
se alguém vos prega evangelho que vá além daquele que recebestes, seja
anátema (vs. 8 e 9).
A palavra grega duas vezes traduzida por “anátema"
é anathema no original. No Antigo Testamento grego ela era
usada para indicar banimento divino, a maldição de Deus sobre qualquer coisa ou
pessoa que ele destinasse à destruição. A história de Acã é um bom
exemplo disso. Deus dissera que os despojos dos cananeus estavam sob sua
proscrição - estavam
destinados à destruição. Mas Acãroubou e guardou para si o que deveria ter
sido destruído.
Assim o apóstolo Paulo deseja que esses falsos
mestres sejam colocados sob banimento, maldição ou anathema de
Deus. Isto é, ele expressa o desejo de que o juízo de Deus recaia sobre eles.
Nisso está implícito que as igrejas da Galácia certamente não iriam dar
boas-vindas ou atenção a tais mestres, recusando-se a recebê-los ou ouvi-los,
por serem homens rejeitados por Deus (cf. 2 Jo 10,11).
O que temos a dizer acerca desse anathema? Devemos
esquecê-lo como se fosse apenas o resultado de uma explosão de ira? Devemos
rejeitá-lo como se fosse produto de um sentimento incoerente com o Espírito de
Cristo e indigno do evangelho de Cristo? Devemos explicá-lo como sendo palavra
de um homem que era fruto de sua época e não conhecia outra forma de expressão?
Muitas pessoas o fariam; mas pelo menos duas considerações indicam que
esse anathema apostólico não era uma expressão de aversão
pessoal a mestres rivais.
A primeira consideração é que a maldição do
apóstolo, ou a maldição de Deus que ele invoca, é de âmbito universal. Ela
repousa sobre todo e qualquer mestre que distorça a essência do evangelho e que
propague tal distorção. Isto está explícito no versículo 9: “Assim
como já dissemos, e agora repito, se alguém vos prega..."
Não há exceções. No versículo 8 ele a aplica
especificamente a anjos e a homens, e então acrescenta a sua
própria pessoa: “...ainda que nós...'". Tão
desinteressado é o zelo de Paulo pelo evangelho que ele até deseja que a maldição
de Deus caia sobre ele próprio, caso venha a
pervertê-lo. Assim, o fato de ele incluir-se a si mesmo livra-o da acusação de
despeito ou animosidade pessoal.
A segunda consideração é que a sua maldição é
deliberadamente enunciada e com uma responsabilidade consciente para com Deus.
Nota-se que ela é enunciada duas vezes (versículos 8 e 9). Como diz John
Brown, comentarista escocês do século XIX: ''O apóstolo a repete para mostrar
aos gálatas que não era uma declaração exagerada, excessiva, produto de um
sentimento apaixonado, mas que era uma opinião calmamente formada e
inalterável." Então Paulo prossegue no versículo 10: Porventura
procuro eu agora o favor dos homens, ou o de Deus? ou procuro agradar a homens?
Se agradasse ainda a homens, não seria servo de Cristo. Parece
que os seus difamadores o haviam acusado de oportunista e bajulador, que
adaptava a sua mensagem ao auditório. Mas será que esta condenação sem rodeios
dos falsos mestres é a linguagem de um bajulador? Pelo contrário, nenhum homem
pode servir a dois senhores. E, considerando que Paulo era em primeiro lugar e
principalmente um servo de Jesus Cristo, a sua ambição era agradar a Cristo, e
não aos homens. Portanto, é como "servo de Cristo", responsável diante
do seu divino Senhor, que ele pondera as palavras e se atreve a exprimir este
solene anathema.
Vimos, então, que Paulo enuncia o seu anathema imparcialmente
(quem quer que fossem os mestres) e deliberadamente (na presença de Cristo, seu
Senhor).
Mas talvez alguém pergunte: "Por que ele tem
uma reação tão forte e usa uma linguagem tão drástica?" Dois motivos são
bem claros. O primeiro é que a glória de Cristo estava em jogo. Tornar as obras
dos homens necessárias à salvação, ainda que como um suplemento à obra de
Cristo, é derrogante para a sua obra consumada. É o mesmo que dar a entender
que a obra de Cristo foi de certa forma insatisfatória, e que os homens
precisam acrescentar-lhe algo e aperfeiçoá-la. Na verdade, é o mesmo que
declarar a redundância da cruz: "se a justiça é mediante a lei, segue-se
que morreu Cristo em vão" (Gl 2:21).
O segundo motivo por que Paulo sentiu a questão de
maneira tão penetrante é que o bem-estar das almas das pessoas estava em jogo.
Ele não estava escrevendo acerca de alguma doutrina trivial, mas sobre algo que
é fundamental ao evangelho. Nem tampouco estava falando daqueles que
simplesmente têm falsos pontos de vista, mas daqueles que
os ensinam e que desencaminham outros com os seus
ensinamentos. Paulo se importava profundamente com a alma humana.
Em Romanos 9:3 ele declara que preferiria ser ele próprio amaldiçoado
(literalmente, ser anathema), se com isto outros pudessem ser
salvos. Ele sabia que o evangelho de Cristo é o poder de Deus para a salvação.
Corromper o evangelho portanto, era destruir o caminho da salvação,
condenando à ruína almas que poderiam ser salvas através dele. O próprio Jesus
não enunciou uma solene advertência à pessoa que leva outros a tropeçarem,
dizendo que "melhor lhe fora que se lhe pendurasse ao pescoço uma grande
pedra de moinho, e fosse lançado no mar" (Mc 9:42)? Parece então que
Paulo, longe de contradizer o Espírito de Cristo, na verdade o estava
expressando. Naturalmente vivemos numa época em que as pessoas que têm opiniões
claras e definidas sobre determinados assuntos são consideradas intolerantes e
bitoladas, quanto maisaquelas que discordam vivamente de todas as outras.
O desejo de que os falsos mestres realmente caiam sob a maldição de Deus e
sejam tratados como tais pela igreja é uma ideia inconcebível para
muitos. Mas eu me atrevo a dizer que, se nós nos importássemos mais com a
glória de Cristo e com o bem da alma humana, também não seríamos capazes de
suportar a corrupção do evangelho da graça.
Concluindo a primeira parte
A lição que se destaca neste parágrafo é que só
existe um único evangelho. A opinião popular alega que existem muitos caminhos
que levam a Deus, que o evangelho muda com o passar dos tempos e que não
devemos condená-lo à fossilização do primeiro século d.C.Mas Paulo não
endossaria tais ideias. Aqui ele insiste em que só há um evangelho e que este
evangelho não muda. Qualquer ensinamento que reivindique ser "um
outro evangelho" não é "um outro" (versículos 6, 7). A fim
de esclarecer este ponto ele usa dois adjetivos: heteros ("outro"
no sentido de "diferente") e allos ("outro"
no sentido de "um segundo"). Poderíamos traduzir este trecho da
seguinte maneira: "Vós estais passando para um evangelho diferente - não
que exista um outro evangelho." Em outras palavras, certamente
existem "evangelhos" diferentes que estão sendo pregados, mas isto é
que eles são: diferentes. Não há um outro, um segundo; há
apenas um. A mensagem dos falsos mestres não era um evangelho
alternativo: era um evangelho pervertido.
Como podemos reconhecer o verdadeiro evangelho?
Suas marcas nos foram apresentadas e referem-se à sua substância (o que é) e à
sua fonte (de onde vem).
a. A substância do evangelho
É o evangelho da graça, do favor livre e imerecido
de Deus. Afastar-se daquele que nos chamou na graça de Cristo é afastar-se do
verdadeiro evangelho. Sempre que os mestres começam a exaltar uma pessoa, dando
a entender que esta pode contribuir com alguma coisa para a sua salvação
através de sua própria moral, religião, filosofia ou respeitabilidade, o
evangelho da graça está sendo corrompido. Este é o primeiro teste. O
verdadeiro evangelho magnífica a livre graça de Deus.
b. A fonte do evangelho
O segundo teste refere-se à origem do evangelho. O
verdadeiro evangelho é o evangelho dos apóstolos de Jesus Cristo; em outras
palavras, é o evangelho do Novo Testamento. Leia novamente os versículos 8 e 9.
A acusação de anathema é declarada por Paulo contra qualquer
pessoa que pregue um evangelho contrário ao que ele pregou, ou "que vá
além daquele que recebestes". Isto é, a norma, o critério pelo qual todos
os sistemas e opiniões devem ser testados, é o evangelho primitivo, o
evangelho que os apóstolos pregaram e que se encontra registrado no Novo
Testamento. Qualquer "outro" sistema "que vá além" (ERAB)
ou que seja "diferente" (BLH) desse evangelho apostólico deve ser
rejeitado.
Este é o segundo teste fundamental. Qualquer um que
rejeite o evangelho apostólico, não importa quem seja, será igualmente
rejeitado. Pode até vir na forma de "um anjo do céu". Neste caso,
devemos preferir os apóstolos aos anjos. Não devemos ficar deslumbrados, como
acontece a muitas pessoas, com a personalidade, os dons ou a posição dos
mestres na igreja. Eles podem dirigir-se a nós com grande dignidade, autoridade
e erudição. Podem ser bispos ou arcebispos, professores universitários ou até
mesmo o próprio papa. Mas, se nos trouxerem um evangelho diferente daquele que
foi pregado pelos apóstolos e que se encontra registrado no Novo Testamento, devem
ser rejeitados. Nós os julgamos pelo evangelho; não julgamos o evangelho por
eles. Como disse o Dr. Alan Cole: "Não é a pessoa física do mensageiro
que dá valor à sua mensagem; antes, é a natureza da mensagem que dá
valor ao mensageiro."
Então, ao ouvirmos as multifárias opiniões de
homens e mulheres da atualidade, sejam faladas, escritas, irradiadas ou
televisionadas, devemos sujeitar cada uma delas a estes dois
rigorosos testes. Tal opinião é coerente com a livre graça de Deus e com o
claro ensinamento do Novo Testamento? Caso contrário, devemos rejeitá-la, por
mais augusto que seja o mestre. Mas, se for aprovada nestes testes, então vamos
abraçá-la e apegar-nos a ela. Não devemos comprometê-la como os judaizantes,
nem desertar dela como os gálatas, mas viver por ela e procurar torná-la
conhecida dos outros.
A origem do evangelho de Paulo
Vimos acima que há um só evangelho, e que este evangelho
é o critério pelo qual todas as opiniões humanas devem ser testadas. É o
evangelho que Paulo apresentou.
A questão agora é: qual é a origem do
evangelho de Paulo para que seja normativo, e para que as outras mensagens e
opiniões sejam avaliadas e julgadas por ele? Sem dúvida é um evangelho
maravilhoso. Lembremos a Epístola aos Romanos, as Epístolas aos Coríntios e as
poderosas epístolas da prisão, como Efésios, Filipenses e Colossenses. Ficamos
impressionados com o majestoso ímpeto, profundidade e a consistência com que
Paulo expõe o propósito de Deus de eternidade a eternidade. Mas de onde ele
tirou essas ideias? Seriam produto de sua própria mente fértil? Ele as
inventou? Ou será que eram material antigo, de segunda mão, sem
autoridade original? Será que as plagiou dos outros apóstolos em
Jerusalém, que os judaizantes evidentemente defendiam, uma vez que tentavam
subordinar a autoridade de Paulo à dos apóstolos?
A resposta dele a estas perguntas pode ser
encontrada nos versículos 11 e 12: Faço-vos, porém, saber,
irmãos (uma fórmula favorita sua de introduzir uma declaração
importante), que o evangelho por mim anunciado não é segundo o homem;
porque eu não o recebi, nem o aprendi de homem algum, mas mediante revelação de
Jesus Cristo. Eis aí a razão por que o evangelho de Paulo era o padrão
pelo qual os outros evangelhos deviam ser medidos. O seu evangelho era
(literalmente, versículo 11) "não... segundo o homem"; não era
"invenção humana" (BLH). "Eu o preguei", Paulo poderia
dizer, "mas não o inventei. Também não o recebi de um homem, como se
fosse uma tradição já aceita, passada de uma geração a outra. Também não
me foi ensinado, como se o precisasse aprender de mestres humanos." Pelo
contrário, ele veio "mediante revelação de Jesus Cristo". Isto
provavelmente significa que ele lhe foi revelado por Jesus Cristo. Alternativamente,
o genitivo poderia ser objetivo, caso em que Cristo é a substância da
revelação, como no versículo 16, e não o seu autor. Seja qual for o caso, o
sentido geral é explícito. Assim como no versículo 1 ele afirmou ser divina a
origem de sua comissão apostólica, agora ele afirma ser de origem divina o seu
evangelho apostólico. Nem a sua missão nem a sua mensagem derivaram de homem
algum; ambas lhe vieram diretamente de Deus e de Jesus Cristo.
A reivindicação de Paulo, portanto, é a seguinte. O
seu evangelho, que estava sendo colocado em dúvida pelos judaizantes e
abandonado pelos gálatas, não era uma invenção (como se a sua própria mente o
tivesse fabricado), nem uma tradição (como se a igrejalho tivesse transmitido),
mas uma revelação (pois Deus é quem o revelara a ele). Como John Brown diz:
"Jesus cristo o tomou sob sua própria e imediata tutela." Por
isso é que Paulo se atrevia a chamar o evangelho que pregava de "meu evangelho"
(cf. Rm 16:25). Era "seu", não porque ele o criara, mas porque
lhe fora revelado de maneira especial. A magnitude de sua reivindicação é
notável. Ele está afirmando que a sua mensagem não é sua, mas de Deus; que o
seu evangelho não é seu, mas de Deus; que as suas palavras não são suas, mas de
Deus.
Após fazer esta surpreendente declaração de uma
revelação direta de Deus, sem canais humanos, Paulo prossegue comprovando-a
historicamente, isto é, com fatos de sua própria autobiografia. As situações
ocorridas antes, durante e após sua conversão foram tais que ele sem dúvida
recebeu o seu evangelho diretamente de Deus e não de algum homem. Examinemos
essas três situações separadamente.
1. O que Aconteceu Antes de Sua Conversão (vs. 13,
14)
Porque ouvistes qual foi o meu proceder
outrora no judaísmo, como sobremaneira perseguia eu a igreja de Deus e a
devastava. E, na minha nação, quanto ao judaísmo, avantajava-me a muitos na
minha idade, sendo extremamente zeloso das tradições de meus pais.Aqui
o apóstolo descreve a sua situação antes da conversão, quando ele estava
"no judaísmo", isto é, quando ainda era um "judeu
praticante". O que ele fora naquele tempo todos sabiam.
"Porque ouvistes qual foi o meu proceder outrora", diz ele,
pois já lhes falara sobre isto antes. Paulo menciona dois aspectos da sua vida
antes da regeneração: a perseguição à igreja, que ele agora reconhece ser
"a igreja de Deus" (versículo 13), e o seu entusiasmo pelas tradições
dos seus pais (versículo 14). Em ambos, diz ele, era fanático.
Consideremos a perseguição à igreja. Paulo
perseguia a igreja de Deus "sobremaneira" (ERC) ou "com
violência" (BLH). A frase parece indicar a violência, até mesmo
selvageria, com que ele se empenhava na sua atividade sinistra. O que ele nos
conta aqui podemos suplementar com o livro de Atos. Ele ia de casa em casa em
Jerusalém, prendendo todos os cristãos que encontrasse, homens e
mulheres, e arrastando-os para a cadeia (At 8:3). Quando esses cristãos eram
condenados à morte, ele votava contra eles (At 26:10). Ainda não satisfeito
em perseguir a igreja, ele se sentia realmente inclinado
a devastá-la (versículo 13). Estava determinado a acabar com
ela.
Ele fora igualmente fanático em seu entusiasmo
pelas tradições judaicas. "Fui um dos judeus mais religiosos do meu tempo
e procurava seguir com todo o cuidado as tradições dos meus antepassados",
descreve (versículo 14, BLH). Ele fora criado de acordo com "a seita mais
severa" da religião judaica (At 26:5), ou seja, era um fariseu e vivia
como tal.
Esta era a condição de Saulo de Tarso antes de sua
conversão: um fanático inveterado, completamente dedicado ao Judaísmo e à
perseguição de Cristo e da igreja.
Um homem nessa condição mental e emocional de
maneira alguma mudaria de opinião, nem se deixaria influenciar por outras
pessoas. Nenhum reflexo condicionado ou qualquer outro artifício psicológico
poderia converter um homem assim. Apenas Deus poderia alcançá-lo - e foi o que
Deus fez!
2. O que Aconteceu na sua Conversão (vs. 15, 16a)
Quando, porém, ao que me separou antes de eu nascer
e me chamou pela sua graça, aprouve revelar seu Filho em mim, para que eu o pregasse
entre os gentios... O contraste entre os versículos 13
e 14, de um lado, e os versículos 15 e 16, do outro, é dramaticamente abrupto.
Vemo-lo claramente nos sujeitos dos verbos. Nos versículos 13 e 14 Paulo está
falando de si mesmo: "perseguia eu a igreja de Deus... e
a devastava... quanto ao judaísmo avantajava-me... sendo extremamente zeloso
das tradições de meus pais." Mas nos versículos 15 e 16 ele começa a
falar de Deus. Foi Deus, escreve, "que me separou
antes de eu nascer", Deus "me chamou pela sua
graça", e a Deus "aprouve revelar seu Filho em
mim". Em outras palavras, "no meu fanatismo eu me inclinava a
perseguir e destruir, mas Deus (que eu havia deixado fora de minhas cogitações)
me prendeu e alterou meu impetuoso curso. Todo o meu violento fanatismo nada
era diante da boa vontade de Deus."
Observe como a iniciativa e a graça de
Deus são enfatizadas a cada estágio. Primeiro, Deus me
separou antes de eu nascer. Assim como Jacó foi escolhido antes de
nascer, em preferência ao seu irmão gêmeo Esaú (cf. Rm 9:10-13), e como
Jeremias, designado para ser profeta antes de nascer (Jr 1:5), Paulo, antes de
nascer, foi separado para ser apóstolo. Desta forma, se ele foi consagrado
apóstolo antes mesmo do nascimento, então é evidente que ele nada tem a ver com
isso.
Em segundo lugar, essa escolha antes do seu
nascimento levou à sua vocação histórica. Deus me chamou pela sua
graça, isto é, por seu amor totalmente imerecido. Paulo estivera
lutando contra Deus, contra Cristo, contra os homens. Ele não merecia
misericórdia, nem a pedira. Mas a misericórdia fora ao seu encontro e a graça
o chamara.
Terceiro, aprouve (a Deus) revelar
seu Filho em mim. Quer Paulo esteja se referindo à sua experiência na
estrada de Damasco, ou aos dias imediatamente subsequentes, o que lhe foi
revelado foi Jesus Cristo, o Filho de Deus. Paulo perseguia a Cristo porque
cria que este era um impostor. Agora o seus olhos estavam abertos para ver
Jesus não como um charlatão, mas como o Messias dos judeus, Filho de Deus e o
Salvador do mundo. Ele já conhecia alguns dos fatos acerca de Jesus (ele não
declara que estes lhe foram revelados sobrenaturalmente, naquele
ocasião ou mais tarde, cf. 1 Co 11:23), mas agora percebia o seu
significado. Era uma revelação de Cristo para os gentios, pois a Deus
"aprouve revelar seu Filho em mim, para que eu o pregasse entre os
gentios". Fora uma revelação particular a Paulo, mas para uma comunicação
pública aos gentios. (Cf. At 9:15.) E o que Paulo foi encarregado de pregar
aos gentios não foi a lei de Moisés, como os judaizantes estavam ensinando, mas
as boas novas (o significado do verbo "pregar" no versículo 16), as
boas novas de Cristo. Este Cristo fora revelado, diz Paulo, "em mim"
(literalmente). Nós sabemos que foi uma revelação externa, pois Paulo declara
ter visto Cristo ressuscitado (p. ex., 1 Co 9:1; 15:8, 9). Essencialmente,
porém, foi uma iluminação interior de sua alma, Deus resplandecendo em seu
coração "para iluminação do conhecimento da glória de Deus na face de
Cristo" (2 Co 4:6). E esta revelação foi tão íntima, tornando-se de tal
forma parte dele mesmo, que lhe possibilitou torná-la conhecida aos outros.
A força destes versículos é muito grande. Saulo de
Tarso fora um oponente fanático do evangelho. Mas Deus se agradou fazer dele um
pregador desse mesmo evangelho ao qual ele antes se opunha tão ferozmente. Sua
escolha antes de nascer, sua vocação histórica e a revelação de Cristo nele,
tudo isso foi obra de Deus. Portanto, nem a sua missão apostólica nem a sua
mensagem vinham dos homens.
Contudo, o argumento do apóstolo ainda não está
completo. Considerando que a sua conversão foi uma obra de Deus, o que se
tornou claro na maneira como aconteceu e pelos seus precedentes, não teria ele
recebido instruções depois de sua conversão, de modo que a sua
mensagem fosse proveniente de homens? Não. Isto também Paulo nega.
3. O que Aconteceu Depois de sua Conversão (vs.
16b-24)
...não consultei carne e sangue, 17 nem
subi a Jerusalém para os que já eram apóstolos antes de mim, mas parti para as
regiões da Arábia, e voltei outra vez para Damasco.
18 Decorridos
três anos, então subi a Jerusalém para avistar-me com Cefas, e
permaneci com ele quinze dias; 19 e não vi outro dos
apóstolos, senão a Tiago, o irmão do Senhor. 20 Ora,
acerca do que vos escrevo, eis que diante de Deus testifico que não
minto. 21Depois fui para as regiões da Síria e da
Cilícia. 22 E não era
conhecido de vista das igrejas da Judéia, que estavam em Cristo. 23 Ouviam
somente dizer: Aquele que antes nos perseguia, agora prega a fé que outrora
procurava destruir. 24 E glorificavam a Deus a meu
respeito.
Neste parágrafo um tanto longo a ênfase está na
primeira declaração, no final do versículo 16: "não consultei carne e
sangue". Isto é, Paulo diz que não consultou nenhum ser humano. Sabemos
que Ananias foi ao seu encontro, mas evidentemente Paulo não discutiu o evangelho
com ele, nem com qualquer dos apóstolos em Jerusalém. Agora ele faz
esta declaração historicamente. Ele apresenta três álibis para provar que não
gastou tempo em Jerusalém e que seu evangelho não foi moldado pelos outros
apóstolos.
Álibi 1. Ele
foi à Arábia (v. 17)
De acordo com Atos 9:20, Paulo ficou algum
tempo em Damasco, pregando, o que dá a ideia de que o seu evangelho já estava
bastante definido para que pudesse anunciá-lo. Mas deve ter ido logo depois
para a Arábia. O Bispo Lightfoot comenta: "Um véu muito espesso
cobre a visita de S. Paulo à Arábia." Não sabemos aonde ele foi nem por
que foi para lá. Possivelmente não foi muito longe de Damasco, porque todo o
seu distrito naquele tempo era governado pelo rei Aretas da Arábia. Há quem
diga que ele foi à Arábia como missionário para pregar o
evangelho. Crisóstomo descreve "um povo bárbaro e selvagem"
que vivia ali, o qual Paulo foi evangelizar. Mas é muito mais provável que ele
tenha ido à Arábia em busca de quietude e solidão, pois este é o ponto alto dos
versículos 16 e 17: "...não consultei carne e sangue... mas parti
para as regiões da Arábia." Parece que ele ficou por lá durante três anos
(versículo 18). Cremos que neste período de afastamento, ao meditar sobre as
Escrituras do Antigo Testamento, sobre os fatos da vida e morte de Jesus, os
quais ele já conhecia, e a experiência de sua conversão, o evangelho da graça
de Deus lhe foi revelado em toda a plenitude. Alguém até já sugeriu que
aqueles três anos na Arábia foram uma deliberada compensação pelos três anos de
instrução que Jesus dera aos outros apóstolos, mas que Paulo não recebera.
Agora era como se ele tivesse Jesus ao seu lado durante três anos de solidão no
deserto.
Álibi 2. Ele
foi a Jerusalém mais tarde para uma rápida visita (vs. 18-20)
A ocasião provavelmente é a que se menciona em
Atos 9:26, depois que ele foi tirado às escondidas de Damasco, sendo
descido pelo muro da cidade em um cesto. Paulo é totalmente franco acerca desta
visita a Jerusalém, mas lhe dá pouca importância. Nada havia nela de tão
significativo como os falsos mestres estavam obviamente sugerindo. Diversos
aspectos dela são mencionados.
Primeiro, ela aconteceu "decorridos três
anos" (versículos 18). Isto significa quase certamente três anos depois
de sua conversão, tempo em que o seu evangelho já fora plenamente formulado.
Depois, quando ele chegou a Jerusalém, avistou-se apenas
com dois apóstolos, Pedro e Tiago. Ele foi para
"avistar-se" (ERAB) ou "conhecer" (BLH) Pedro. O verbo
grego (historesai) era usado no sentido de fazer turismo e
significa "visitar com o propósito de conhecer uma pessoa"
(Arndt-Gingrich). Lutero comenta que Paulo foi visitar esses apóstolos
"não porque recebeu tal ordem, mas de sua própria vontade; não para
aprender alguma coisa com eles, mas apenas par conhecer Pedro". Paulo
também conheceu Tiago, que parece estar aqui relacionado entre os apóstolos
(versículo 19). Não viu, porém, nenhum dos outros apóstolos. Pode ser que eles
estivessem ausentes, ou ocupados demais, ou até mesmo com medo de Paulo (cf.
At 9:26).
Terceiro, ele passou apenas "quinze dias"
em Jerusalém. Naturalmente em quinze dias os apóstolos teriam tido tempo par
falar acerca de Cristo. Mas o que Paulo está destacando é que, quinze dias não
era tempo suficiente para ele absorver de Pedro todo o conselho de Deus. Além
disso, não fora este o propósito da visita. Lemos em Atos (9:28,29) que grande
parte daquelas duas semanas em Jerusalém foi ocupada em pregações.
Resumindo, a primeira visita de Paulo a Jerusalém
deu-se apenas depois de três anos, durou duas semanas, e ele viu apenas dois
apóstolos. Portanto, é ridículo sugerir que tenha recebido o seu evangelho dos
apóstolos em Jerusalém.
Álibi 3. Ele
foi para a Síria e a Cilícia (vs. 20-24)
Esta visita ao extremo norte corresponde a
Atos 9:30, onde lemos que Paulo, estando em perigo de vida, foi levado
pelos irmãos à Cesaréia, de onde o enviaram para Tarso, que fica na Cilícia.
Uma vez que ele diz que também foi "para as regiões da Síria", ele
deve ter visitado novamente Damasco e Antioquia a caminho de Tarso. De qualquer
maneira, o que Paulo está destacando é que estava lá no extremo norte, e não
em Jerusalém. Um resultado disso é que ele "não era conhecido de vista das
igrejas da Judéia" (versículo 22). Estas o conheciam apenas de ouvir falar,
e o rumor que ouviam era que o seu perseguidor de outrora se tornara pregador
(versículo 23). Na verdade, ele se tornara pregador "da fé" que havia
aceitado e que anteriormente "procurava destruir". Sabendo disto,
"glorificavam a Deus a meu respeito". Eles não glorificavam a Paulo,
mas a Deus em Paulo, reconhecendo que este era um troféu extraordinário da
graça de Deus.
Só catorze anos mais tarde (2:1), presumivelmente
anos esses após a sua conversão, Paulo tornou a visitar Jerusalém e teve um
contato mais demorado com os outros apóstolos. A essa altura dos
acontecimentos, o seu evangelho já estava totalmente desenvolvido. Mas durante
o período de catorze anos entre a sua conversão e esta entrevista ele fez
apenas uma rápida e insignificante visita a Jerusalém. O restante desse tempo
ele passou na distante Arábia, na Síria e na Cilícia. Seus álibis provam a
independência do seu evangelho.
O que Paulo diz nos versículos 13 a 24 pode ser
resumido da seguinte forma: o fanatismo de sua carreira antes da conversão, a
iniciativa divina na sua conversão e depois, o seu isolamento quase total dos
líderes da igreja de Jerusalém, tudo contribuía para provar que sua mensagem
não era humana, mas divina. Além disso, estas evidências históricas e
circunstanciais não poderiam ser contestadas. O apóstolo pode confirmar e
garantir isso com uma solene afirmação: "Ora, acerca do que vos escrevo,
eis que diante de Deus testifico que não minto!" (versículo 20).
Conclusão
Concluindo, retornamos à afirmação que estes
detalhes autobiográficos procuraram estabelecer. Os versículos 11 e 12
dizem: Faço-vos, porém, saber, irmãos, que o evangelho por mim
anunciado não é segundo o homem; porque eu não o recebi, nem o aprendi de
homem algum, mas mediante revelação de Jesus Cristo. Tendo
considerado a falta de contato de Paulo com os apóstolos de Jerusalém duranteos
primeiros quatorze anos do seu apostolado, podemos aceitar a origem divina
de sua mensagem? Muitos não aceitam.
Há pessoas que, embora admirem o intelecto sólido
de Paulo, acham que seus ensinamentos são severos, áridos e complicados; por isso
os rejeitam.
Outros dizem que Paulo foi responsável pela
corrupção do Cristianismo simples de Jesus Cristo. Estava na moda, cerca de um
século atrás, estabelecer uma brecha entre Jesus e Paulo. Contudo, de um modo
geral reconhece-se atualmente que não se pode fazer isto, pois todas as
sementes da teologia de Paulo se encontram nos ensinamentos de Jesus. Não
obstante, a "teoria da brecha" ainda tem os seus advogados. Por
exemplo, Lord Beaverbrook escreveu uma pequena vida de Cristo
que ele intitulou The Divine Propagandist (O
Propagandista Divino). Ele nos informa que a escreveu "como um homem de
negócios", e que estava "tentando entender Jesus à luz trêmula de
uma inteligência limitada e uma pesquisa certamente restrita". "Eu
vasculhei os evangelhos e ignorei a teologia", ele diz. Seu tema é que a
igreja tem entendido mal e representado mal a Jesus Cristo. Quanto ao apóstolo
Paulo, a opinião de LordBeaverbrook é que ele foi "incapaz, por
natureza, de entender o espírito do Mestre". Ele “prejudicou
o Cristianismo e deixou suas marcas, eliminando muitos dos traços das pegadas
do seu Mestre". Mas Paulo não pode ter representado mal a Cristo se estava
transmitindo uma revelação especial de Cristo, que é o que ele declara em
Gálatas 1.
Outras pessoas acham que Paulo era um homem comum,
que participava de nossas paixões e nossa falibilidade, de modo que a sua opinião
não é melhor do que a de qualquer outra pessoa. Mas Paulo diz que a sua
mensagem não é segundo os homens, mas vem de Jesus Cristo.
Outros, ainda, dizem que Paulo simplesmente
refletiu a opinião da comunidade cristã do primeiro século. Nesta passagem,
porém, Paulo se esforça para mostrar que a sua autoridade não era eclesiástica.
Ele foi totalmente independente dos líderes da igreja, e recebeu seus pontos
de vista de Cristo, e não da igreja.
Este, portanto, é o nosso dilema. Vamos aceitar as
palavras de Paulo quanto à origem de sua mensagem, apoiadas como estão por
sólidas evidências históricas? Ou será que vamos preferir nossa própria teoria,
embora não tenha o apoio de qualquer evidência histórica? Se Paulo está certo
ao dizer que o seu evangelho não veio de homens, mas de Deus (cf. Rm 1:1),
então rejeitar Paulo é rejeitar a Deus.
Bibliografia J. R. W. Stott+
www.ebareiabranca.com
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PAZ DO SENHOR
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