O EVANGELHO ALCANÇA OS GENTIOS
(ATOS DOS APOSTOLOS)
TESTEMUNHANDO AOS GENTIOS, 10.1-11.30
Artigo Escritor Mauricio Berwald
Samaria, como já foi observado
(8.5) na lição anterior, era uma espécie de local intermediário entre os judeus
e os gentios. A execução da comissão de Cristo envolvia em primeiro lugar a
evangelização dos judeus em Jerusalém, em seguida a dos samaritanos, e
finalmente a dos gentios. Mas todos os acontecimentos registrados neste
capítulo tiveram lugar na Judéia. Assim, ainda nos encontramos na segunda parte
de Atos 1.8.
1. As Visões (10.1-16)
Duas visões estão registradas
nesta seção: a de Cornélio em Cesaréia e a de Pedro em Jope. Nos dois
casos, o indivíduo que teve a visão foi preparado para o contato com o outro
homem. Deus estava operando nas duas pontas.
a. Cornélio em Cesaréia (10.1-8). Cesaréia (1)
era o principal porto da Palestina e a capital do governo romano ali. Herodes,
o Grande, tinha construído no lugar da Torre de Strato uma magnífica
cidade e um porto deslumbrante, protegido por um extenso quebra-mar. Apesar da
sua importância, a cidade é mencionada no Novo Testamento somente no livro de
Atos (quinze vezes).
Cornélio era um nome muito comum
no Império Romano. Isto se devia, em parte, ao fato de que,
em 82 a.C, Cornélio Sullalibertara dez mil escravos e lhes
dera o seu próprio nome. Este Cornélio era um centurião — lit, "chefe de
cem homens", ou seja, um oficial que tinha cem soldados subordinados a si.
Era um centurião da coorte(Parte de uma legião, entre os antigos
romanos) chamada Italiana. Uma coorte normalmente consistia em
seiscentos homens — a décima parte de uma legião que era de
6.000 homens.
Quatro coisas são ditas a respeito
de Cornélio. A primeira, que ele era piedoso (2). O adjetivo
que significa "religioso" é encontrado (no NT) somente aqui, no
versículo 7 e em 2 Pedro 2.9. Em segundo lugar, ele era temente
a Deus, com toda a sua casa.Bruce diz que estas duas expressões,
"embora não sejam especificamente termos técnicos... geralmente são usadas
no livro de Atos para se referirem àqueles gentios que, embora não totalmente
prosélitos... se relacionavam com a religião judaica, praticando a sua
adoração monoteísta e sem imagens, freqüentando a sinagoga, respeitando o
sábado e as leis sobre a comida, etc". Algumas vezes, fazia-se
referência a essas pessoas como "prosélitos de portão". Mas em um
artigo sobre "prosélitos e tementes a
Deus", Kirsopp Lake insiste que a expressão "prosélito
de portão" deve ser abandonada, por não ter validade histórica. As pessoas
eram prosélitos ou não. Gloagconcorda com isto, ao escrever. "O
único proselitismo que os judeus parecem ter reconhecido era quando os gentios
adotavam completamente a lei... pensamos, assim, que não havia, pelo menos
na época dos apóstolos, uma classe como os "prosélitos de
portão".Cornélio não era um prosélito, como mostram as palavras de Pedro
no versículo 28. Um prosélito era considerado como pertencente à congregação
dos judeus; este não era o caso de Cornélio.
A terceira coisa que se afirma
sobre este homem é que ele fazia muitas esmolas ao povo, i.e., aos
judeus. A quarta coisa é que,de contínuo, orava a Deus. Ele era um
dedicado adorador do Deus verdadeiro. No entanto, não era um membro da
comunidade judaica nem da igreja cristã.
Certo dia, Cornélio estava orando
(cf. 30) em sua casa, quase à hora nona do dia (três horas da tarde)
— a hora da oferta do sacrifício da tarde no Templo, quando os judeus
devotos e os tementes a Deus estariam envolvidos na oração (cf. 3.1). Ele viu... numavisão
um anjo de Deus, que se dirigia para ele e chamava o seu nome: Cornélio! (3).
O termo claramente é a tradução literal (NEB).Fixando os
olhos nele — melhor "olhando fixamente para ele" (ASV)
— ficou muito atemorizado (4). Esta é normalmente a reação
daqueles que são confrontados por anjos, como observam as Escrituras.
Mas o mensageiro celestial falou com palavras que eram ao mesmo tempo uma
saudação e um conforto: As tuas orações e as tuas esmolas têm subido
para memória diante de Deus. O nomememória — ou memorial
— era dado "à porção da oferta de alimentos que o sacerdote deveria
queimar sobre o altar, para que fosse uma oferta queimada de cheiro suave ao Senhor (Lv
2.2)". As orações e esmolas de Cornélio tinham sido como a sua oferta, e
agradaram a Deus.
O anjo instruiu Cornélio,
dizendo: envia homens a Jope e manda chamar a Simão, que tem
por sobrenome Pedro (5). Simãoera, supostamente, o nome
mais comum entre os judeus daquele tempo. Assim, este Simão precisava ser
identificado pelo seu sobrenome, Pedro. Na verdade, ele estava hospedado na
casa de Simão, um curtidor (6), o que tornava a identificação
ainda mais necessária. A casa do curtidor ficava junto do mar. Provavelmente,
havia duas razões para isto. Uma delas era a sua profissão, que envolvia a
manipulação de animais mortos, o que o deixava impuro; assim era exigido que
ele morasse fora da cidade. A outra razão era que o seu negócio provavelmente
envolvia o uso de água do mar.
Quando o anjo se retirou,
Cornélio chamou dois dos seus criados (7) — uma única palavra
em grego, que significa "aqueles que moram na casa" — e a um
piedoso soldado dos que estavam ao seu serviço. A sua própria vida
devota tinha influenciado até mesmo os seus criados e soldados. Ele contou a
estes três homens de confiança sobre a sua visão, e então os enviou
a Jope (8). Eles deveriam encontrar Simão Pedro e trazê-lo.
b. Pedro em Jope (10.9-16). No
dia seguinte — um dia depois que os mensageiros tinham deixado
Cesaréia — eles... estando já perto da cidade (9), i.e., Jope.
Era a hora sexta (o meio-dia) e subiu Pedro ao terraço para orar. Esta
não era uma das horas regulares de oração. Mas as almas devotas podem
perfeitamente estar envolvidas em orações privadas nessa hora (cf. Sl 55.17).
Este tipo de oração é sempre apropriado. A distância entre Cesaréia
e Jope era de 48 quilômetros. Houve consideráveis divergências
de opinião relativas a quando os servos deixaram Cesaréia — se foi no
mesmo dia da visão ou na manhã seguinte. Também houve discussões sobre o seu
meio de transporte — se foi a pé ou a cavalo — e quanto tempo levaram para
fazer a viagem. Os fatos declarados na narrativa são que eles chegaram
a Jope aproximadamente ao meio-dia do dia seguinte (9), passaram a
noite ali com Pedro e partiram "no dia seguinte" (23), e então,
"no dia imediato" (24) chegaram de volta a Cesaréia — provavelmente
no final da tarde. Um dia de viagem a pé normalmente corresponde a 32
quilômetros, assim, a melhor reconstrução parece ser a seguinte: Os criados de
Cornélio saíram de Cesaréia na manhã seguinte ao dia da visão, viajaram 32
quilômetros, e pararam para passar a noite. No dia seguinte eles percorreram
os16 quilômetros que faltavam, chegando a Jope aproximadamente
ao meio-dia. Depois de passar ali a noite, iniciaram a viagem de
volta na manhã seguinte (o terceiro dia depois da visão). Tendo feito uma
parada para dormir, eles percorreram os últimos 16 quilômetros no
quarto dia. Isto está em perfeito acordo com a afirmação que Cornélio faz a
Pedro: "Há quatro dias... diante de mim se apresentou um varão com vestes
resplandecentes" (30-31).
Quando Pedro estava orando no
terraço em Jope, tendo fome (10), quis comer. Enquanto
lhe preparavam a refeição do meio-dia, sobreveio-lhe um arrebatamento
de sentidos. A palavra grega que foi traduzida como "êxtase" por
algumas versões significa literalmente "ficar fora de si".
Neste transe Pedro viu o
céu aberto (11) e a aparição de um grande lençol atado pelas quatro
pontas, vindo para a terra. Nele havia de todos os animais quadrúpedes, répteis
da terra e aves do céu (12) — "tudo o que caminha, ou rasteja ou
voa" (NEB). Lumbyobserva: "Freqüentemente, aceita-se o
significado do lençol aberto como uma imagem de todo o mundo, e das quatro
pontas como as direções nas quais o Evangelho deveria ser levado por todo o
mundo".
Uma voz lhe ordenou: Levanta-te,
Pedro! Mata e come (13). Mas Pedro protestou veementemente: De
modo nenhum, Senhor, porque nunca comi coisa alguma comum e imunda (14).
O uso de comum (koinos) com o sentido de imunda é explicado
assim porLumby: "Todas as pessoas que não eram judias eram vistas
como a ralé 'comum', excluída do concerto de Deus... assim, quaisquer
costumes destas pessoas, diferentes daqueles do povo escolhido, eram chamados
coisas 'comuns', e como essas coisas 'comuns' eram proibidas pela lei, todas as
coisas ou ações proibidas ficaram conhecidas como sendo 'comuns'. As leis a
respeito dos alimentos puros e impuros são encontradas no capítulo 11
de Levítico.
Uma segunda vez, a voz falou.
Desta vez, ela disse: Não faças tu comum ao que Deus purificou (15).
O significado destas palavras é explicado da seguinte forma por Gloag:
"Os judeus consideravam os animais impuros como uma imagem dos gentios, a
quem eles chamavam de 'cães'. Mas agora Pedro aprendia que todos os homens
estavam no mesmo patamar, aos olhos de Deus". Havia ainda outra
implicação: "A diferença entre carnes puras e impuras, a qual correspondia
a uma parte tão considerável da lei mosaica foi abolida; assim, uma das grandes
barreiras de separação entre os judeus e os gentios foi removida". Isto
era necessário tanto para a evangelização do mundo, como para a unidade da Igreja.
E aconteceu isto por três
vezes (16).
Aparentemente, toda a cena se repetiu. Alexander comenta: "Esta repetição
da revelação, sem dúvida exatamente da mesma forma, pode ter tido a intenção
parcial de gravá-la na memória, mas principalmente de impedir a suspeita
de que fosse um mero sonho ou imaginação".
Esta seção (1-16) exemplifica a
"preparação para a revelação". Se quisermos nos comunicar com o céu,
devemos satisfazer as condições cumpridas tanto por Cornélio quanto por Pedro:
1. Eles eram homens devotos
(1-4,9);
2. Eles deixavam tudo de lado para
orar (9,30);
3. Eles esperavam em Deus até que
o ouvissem (3-6,13-15,19-20).
2. Visitas (10.17-29)
a. Os Criados
em Jope (10.17-23a). Estando
Pedro duvidando entre si (17), i.e., estava "perplexo"
(ASV), quanto ao que seria aquela visão, os criados enviados por Cornélio
pararam do lado de fora da porta da casa onde ele estava. Como eram gentios
"impuros", eles não pensaram em entrar na casa, mas, chamando,
perguntaram se Simão Pedro estava hospedado ali (18). Se a porta estivesse
trancada, qualquer visitante teria de chamar do lado de fora. Na verdade, hoje
é o costume em terras orientais chamar ao invés de bater.
E, pensando — um composto forte (somente aqui
no NT), que significa "ponderando" — Pedro naquela visão,
disse-lhe o Espírito que três varões o procuravam (19). Pedro recebeu
a ordem de ir com eles, não duvidando (20). Duvidando é
um verbo composto que significa "estar com a mente dividida ou
hesitar". Aqui, não duvidando significa "sem
hesitar" (RSV). Deus tinha enviado esses mensageiros, e Pedro devia ir com
eles.
De forma obediente, Pedro desceu e
conversou com os homens (21). Eles lhe contaram sobre a visão de Cornélio, que
tinha sido avisado (22) — ou "instruído, orientado" — a mandar buscar
Pedro. O apóstolo, chamando-os para dentro, os recebeu em casa (23),
apesar de serem gentios. A visão de Pedro já estava produzindo resultados.
b. Pedro em Cesaréia (10.23b-29). No dia seguinte, o
apóstolo partiu com os mensageiros de Cornélio. Felizmente para Pedro,foram com
ele alguns irmãos de Jope. Quando fosse em breve desafiado por alguns da
igreja de Jerusalém, ele precisaria do testemunho destes homens para explicar
exatamente o que aconteceu na casa de Cornélio. Deste modo, a presença deles
era providencial.
No dia imediato (24) — o quarto dia desde que
Cornélio teve a sua visão (ver os comentários sobre o v. 9) — o pequeno grupo
chegou a Cesaréia. Além do soldado e dois criados de Cornélio, ali estavam
Pedro e "seis irmãos" (cf. 11.12) que o acompanharam. E muito
improvável que um grupo de dez homens tivesse ido a cavalo. Evidentemente, eles
tinham ido a pé, como era o hábito naquela época. Assim, a viagem de 48
quilômetros lhes teria tomado pelo menos um dia e meio.
Quando chegaram ao seu destino,
eles descobriram que Cornélio os esperava. A palavra em grego sugere que
"ele continuava esperando ansiosamente por eles". Sem dúvida, ele
imaginara que os seus criados passariam a noite em Jope, e assim estariam
chegando a Cesaréia logo depois do meio-dia do quarto dia.
Além disso, ele tinha convidado os
seus parentes e amigos mais íntimos. O fato de que Cornélio tivesse parentes em
Cesaréia implica que ele vivera ali por um longo período, o que também se
conclui da afirmação de que ele tinha "bom testemunho de toda a nação dos
judeus" (22). O adjetivo íntimos significa
literalmente "necessário". Somente aqui (no NT) significa
"familiar". A idéia parece ser a de que os amigos que são tão íntimos
e queridos de alguém são necessários. Cornélio obviamente era um homem que
tinha um grande coração.
Quando Pedro entrou, saiu
Cornélio a recebê-lo e, prostrando-se a seus pés, o adorou (25). Lumby comenta:
"Este ato de respeito do oficial romano demonstra fortemente o seu
sentimento de que Pedro era um mensageiro de Deus. Tais atos não eram usuais
entre os soldados romanos". Embora fosse comum no oriente que os homens se
prostrassem aos pés dos seus superiores, "a idéia da prostração era
estranha à mente ocidental, e esse costume não foi introduzido na corte imperial
até o reinado de Diocleciano". Alexander diz: "Tendo sido ordenado
por um anjo a mandar buscar o apóstolo, com uma promessa de comunicação divina
com ele, não é de surpreender que Cornélio tivesse imaginado que ele fosse mais
do que um simples homem".
Mas Pedro o levantou, dizendo:
Levanta-te, que eu também sou homem (26). Isto indica que Cornélio tentava dedicar-lhe
adoração religiosa, ao que Pedro protestou. Da mesma maneira, um anjo
recusou a adoração de João (Ap 19.10).
Enquanto conversavam, os dois
homens entraram na casa. Pedro deve ter ficado surpreso ao ver os muitos
que ali se haviam reunido para ouvi-lo (27). Ele os lembrou do
fato de que não era lícito para um judeu associar-se com
estrangeiros (28). Com um fino toque de cortesia, Pedro usou uma
palavra rara, que significa literalmente "outra tribo" (somente aqui
no NT). Graciosamente, ele evitou o termo ofensivo ethnoi, que usualmente
transmite a idéia de "pagão".
Pedro tinha sido obrigado a deixar
de lado essa proibição judaica, pois, como disse, Deus mostrou-me que a
nenhum homem chame comum ou imundo (cf. 15). Para nós, é impossível
perceber a tremenda mudança que isto envolvia no pensamento de um judeu devoto
daquela época. Toda a sua educação religiosa tinha ensinado que os israelitas eram
o povo escolhido de Deus e que o restante da humanidade era impuro e
excluído da aliança divina.
Devido à visão no terraço
em Jope, Pedro tinha vindo até estes gentios sem contradizer (29).
Esta é uma única palavra em grego (somente aqui no NT), e significa literalmente
"não se pronunciar contra", e assim "sem nem mesmo levantar
qualquer objeção" (NASB). Pedro então perguntou por que razão tinham
mandado chamá-lo.
3. Verificação (10.30-48)
A última parte deste capítulo
conta a história da verificação das visões que tiveram Pedro
em Jope e Cornélio em Cesaréia. Por meio do derramamento do
Espírito na casa de Cornélio, Deus provou a quem pudesse interessar que os
gentios, assim como os judeus, podiam ser os destinatários da sua graça.
a. Apresentação por
Cornélio (10.30-33).
Pedro foi apresentado à audiência por Cornélio, que relatou a sua visão como
uma causa para a reunião. Ele disse: Há quatro dias estava eu em
jejum até esta hora, orando em minha casa à hora nona. E eis que diante de mim
se apresentou um varão com vestes resplandecentes (30-31). A
palavra jejum não consta do melhor texto grego. Provavelmente,
a melhor tradução para a primeira parte seja: "Faz, hoje, quatro dias que,
por volta desta hora, estava eu observando em minha casa a hora nona de
oração..." Isto parece indicar que Pedro e os seus companheiros chegaram à
casa de Cornélio por volta das três horas da tarde, do quarto dia depois da
visão.
O relato de Cornélio de que um
varão lhe apareceu não entra em conflito com a outra afirmação de que era
"um anjo de Deus" (3). Era um anjo sob forma de homem, como também
tinha acontecido no sepulcro vazio (Mt 28.5; Mc 16.5).
Os versículos 31 e 32 são um eco
dos versículos 4 a 6; Cornélio continuou expressando a sua gratidão
pela vinda de Pedro e assegurou-lhe: estavam todos esperando para ouvir
tudo quanto por Deus te é mandado (33). Pedro tinha um
público receptiva pronto e desejoso para caminhar na luz. Este é o
segredo dos resultados que tiveram lugar nesta reunião histórica na casa de Cornélio.
b. A Pregação de Pedro (10.34-43). Tendo em vista a sua
própria visão, assim como a que foi dada a Cornélio, Pedro foi forçado a
concluir:Reconheço, por verdade, que Deus não faz acepção de
pessoas; mas que lhe é agradável aquele que, em qualquer nação,
o teme e faz o que é justo (34-35). Cornélio era tão aceito perante
Deus quanto qualquer descendente físico de Abraão.
Depois da sua apresentação, Pedro
fez um breve resumo do ministério de Jesus (36-41). Foi quase um epítome(Resumo,
abreviação) do Evangelho de Marcos, o que a Igreja Primitiva considerava
conter na pregação de Pedro.
O apóstolo começou fazendo
referência à Palavra (logos) que chegou à nação de Israel por
meio da pregação de Jesus (36). Era uma mensagem de paz, mas foi rejeitada. Pedro
aproveita para enfatizar a divindade de Jesus: este é o Senhor de
todos.
Ele diz que os seus ouvintes
conhecem esta palavra (rhema) (37). Uma vez que rhema às
vezes é traduzida como "coisa" (5.32; Lc 2.15), a frase aqui pode ser
traduzida como "aquilo que aconteceu". Cornélio e seus amigos, como a
maioria do povo daquele país, sabiam do ministério de Jesus.
Aquele ministério cobriu toda a
Judéia — toda a Palestina. Assim, a Judéia assume o sentido mais amplo, como o
país dos judeus.Começando pela Galiléia... — literalmente
"tendo começado pela Galiléia", que assim está incluída na
Judéia. O batismo que João pregou seria o batismo do arrependimento. É com o
ministério de João Batista que começa o Evangelho de Marcos.
Foi no batismo de Jesus por João
(cf. Lc 4.1,14) que Deus ungiu a Jesus de Nazaré com o Espírito Santo e
com virtude; o qual andou fazendo o bem e curando a todos os oprimidos do
diabo (38). Isto resume uma grande parte do Evangelho de Marcos.
Pedro afirma: Nós —
ele e os seis companheiros de Jope — somos testemunhas de
todas as coisas que fez, tanto na terra da Judéia [como o v. 37; algumas
versões apresentam "dos judeus"] como em Jerusalém (39),
na parte final do seu ministério. Foi ali que Ele foi pendurado num madeiro
(crucificado). No terceiro dia Deus o ressuscitou e fez que se
manifestasse (40) — tradução literal. Mas isto foi não a todo
o povo, mas às testemunhas que Deus antes ordenara; a nós que comemos e bebemos
juntamente com ele, depois que ressuscitou dos mortos (41). Esta afirmação
está perfeitamente de acordo com o que é encontrado nos Evangelhos.
O
Cristo ressurrecto mandou que os discípulos fossem pregar ao povo (Mt
28.19) e testificar que Jesus Cristo é o que por Deus foi constituído
juiz dos vivos e dos mortos (42).
A observação final da mensagem de
Pedro foi expressamente evangelizadora: A este dão testemunho todos os
profetas, de que todos os que nele crêem receberão o perdão dos pecados pelo
seu nome (43). No texto grego, a frase todos os que nele
crêem é colocada no final, como uma ênfase. Este Evangelho de perdão
dos pecados por meio da fé em Jesus Cisto é para todos aqueles
quecrerem, tanto judeus quanto gentios.
c. O Derramamento do
Espírito (10.44-48). Enquanto Pedro ainda pregava, o Espírito Santo
caiu sobre os que estavam ouvindo a Palavra (44). Dizendo estas
palavras provavelmente deve ser traduzido como "estava falando
estas coisas" (rhemata).
No Concilio em Jerusalém, Pedro
comparou este "Pentecostes dos gentios" ao Pentecostes
original do capítulo do livro de Atos. Ele disse: "E Deus, que
conhece os corações, lhes deu testemunho, dando-lhes o Espírito Santo, assim
como também a nós; e não fez diferença alguma entre eles e nós, purificando o
seu coração pela fé" (15.8-9). Da mesma forma como Deus tinha purificado
os corações dos 120 no cenáculo, quando eles foram cheios do Espírito (2.4),
Ele também purificou os corações de Cornélio e seus amigos, quando o Espírito
Santo caiu sobre eles. Teólogos da Santidade interpretam esta experiência como
sendo a santificação completa.
Os judeus cristãos que tinham
acompanhado Pedro a Cesaréia maravilharam-se — "ficaram
fora de si com assombro" — de que o dom do Espírito Santo —
genitivo de aposição, o dom que era o próprio Espírito Santo — se
derramasse também sobre os gentios(45). Eles os ouviam falar em
línguas (46), como tinham ouvido os 120 no Dia de Pentecostes.
Apesar dos seus preconceitos
judaicos, Pedro sentiu que Deus tinha aceitado plenamente estes gentios no
Reino. Então, ele propôs que o batismo cristão lhes fosse ministrado (47).
Cornélio e seus amigos foram batizados em nome do Senhor (48), i.e., em
nome de Jesus. Esta fórmula era aparentemente usada na Igreja Primitiva, assim
como a forma da trindade (Mt 28.19). A ênfase principal aqui está no fato de
que era um batismo cristão.
4. Justificativa (11.1-18)
O capítulo 10 apresenta a história
da visita de Pedro à casa de Cornélio e o derramamento do Espírito de Deus
sobre o grupo ali reunido. O capítulo 11 apresenta a justificativa de Pedro
para a sua entrada na casa de um gentio, e a sua associação com os
"pagãos".
a. Pedro É Criticado (11.1-3). Os rumores do que havia
acontecido em Cesaréia chegaram até os apóstolos e os irmãos que
estavam na Judéia (1). Eles ouviram as espantosas notícias de que
também os gentios tinham recebido a Palavra de Deus.
Quando Pedro regressou a
Jerusalém, os que eram da circuncisão (2) — os judeus cristãos que
enfatizavam a constante observação à Lei — disputavam com
ele. A sua queixa era: Entraste em casa de varões
incircuncisos e comeste com eles (3). Para os judeus
conservadores, os homens incircuncisos eram impuros, e o contato com eles
poderia corromper uma pessoa. Mas a transgressão mais grave que Pedro havia
cometido foi comer com eles. Isto era uma coisa que nenhum filho sério de
Abraão poderia fazer.
b. A Explicação de
Pedro (11.4-18). Se
um homem sabe que tem razão, a sua melhor defesa é uma explicação direta do que
fez, e do porquê. Este foi o método seguido por Pedro. Ele começou a
fazer-lhes uma exposição por ordem (4). Ele contou toda a
história aos seus críticos. O fato de que aquilo que tinha acontecido é
repetido aqui mostra a grande importância ligada a este evento significativo.
Iniciara-se uma nova época — a da evangelização dos gentios.
A narrativa dos versículos 5
a 10 é quase idêntica à de 10.9b-16, exceto pelo fato de que o relato de
Pedro, aqui, narrado na primeira pessoa, é bem mais vivido. Por exemplo, ele
diz sobre o vaso: descia do céu e vinha até junto de mim (5).
Este é o tipo de toque adicional que poderíamos esperar que ele nos desse.
Pedro contou o fato de que
havia três varões (11) de Cesaréia que
vieram à casa onde estava (cf; 10.7,17), e como o Espírito lhe disse
que fosse com eles, nada duvidando (12). Foi o Espírito Santo
que lhe disse que fosse com aqueles homens até à casa de Cornélio, de modo que
ele não teve escolha. Se o povo quisesse criticá-lo por ter ido, teria que
discutir com o Espírito sobre o assunto.
Nada duvidando é a mesma coisa que "não
duvidando" (10.20), mas o texto grego aqui apresenta a forma ativa do
verbo; em 10.20, é a meia-passiva. A diferença foi bem explicada pela
adoção de "sem hesitação" em 10.20 e "sem fazer diferença"
aqui (RSV). Como uma razão para esta modificação, Lumby sugere:
"A visão não tinha lhe dado nenhuma idéia de que haveria uma viagem; agora
[10.20] Pedro é informado dela, e assim também, quando chega ao final da
viagem, o 'não hesitar' significa 'não fazer distinção entre os judeus e os
outros homens'. Desse modo, a visão tornou-se compreensível, pouco a pouco, e a
perplexidade foi removida".
Não somente o Espírito lhe ordenou
que fosse, mas também seis irmãos foram com ele (12). Em
10.23, não sabemos quantos, mas somente que "alguns irmãos" acompanharam
Pedro. Pedro teria pensado que os judeus cristãos tradicionais de Jerusalém
poderiam criticá-lo? Se isto aconteceu, ele teve muitas testemunhas para
corroborar a história que estava contando. Talvez os seis homens tenham
acrescentado o seu entusiasmado testemunho a respeito do maravilhoso
derramamento do Espírito na casa de Cornélio.
Pedro fez um adendo significativo
ao relato de Cornélio a respeito da sua visão (cf. 10.32). Ele mencionou
que o centurião havia dito que o anjo lhe ordenara que mandasse buscar a
Pedro, o qual te dirá palavras com que te salves, tu e toda a tua
casa (14). AdamClarke interpreta isto como querendo dizer:
"Ele anunciará a você toda a doutrina da salvação". O fato de que
Pedro interpretou a sua missão como sendo a de dizer a Cornélio como ser salvo
está evidente pelo seu discurso na casa do centurião (10.34-43). Ele apresentou
os fundamentos elementares da experiência cristã pregando a crucificação, a
ressurreição e o julgamento. As suas palavras finais foram: "A este dão
testemunho todos os profetas, de que todos os que nele crêem receberão o perdão
dos pecados pelo seu nome" (10.43). O que Pedro estava pregando era o
perdão através da fé em Jesus Cristo. Obviamente, ele entendia que era disto
que Cornélio e seus amigos precisavam.
Como podemos explicar, então, a
afirmação: E, quando comecei a falar, caiu sobre eles o Espírito Santo,
como também sobre nós ao princípio (15)? Isto é, as pessoas na
casa de Cornélio tiveram a mesma experiência que os 120 discípulos no Dia de
Pentecostes. Este pode ter sido o primeiro sermão de salvação que abriu os
corações para o dom do Espírito Santo, mas certamente não foi o último. Talvez
a explicação que está mais de acordo com as Escrituras seja: enquanto
Pedro estava apenas começando o seu sermão (quando comecei a
falar) os seus ouvintes creram, nos seus corações, em Jesus
Cristo, e sentiram a conversão evangélica — como aconteceu com
John Wesley quando estava em uma reunião
em Aldersgate Street, na noite de 24 de maio de 1738. Então, como
seus corações estavam completamente abertos para toda a vontade de Deus,
aqueles ouvintes que tinham caminhado devotamente à luz do judaísmo (10.2) e
agora aceitavam a Cristo foram subitamente cheios do Espírito Santo. Esta
reconstrução do que aconteceu não ignora nem suprime quaisquer afirmações do
relato bíblico.
Pedro prosseguiu contando aos seus
críticos em Jerusalém: E lembrei-me do dito do Senhor, quando disse:
João certamente batizou com água, mas vós sereis batizados com o Espírito
Santo (16). Esta é uma citação de 1.5. Nos Evangelhos, é João Batista
que é mencionado como tendo dito estas palavras, mas o livro de Atos indica que
Jesus as repetiu.
Pedro concluiu a sua defesa
fazendo uma pergunta que definitivamente silenciou os seus críticos. Ele
disse: Portanto, se Deus lhes deu o mesmo dom que a nós, quando cremos
no Senhor Jesus Cristo, quem era, então, eu, para que pudesse resistir a Deus?(17)
Para isto, não havia uma resposta possível. Quando os judeus cristãos ouviram a
conclusão de Pedro, apaziguaram-se e glorificaram a Deus, dizendo: Na
verdade, até aos gentios deu Deus o arrependimento para a vida (18).
Para eles, este era um fato surpreendente, que eles foram obrigados a aceitar.
Algumas das implicações da salvação dos gentios seriam discutidas mais tarde,
no Concilio de Jerusalém (cap. 15), mas uma vitória importante foi conseguida
aqui.
Bibliografia R. Earle,COMENTARIO
DO NOVO TESTAMENTO.
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PAZ DO SENHOR
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