Apóstolo: Do gr. apostolos, enviado.
A partir da lição desta
semana estudaremos os Dons Ministeriais distribuídos por Deus
à sua Igreja, objetivando desenvolver o caráter cristão da comunidade dos
santos, tornando-o semelhante ao de Cristo (Ef 4.13). De acordo com as
epístolas aos Efésios e aos Coríntios, são cinco os dons ministeriais
concedidos por Deus à Igreja: apóstolos, profetas,evangelistas, pastores e doutores (1Co
12.27-29). Veremos o quanto esses ministérios são necessários à vida da igreja
local para cumprir a missão ordenada pelo Senhor ante o mundo e,
simultaneamente, crescer “na graça e conhecimento de nosso Senhor e Salvador
Jesus Cristo” (2Pe 3.18). Mostrando a sequência de Efésios 4.11, iniciaremos o
estudo pelo dom ministerial de apóstolo.
I. O COLÉGIO APOSTÓLICO
1. O termo “apóstolo”. O Dicionário Bíblico
Wycliffe informa que o termo grego apostolos origina-se
do verboapostellein, que significa “enviar”, “remeter”. A palavra
apóstolo, portanto, significa “aquele que é enviado”, “mensageiro”,
“oficialmente comissionado por Cristo”. Ao longo do Novo Testamento, o
verdadeiro apóstolo é enviado por Cristo igualmente como o Filho foi enviado
pelo Pai com a missão de salvar o pecador com autoridade, poder, graça e amor.
O verdadeiro apostolado baseia-se na pessoa e obra de Jesus, o Apóstolo por
excelência (Hb 3.1).
2. O colégio apostólico. Entende-se por colégio apostólico
o grupo dos doze primeiros discípulos de Jesus convidados por Ele a auxiliarem
o seu ministério terreno. O Salvador os separou e nomeou. Os primeiros
escolhidos não eram homens perfeitos, mas foram vocacionados a levar a mensagem
do Evangelho a todo o mundo (Mt 28.19,20; Mc 16.15-20). De acordo com Stanley
Horton, eles foram habilitados a exercer “o ministério quando do
estabelecimento da Igreja” (At 1.20,25,26). Em outras palavras, os doze
apóstolos constituíram a base ministerial para o desenvolvimento e a expansão
da Igreja no mundo. Mas antes, como nos mostra a Palavra de Deus, receberam o
batismo com o Espírito Santo (Lc 24.49; At 1.8; 2.1-46).
3. A singularidade dos
doze. Aqui é importante
ressaltar que o apostolado dos doze tem uma conotação bem singular em relação
aos demais encontrados em Atos e também nas epístolas paulinas.
a) Eles foram convocados
pessoalmente pelo Senhor. Multidões
seguiam Jesus por onde Ele passava (Mt 4.25), e muitos se tornavam seguidores
do Mestre. Mas para iniciar o trabalho da Grande Comissão, apenas doze foram
convocados pessoalmente por Ele (Mt 10.1; Lc 6.13).
b) Andaram com Jesus
durante todo o seu ministério. Desde o batismo do Senhor até a crucificação, os doze andaram com o
Mestre, aprenderam e conviveram com Ele (Mc 6.7; Jo 6.66-71; At 1.21-23).
c) Receberam autoridade
do Senhor (Jo 20.21-23). Os
doze receberam de Jesus um mandato especial para prosseguirem com a obra de
evangelização. Eles foram revestidos de autoridade de Deus para expulsar os
demônios, curar os enfermos e pregar o Evangelho à humanidade (Mc 16.17,18; cf.
At 2.4).
O APÓSTOLO PAULO
1. Saulo e sua conversão. Saulo foi um judeu de cidadania
romana, educado “aos pés de Gamaliel”, e também um importante mestre do
judaísmo (At 22.3,25). Ele era intelectual, fariseu e foi perseguidor dos
cristãos. Entretanto, a caminho de Damasco, em busca dos cristãos que haviam
fugido devido à perseguição em Jerusalém, e com carta de autorização para
prendê-los, Saulo teve uma experiência com o Cristo ressurreto (At 9.1-22). A
sua vida foi inteiramente transformada a partir desse encontro pessoal com
Jesus. De perseguidor, passou a perseguido; de Saulo, o fariseu, a Paulo, o
apóstolo dos gentios.
2. Um homem preparado
para servir. Dos vinte e sete
livros do Novo Testamento, treze foram escritos pelo apóstolo Paulo. Quão
grande tratado teológico encontramos em sua Epístola aos Romanos! O seu legado
teológico foi grandioso para o cristianismo. Mas para além da intelectualidade
teológica, o apóstolo dos gentios levou uma vida de sofrimento por causa da
pregação do Cristo ressurreto. Eis a declaração apostólica que denota tal
verdade: “Combati o bom combate, acabei a carreira, guardei a fé” (2Tm 4.7).
3. “O menor dos
apóstolos”. O apóstolo Paulo não
pertencia ao colégio dos doze. Ele não andou com Jesus em seu ministério
terreno nem testemunhou a ressurreição do Senhor — requisitos indispensáveis
para o grupo dos doze (At 1.21-23). Humildemente, o apóstolo reconheceu que não
merecia ser assim chamado, pois considerava-se um “abortivo”, como que nascido
fora de tempo, o menor de todos (1Co 15.8,9). Entretanto, o Senhor se revelou a
ele ressurreto (At 9.4,5) e ensinou-lhe todas as coisas. O apóstolo recebeu o
Evangelho diretamente do Senhor (Gl 1.6-24; 1Co 11.23). Embora o colégio
apostólico tenha reconhecido o apostolado paulino (Gl 2.6-10; 2Pe 3.14-16), as
igrejas plantadas por ele eram o selo do seu ministério apostólico (1Co 9.2).
APOSTOLICIDADE ATUAL (Ef
4.11)
1. Ainda há apóstolos? No sentido estrito do termo, e de
acordo com a sua singularidade, apóstolos como os doze não mais existem. A
Palavra de Deus diz que durante o milênio, os doze se assentarão sobre tronos
para julgar as doze tribos de Israel (Mt 19.28). Os seus nomes também estarão registrados
nos doze fundamentos da cidade santa (Ap 21.12-14). Logo, o colégio apostólico
foi formado por um grupo limitado de discípulos, não havendo, portanto, uma
sucessão apostólica.
2. Apóstolos fora dos
doze. A carta aos Efésios
apresenta a vigência do dom ministerial de apóstolo. O teólogo Stanley Horton
informa-nos que “o Novo Testamento indica que havia outros apóstolos que também
haviam sido dados como dons à Igreja. Entre estes se acham Paulo e Barnabé (At
14.4,14), bem como os parentes de Paulo, Andrônico e Júnia (Rm 16.7)”. Ao longo
do Novo Testamento, e no primeiro século da Igreja, o termo apóstolo recebeu um
significado mais amplo, de um dom ministerial distribuído à igreja local (Dicionário
Vine).
3. O ministério
apostólico atual. Não há sucessão
apostólica. Esta é uma doutrina formada pela igreja romana e, infelizmente,
copiada por algumas evangélicas para justificar a existência do poder papal. O
ministério dos doze não se repete mais. O que há é o ministério de caráter
apostólico. Atualmente, missionários enviados para evangelizar povos não
alcançados pelo Evangelho são dignos de serem reconhecidos como verdadeiros
apóstolos de Cristo. Homens como John Wesley, William Carey (cognominado “pai
das missões modernas”), Hudson Taylor, D. L. Moody, Gunnar Vingren, Daniel
Berg, “irmão André” e tantos outros, em tempos recentes, foram verdadeiros
desbravadores apostólicos. Cidades e até países foram impactados pela
instrumentalidade desses servos de Deus.
CONCLUSÃO
Nos moldes do colégio dos
doze, o ministério apostólico não existe atualmente. Entretanto, o dom
ministerial de apóstolo citado por Paulo em Efésios 4.11 está em plena
vigência. Pastores experimentados, evangelistas e missionários que desbravaram
os rincões do nosso país ou em países inimigos do Evangelho, são pessoas
portadoras desse dom ministerial. São os verdadeiros apóstolos da Igreja de
Cristo hoje.
“Jesus é o supremo Sumo
Sacerdote e Apóstolo (Hb 3.1). A palavra apóstolo era usada, no entanto, para
qualquer mensageiro nomeado e comissionado a algum propósito. Epafrodito foi um
mensageiro (apóstolo) nomeado pela igreja em Filipos e enviado a Paulo (Fp
2.25). Os companheiros de Paulo eram os mensageiros (apóstolos) enviados pelas
igrejas e por elas comissionados (2Co 8.23).
Os doze, apenas, eram
apóstolos específicos. Depois de uma noite em oração, Jesus os escolheu do meio
de um grupo de discípulos e os chamou apóstolos (Lc 6.13). Pedro recomendou que
os doze tinham um ministério e supervisão especiais (At 2.20,25,26),
provavelmente tendo em mente a promessa de que eles futuramente julgariam
(governariam) as 12 tribos de Israel (Mt 19.28). Sendo assim, nenhum apóstolo
foi escolhido, depois de Matias, para estar entre os doze. Nem foram nomeados
substitutos, quando estes foram martirizados. Na Nova Jerusalém há apenas 12
alicerces, com os nomes dos 12 apóstolos inscritos neles (Ap 21.14). Os doze,
portanto, eram um grupo limitado, e realizavam uma função especial na pregação,
no ensino e no estabelecimento da Igreja, além de testificar da ressurreição de
Cristo, com poder. Ninguém mais pode ser um apóstolo no sentido em que eles
foram” (HORTON, Stanley M. A Doutrina do Espírito Santo no Antigo e
Novo Testamento. 12 ed., RJ: CPAD, 2012, p.287).
“APÓSTOLO. Os apóstolos foram testemunhas oculares
das atividades de Jesus na terra e consequentemente testificaram que Jesus era
o Senhor ressurrecto (Lc 24.45-48; 1Jo 1.1-3). Os pré-requisitos para a
substituição apostólica nesta função única são dados em At 1.21,22. A lista de
apóstolos de Lucas (Lc 6.14-16; At 1.13) corresponde à lista dos doze dadas em
Mateus 10.2-4 e Marcos 3.16-19. Mateus lista os discípulos aos pares,
supostamente como enviados por Jesus. Tadeu (em Mateus e Marcos) era idêntico a
Judas o filho de Tiago (em Lucas). Pedro, Tiago e João formavam um círculo
íntimo dentre os doze, e estavam presentes no episódio da transfiguração (Mt
17.1-9; Mc 9.2-10; Lc 9.28-36) e no Getsêmani (Mt 26.36-46; Mc 14.32-42; Lc
22.39-46). Os doze foram selecionados para ser os companheiros de Jesus e
proclamar o Evangelho (Mc 3.14). Durante o ministério de Jesus, os doze
serviram como seus representantes, uma função compartilhada por outros (Lc
10.1).
Aparentemente, a posição
dos apóstolos não foi fixada permanentemente antes da ressurreição (Mt 19.28-30;
Lc 22.28-34; cf. Jo 21.15-18). O Cristo ressurreto fez deste grupo seleto de
testemunhas do seu ministério e ressurreição, apóstolos e testemunhas
permanentes de que Ele é o Senhor, os comissionou como missionários, os
instruiu a ensinar e batizar (Mt 28.18-20; Mc 16.15-18; Lc 24.46-48), e
completou o processo com o envio do Espírito Santo no Pentecostes (Lc 24.49; At
1.1-8; 2.1-13). No período inicial, os 12 apóstolos eram os únicos ensinadores
e líderes da igreja, e outros ofícios foram derivados deles (At 6.1-6; 15.4). O
apostolado não implicava em uma liderança permanente. Embora Pedro tenha
iniciado missões aos judeus (Atos 2) e aos gentios (At 10.1 — 11.18), Tiago o
substituiu como líder entre os judeus, e Paulo como líder entre os gentios.
Os membros da igreja são
sacerdotes, reis, servos de Deus e santos que usam seus dons para a edificação
da igreja como um todo (1Co 12.1-11; 1Pe 2.9; Ap 1.6; 5.8,10; 7.3) e, como os
apóstolos, são mediadores de Cristo (Mt 25.40,45; Mc 9.37; Lc 9.48) e reinarão
com Ele (Ap 3.21).
Os apóstolos, porém,
através do testemunho de sua palavra, sempre serão a norma e os arautos do
fundamento sobre o qual Cristo edifica a sua igreja (Ef 2.20; Ap 18.20; 21.14).
Os apóstolos são as primeiras dádivas de Cristo para a sua igreja (Ef 4.11) e
os ministros estabelecidos por Deus na igreja (1Co 12.28,29)” (PFEIFFER,
Charles F.; REA, John; VOS, Howard F. (Eds.). Dicionário Bíblico
Wydiffe. 1 ed., RJ: CPAD, 2009, p.162).
O Apóstolo
. A partir desta,
trataremos dos dons ministeriais relacionados em Efésios 4.11: apóstolos,
profetas, evangelistas, pastores e doutores. O primeiro dom listado por Paulo é
o de apóstolo, vamos começar nosso estudo por ele. A primeira indagação que, em
geral, fazemos quando estudamos a respeito deste dom ministerial é: “Ainda
existem apóstolos?” Primeiro precisamos da definição do vocábulo que significa
literalmente enviado. De certa forma, todos os crentes são enviados a pregar as
Boas-Novas.O colégio apostólico foi único. Ele foi formado por Jesus no momento
da escolha dos Doze que receberam o nome de enviados. Como homem perfeito,
Jesus tinha consciência de que não poderia realizar sua missão sozinho.Para ser
apóstolo, um dos requisitos era ter estado pessoalmente com Cristo. Atualmente,
de certa forma, todos que creem em Jesus e já tiveram um encontro com Ele são
apóstolos, pois Cristo, antes de ascender aos céus, declarou a todos os seus
discípulos: “Ide por todo o mundo” (Mc 16.15). A Igreja de Jesus tem uma missão
apostólica. O apóstolo é alguém enviado por Jesus Cristo com uma mensagem
especial, servos de Deus separados para uma missão específica, diferente dos
mestres, profetas e evangelistas. Estes receberam o dom ministerial, descrito
em Efésios 4.11. Podemos afirmar que os missionários são os apóstolos da
atualidade. O apostolado não é um título pomposo, especial, também não é um
cargo hierárquico. Ser apóstolo é ter uma missão específica a cumprir no Reino
de Deus.
O apóstolo Paulo — Paulo
teve sérios problemas com os crentes de Corinto, pois alguns não reconheciam o
seu apostolado. Por isso, ele inicia a primeira carta aos Coríntios,
declarando-se apóstolo de Jesus Cristo (1Co 1.1). Paulo enfatiza que seu
chamado se deu “pela vontade de Deus”. Os orgulhosos crentes de Corinto não
aceitavam o apostolado de Paulo pelo fato dele não ter feito parte do colégio
apostólico. Todavia, Paulo teve um encontro pessoal com Cristo no caminho de
Damasco (At 9). Este encontro mudou seu ser. A missão confiada a Paulo foi dada
pelo próprio Senhor Jesus (At 9.15). Os próprios coríntios eram a marca do
apostolado de Paulo. Ele declara isso em 1 Coríntios 9.2.
Apóstolo e servo —
Aprendemos com Paulo que ser apóstolo é ser um servo, um cooperador de Deus no
ministério da reconciliação (2Co 6.1). Quem deseja o dom ministerial de
apóstolo deve seguir os passos de Jesus, estando sempre pronto para servir e
não buscar ser servido.
Qualidades
de Paulo como missionário
1. Passando a verdade adiante (1TM
,vs. 1 e 2)
Tu, pois, filho meu, fortifica-te na
graça que está em Cristo Jesus. 2 E o que da minha parte ouviste, através de muitas testemunhas, isso mesmo
transmite a homens fiéis e também idôneos para instruir a outros.
O primeiro capítulo termina com a
pesarosa referência que Paulo fez à generalizada deserção dos cristãos na
província romana da Ásia (1: 15). Onesíforo e sua casa talvez tenham
sido a única exceção. Agora Paulo insta com Timóteo para que ele se mantenha
firme, em meio à debandada geral. Esta é a primeira de uma série de exortações
similares na carta, que começam com su ounou su de, "tu,
pois" ou "mas tu", ordenando que Timóteo resista a várias coisas
predominantes naquela época. Timóteo fora chamado a exercer uma responsável
liderança na Igreja, não somente a despeito de sua inata falta de confiança em
si mesmo, mas ainda na mesma área onde a autoridade do apóstolo estava sendo
repudiada. É como se Paulo lhe dissesse: "Não te importes com o que
outras pessoas possam estar pensando, dizendo ou fazendo. Não te importes com
a fraqueza e a timidez que talvez estejas sentindo. Quanto a ti, Timóteo,
sê forte!"
É claro que esta exortação, se tivesse
parado aí, teria sido inútil, até mesmo absurda. Dizer a alguém tão
tímido como Timóteo para ser forte seria o mesmo que mandar um caracol ser
ligeiro ou exigir que um cavalo voasse. Mas o apelo de Paulo à firmeza tem um
caráter cristão, nãoestóico. Não é uma exigência de que Timóteo seja forte em
si mesmo, demonstrando isso rosnando e batendo no peito, mas de que "seja
fortalecido interiormente"( A melhor tradução seria
"sê fortalecido na graça", com o verbo no passivo simples (Ellicot,
p.121), conquanto possa estar no imperativo reflexivo: "fortifica-te
(interiormente)" como está na ERAB. O mesmo verbo ocorre na voz passiva
em Ef 6:10 e na ativa em Fp 4:13 e 2 Tm 4:17.) por meio da
"graça" que está em Cristo Jesus". Isto significa que Timóteo
deve procurar recursos para o seu ministério não em sua própria natureza, mas
na de Cristo. Não dependemos da graça somente para a salvação (1:9), mas também
para o serviço.
Paulo prossegue indicando o tipo de
ministério para o qual Timóteo terá de fortalecer-se pela graça de Cristo. Até
aqui Timóteo foi exortado a conservar a fé e a guardar o depósito (1: 13,
14). Contudo, deve fazer mais do que preservar a verdade, deve passá-la
adiante. Assim como a deslealdade da Igreja na Ásia tornava imperativo que
Timóteo guardasse a verdade com lealdade, assim também a iminente morte do
apóstolo tornava imperativo que Timóteo tomasse providências para legar a
verdade intacta à geração seguinte. Nesta transmissão da verdade, de mão em
mão, Paulo divisa quatro estágios.
Primeiramente, a fé fora confiada a
Paulo por Cristo. Por isso é que ele a chamou de "meu depósito" (1:
12). Ela lhe pertence por depósito, não por invenção. Sendo apóstolo de Jesus
Cristo, Paulo insiste em que o seu evangelho não é um "evangelho de
homens", mesmo que ele o tenha formulado, e outros também. É que não tem
base simplesmente na tradição humana. Pelo contrário, assim pôde escrever
". . . não o recebi, nem aprendi de homem algum, mas mediante revelação de
Jesus Cristo" (Gl 1:11,12).
Em segundo lugar, o que por Cristo fora
confiado a Paulo, este por sua vez o confiou a Timóteo. Assim "o meu
depósito" (1:12) passa a ser virtualmente "o bom depósito"
(v.14); ou seja, o que fora confiado a Paulo é agora a verdade que é confiada a
Timóteo. Este depósito consiste em certas "sãs palavras", que Timóteo
ouvira dos lábios do próprio Paulo. A exata expressão "que de mim
ouviste" (1: 13, par' emou êkousas) repete-se
em 2: 2, tendo agora a referência de que Timóteo a ouvira "através de
muitas testemunhas". O tempo aorístico parece referir-se não a
uma única ocasião em que Timóteo tivesse ouvido o ensino do apóstolo,
como por exemplo no dia do seu batismo ou de sua ordenação ao ministério,
mas sim à totalidade de suas instruções através dos anos. E a referência às
"muitas testemunhas" mostra que a fé apostólica não era uma tradição
secreta, transmitida particularmente a Timóteo (tal era o ensino dos
gnósticos), ficando a sua autenticidade sem provas, mas era uma pública
instrução, cuja verdade era garantida pelas muitas testemunhas que, tendo-a
ouvido, podiam então conferir o ensino de Timóteo com o do apóstolo.
Esta declaração de Paulo tornou-se
importante no século seguinte, quando o gnosticismo cresceu e se espalhou. Por
exemplo, no capítulo 25 de sua obra Prescrições
contra os Heréticos(200 d.C), Tertuliano de Cartago escreveu
especialmente contra os gnósticos, que diziam terem recebido, só eles,
revelações particulares, e também possuírem tradições secretas herdadas dos
apóstolos. Ele não aceita que os apóstolos tivessem "confiado algumas
coisas abertamente a todos e algumas coisas a uns poucos, secretamente".
Porque (assim discorre), em apelando a Timóteo para que "guarde o
depósito" não há alusão a uma doutrina secreta, mas a uma ordem para não
admitir qualquer outra doutrina, a não ser a que ouvira do próprio apóstolo publicamente
("entre muitas testemunhas"), como ele diz.
Em terceiro lugar, o que Timóteo ouviu
de Paulo, deve agora "confiá-lo a homens fiéis", os quais seriam
certamente encontrados num remanescente dentre os muitos desertores da Ásia.
Os homens que Paulo tinha em mente deveriam ser primeiramente ministros da
palavra, cuja função principal é ensinar; e anciãos cristãos, com a
responsabilidade de, à semelhança dos anciãos judeus na sinagoga, preservar a
tradição. Tais anciãos cristãos são "despenseiros de Deus", como
Paulo há pouco escrevera a Tito (1: 7), porque tanto a família de Deus
como a verdade de Deus lhes foram confiadas. E o requisito fundamental
para os despenseiros é a fidelidade (1 Co 4: 1, 2). Devem ser "homens
fiéis".
Em quarto lugar, tais homens devem
pertencer àquela classe de homens (como o relativo hoitinesdeveria ser
traduzido) que sejam "também idôneos para instruir a outros". A
habilidade ou competência que Timóteo deve procurar em tais homens será
traduzida, em parte, pela integridade ou lealdade de caráter, já referidas, e
em parte pela capacidade de ensinar. Eles devem ser didaktikoi, "aptos
para ensinar", palavra usada por Paulo em relação aos candidatos ao
ministério em 1 Tm 3: 2, e empregada de novo mais adiante, neste
mesmo capítulo (2:24).
Aqui estão, pois, os quatro estágios na
transmissão da verdade, destacados por Paulo: de Cristo a Paulo, de
Paulo a Timóteo, de Timóteo a "homens fiéis", e de
"homens fiéis" a "outros". Esta é a verdadeira
"sucessão apostólica". Tal sucessão dependeria de homens, de uma
série de "homens fiéis", mas essa sucessão dos apóstolos refere-se
mais à mensagem em si do que aos homens que a ensinem. Deve ser antes uma
sucessão da tradição apostólica do que de autoridade, de sequência ou de
ministério apostólicos. Deve ser uma transmissão da doutrina dos apóstolos,
deles recebida sem distorções pelas gerações posteriores, passada de mão em mão
como a tocha olímpica. Esta tradição apostólica, "o bom depósito", é
hoje encontrada no Novo Testamento. Falando de maneira ideal, os termos
"Escritura" e "tradição" deveriam ser sinônimos, pois
o que a Igreja transmite de geração em geração deveria ser a fé bíblica, nada
mais e nada menos. E a fé bíblica é a fé apostólica.
No restante deste segundo capítulo de sua
carta, Paulo prossegue abordando o ministério do ensino, ao qual Timóteo foi
chamado, Como ilustração, Paulo faz uso de seis vividas metáforas.As
três primeiras são suas imagens favoritas: o soldado, o atleta,
e o lavrador. Em cartas anteriores ele já fizera uso delas, em
várias ocasiões, para salientar muitas verdades. Aqui todas elas enfatizam
que a obra de Timóteo exigirá vigor, envolvendo tanto labuta quanto
sofrimento.
2. Metáfora 1: o soldado dedicado (vs. 3,4)
Participa dos meus sofrimentos, como um
bom soldado de Cristo Jesus. 4Nenhum soldado em serviço se
envolve em negócios desta vida, porque o seu objetivo é satisfazer àquele que o
arregimentou.
As experiências como prisioneiro deram
a Paulo ampla oportunidade de observar os soldados romanos e de meditar no
paralelo existente entre o soldado e o cristão. Em cartas anteriores, Paulo
referiu-se à guerra com principados e potestades, na qual o cristão está
envolvido; referiu-se à armadura que deve vestir e as armas que deve usar (Ef 6:
10ss; 1 Tm 1: 18; 6: 12; 2 Co 6: 7; 10: 3-5; cf. Rm 6: 13-14). Mas aqui o bom
soldado de Jesus Cristo é assim chamado por ser um homem dedicado, que mostra
sua dedicação por se achar sempre disposto a sofrer e estando permanentemente
em guarda. Os soldados em serviço não contam com segurança e facilidade. Pelo
contrário, dureza, riscos e sofrimento são aceitos sem contestação. É como
Tertuliano expressou em seu livro Address to Martyrs (Palavra
aos Mártires): "Nenhum soldado vai à guerra cercado de luxúrias, nem vai à
batalha deixando um quarto confortável, mas sim uma tenda estreita e
provisória, em que há muita dureza, severidade e desconforto". De igual
modo, o cristão não deve esperar dias fáceis. Se for fiel ao evangelho,
certamente experimentará oposição e escárnio. Ele deverá sofrer em conjunto
com seus companheiros de armas.
O soldado deve sempre se achar disposto
a se concentrar no exército, e também a sofrer. Quando em serviço ativo,
"não se embaraça em negócios". Ao contrário, liberta-se dos afazeres
de natureza civil, a fim de dedicar-se às armas, satisfazendo assim aos seus
oficiais superiores, ou "estando inteiramente à disposição de seu oficial
comandante". Na expressão de E. K. Simpson, "o espetáculo da
disciplina militar fornece uma grande lição de comprometimento".
Assim, na Segunda Guerra Mundial, com frequência se dizia, com um sorriso bem
significativo: "estamos em guerra". Era uma palavra de alerta,
suficiente para justificar toda austeridade, auto renúncia ou
abstenção de atividades irrelevantes, em vista da situação de emergência do
momento.
O cristão, que deve viver neste mundo e
não se alienar dele, não pode, certamente, esquivar-se das comuns obrigações de
seu lar, de seu local de trabalho e de sua comunidade. É verdade que, como
cristão, ele deve estar sobremodo consciente do seu dever de bem cumpri-las e
não evadir-se delas. Nem deve esquecer-se também do que Paulo relembrou a
Timóteo em sua primeira carta, ao dizer que "tudo o que Deus criou é bom
e, recebido com ações de graça, nada é recusável. . ." e que
"Deus tudo nos proporciona unicamente para nosso aprazimento" (1 Tm
4: 4; 6: 17). Assim, o que se proíbe ao bom soldado de Cristo não são as
atividades "seculares", nem "os envolvimentos em negócios desta
vida" que, mesmo sendo perfeitamente inocentes, o impeçam de lutar as
batalhas de Cristo. Este conselho aplica-se especialmente ao pastor ou ministro
cristão. Ele é chamado a dedicar-se ao ensino e ao cuidado do rebanho de
Cristo; e há outras passagens, além desta, que o advertem a, se possível, não
tomar a carga adicional de prover o seu sustento com algum emprego
"secular".
É fato que o próprio apóstolo proveu
amiúde o seu próprio sustento, confeccionando tendas; não obstante, ele deixa
claro que em seu caso a razão era pessoal e excepcional, ou seja, para que
pudesse propor "de graça o evangelho", e assim não criar "qualquer
obstáculo ao evangelho de Cristo" (1 Co 9: 12, 18). Ele ainda
vindicou o princípio, para si mesmo e para todo ministro, por ordem do Senhor,
de que os que pregam o evangelho devem viver do evangelho (1 Co 9:
14). De fato, a sua óbvia expectativa era esta a regra geral, e
isto precisa ser lembrado em dias como os nossos, quando ministérios
"auxiliares", "suplementares" e de tempo parcial têm
aumentado em número, ficando o pastor com seus negócios ou com sua profissão,
exercendo o seu ministério com o tempo que sobra. Não se pode dizer que tais
ministérios estejam em oposição às Escrituras; contudo é difícil
conciliá-los com a determinação apostólica de evitar os envolvimentos em negócios desta vida.
A liturgia para a ordenação de presbíteros da Igreja Anglicana exorta os
candidatos com as seguintes palavras: "Atentai para o zelo que deveis
ter na leitura e no ensino das Escrituras. . . e por esta mesma causa
deveis renunciar e deixar de lado (tanto quanto possível) todos os cuidados e
zelos mundanos, . . . entregai-vos inteiramente a este ofício, . . .
aplicai-vos inteiramente a esta causa e dirigi todos os vossos esforços neste
sentido".
A aplicação de tal versículo não é
somente restrita a pastores. Cada cristão é, num certo grau, um soldado de
Cristo, ainda que seja tímido como Timóteo. Não importando qual seja o
nossotemperamento, não podemos evitar o conflito cristão. Se queremos ser
bons soldados de Cristo, devemos dedicar-nos à batalha, comprometendo-nos com
uma vida de disciplina e de sofrimento, e evitando tudo o que possa nos
"envolver" e assim nos desviar do seu propósito.
3. Metáfora 2: o atleta sujeito às
regras (v.5)
Igualmente o atleta não é coroado, se
não lutar segundo as normas.
Agora Paulo desvia os seus olhos da
imagem do soldado romano para a do competidor nos jogos gregos. Em nenhuma
competição atlética do mundo antigo (assim como hoje também) o competidor dava
uma demonstração de força ou de habilidade ao acaso. Cada esporte tinha as suas
regras para a competição, e às vezes também para o treino preparatório.
Cada prova também tinha o seu prêmio, e
os prêmios conferidos aos jogos gregos não eram medalhas de ouro ou troféus de
prata, e sim coroas de ouro. Contudo, nenhum atleta era "coroado" se
não tivesse competido "de acordo com as regras", mesmo que o seu
desempenho tivesse sido brilhante. "Fora do regulamento não há
prêmio", essa era a palavra de ordem!
A vida cristã é geralmente comparada,
no Novo Testamento, a uma corrida, não no sentido de estarmos competindo uns
com os outros (conquanto tenhamos que "preferir em honra uns aos outros"
— Rm 12: 10), mas no sentido da severa autodisciplina do treinamento (1 Co
9: 24-27), no sentido de que devemos nos desembaraçar de todo peso morto (Hb
12: 1-2) e, especialmente nesta passagem, no sentido de que devemos observar as
regras.
Devemos correr a corrida cristã nominös, "segundo
as leis". A despeito do estranho ensino da assim chamada "nova
moral", que insiste em que a lei foi abolida por Cristo, o cristão acha-se
sob a obrigação de viver "segundo a lei", de guardar as regras, de
obedecer as leis morais de Deus. De fato, ele não está "debaixo
da lei", como meio de salvação, que o aprova ou o recomenda perante Deus,
antes ela lhe serve como guia de conduta. Ao invés de abolir a lei, Deus
enviou o seu Filho para morrer por nós a fim de que o preceito da lei se
cumprisse em nós", e agora envia o seu Espírito para morar em nós e escrever
a sua lei em nossos corações! (Rm 8: 3-4, Jr 31: 33). Além disso não pode haver
de outro modo, não porque nossa obediência à lei poderia nos justificar, mas
sem a lei damos evidência de nunca termos sido justificados.
O contexto mostra que competir "de
acordo com as regras" tem uma aplicação mais vasta do que à que
se refere à nossa conduta moral. Paulo está descrevendo o serviço cristão, não
somente a vida cristã. Parece estar dizendo que os prêmios pelo serviço
dependem da fidelidade. O mestre cristão deve ensinar a verdade, construindo
com materiais sólidos sobre o fundamento que é Cristo, se quer que a sua obra
permaneça e não seja consumida pelo fogo (cf, 1 Co 3: 10-15). Assim,
Timóteo deve confiar o depósito a homens fiéis. Somente se ele, como Paulo,
perseverar até a fim, combatendo também o bom combate, completando a carreira
e guardando a fé, somente assim poderá ele esperar receber, no último dia, a
mais desejável de todas as coroas: "a coroa da justiça" (2 Tm 4:7-8).
4. Metáfora 3: o lavrador diligente (v.6)
O lavrador que trabalha deve ser o
primeiro a participar dos frutos.
Tendo o atleta de competir com
honestidade, o lavrador, por sua vez, tem de trabalhar arduamente. O sucesso na
lavoura só é conseguido com muito trabalho. Isso é verdade particularmente em
países em desenvolvimento, antes de se ter as técnicas da mecanizaçãomoderna.
Em tais circunstâncias, o sucesso da exploração agrícola depende tanto do
suor como da habilidade. Mesmo sendo o solo pobre, o tempo inclemente, ou estando
o lavrador indisposto, este deve permanecer em seu trabalho. Uma vez
posta a mão no arado, não há que olhar para trás. O
Rev. Moule escreve sobre a "extenuante e prosaica labuta"
do agricultor. Ao contrário do soldado e do atleta, a vida do agricultor é
"totalmente desprovida de emoção, distante de toda fascinação decorrente
do perigo e do aplauso".
Contudo, a primeira parte da colheita
pertence ao lavrador que trabalha. É seu direito. A boa produção deve-se mais a
seu esforço e perseverança do que a qualquer outro fator. É por isso mesmo que
o preguiçoso jamais será um bom agricultor, como ressalta o livro de
Provérbios. Ele sempre porá a perder sua colheita, talvez por dormir quando
deveria esta colhendo, talvez por ter sido pouco ativo no lavrar a terra no
outono anterior, ou talvez por permitir que os seus campos se cubram de urtigas
e espinhos (Pv 10: 5; 20:4; 24: 30-31).
A que espécie de colheita se refere o
apóstolo? Duas interpretações apresentam maiores evidências bíblicas.
Primeira, a santidade como colheita.
Verdadeiramente, a santidade é "fruto (ou colheita) do Espírito",
sendo que o próprio Espírito é o principal agricultor, que produz uma boa safra
de qualidades cristãs na vida do cristão. No entanto, nós também temos que
fazer a nossa parte. Temos de "andar no Espírito" e "semear no
Espírito" (Gl 5: 6; 6: 8), seguindo os seus impulsos e disciplinando-nos,
para fazermos a colheita da santidade. Muitos cristãos surpreendem-se por não
verificarem, em suas vidas, crescimento na santidade. Será que estamos
negligenciando o cultivo desse campo que é o nosso caráter? "Pois aquilo
que o homem semear, isso também ceifará" (Gl 6: 7). Como o Rev. Ryle
enfatiza repetidas vezes em seu notável livro Santidade: "não há prêmio sem
esforço". Por exemplo:
"Jamais abandonarei a minha
convicção de que não há progresso espiritual sem esforços. Não creio no
sucesso de um agricultor que se contenta em apenas semear os seus campos,
abandonando-os em seguida até a colheita, assim como não creio ser possível
que um crente alcance muita santidade sem ser diligente em sua leitura bíblica,
em suas orações e no bom uso dos seus domingos. Nosso Deus é um Deus que se
importa com os meios, e nunca abençoará a alma de quem se julga ser tão
elevado e espiritual a ponto de achar que pode progredir sem eles".
Na expressão de Paulo, "o lavrador
que trabalha deve ser o primeiro a participar dos frutos". E a santidade
é uma colheita.
A segunda interpretação é que a
conquista de conversões é também uma colheita. "A seara na verdade é
grande", disse Jesus referindo-se aos muitos que esperam por ouvir e
receber o evangelho (Mt 9: 37; cf. Jo 4: 35; Rm 1:13). Nesta seara é
claro que "é Deus quem dá o crescimento" (1 Co 3: 6-7), mas
ainda assim não temos a liberdade de ficar à toa. Não só isso, mas tanto a
semeadura da boa semente da Palavra de Deus como a colheita são trabalhos
duros, especialmente quando há poucos trabalhadores. Com muito custo almas são
ganhas para Cristo, não com a engenhosa e automática aplicação de uma fórmula,
mas com lágrimas, suor e dores, e especialmente com oração e sacrifícios.
Novamente, o "lavrador que trabalha" é que pode esperar obter bons
resultados.
Este ponto de que o serviço cristão é
um trabalho árduo é hoje tão impopular em certos círculos de cristãos festivos
que sinto ser necessário sublinhá-lo com vigor. Já mencionei que o verbo
significa "labutar,
mourejar". Arndt e Gingrich apontam que, antes de
tudo, o sentido é o de "cansar-se, fatigar-se", ou seja,
"trabalhar arduamente, exaurindo todas as forças com o trabalho pesado;
empenhar-se, esforçar-se". Tanto o substantivo Kopos como o
verbo kopiaö foram
termos favoritos de Paulo, e talvez nos seja salutar saber que ele cria ser
necessário ao serviço cristão tão grande empenho.
Depreende-se que esse verbo pode ser
empregado com referência ao trabalho manual, e Paulo aplicou-o ao seu serviço
de confeccionar tendas. "E nos afadigamos", ele escreveu, "trabalhando
com as nossas próprias mãos" (1 Co 4: 12; cf. Ef 4: 28; 1 Ts 4: 11).
Mas, em seu modo de ver, o trabalho espiritual envolvia também muito esforço.
Ele reconhecia de imediato a dedicação das pessoas, tendo enviado saudações
especiais no final de sua carta aos Romanos, "a Maria que muito
trabalhou por vós" e "à estimada Pérside, que também muito
trabalhou no Senhor" (Rm 16:6, 12b). Não que dos outros
Paulo esperasse mais do que ele próprio podia dar de si mesmo. Suas
labutas pelo evangelho eram fenomenais. Ele podia escrever sobre
"trabalhos, vigílias, jejuns" porque, assim como fora o seu Mestre
antes dele, não poucas vezes as suas atividades sobrepujavam a sua necessidade
de comer e dormir. Por isso mesmo é que pôde reivindicar em relação aos outros
apóstolos: "trabalhei muito mais do que todos eles" (2 Co 6: 5;
1 Co 15: 10; cf. Gl 4: 11; Fp 2: 16). Se instássemos com ele sobre a
natureza de sua lida, creio que ele nos responderia em termos de duas
prioridades apostólicas: "oração e. . . ministério da palavra"
(At 6: 4), já que aludiu em sua primeira carta a Timóteo aos seus anciãos
"que se afadigam na palavra e no ensino" (1 Tm 5: 17), e aos
colossenses descreveu a sua labuta com as palavras "esforçando-me o mais
possível, segundo a sua eficácia que opera eficientemente em mim" (Cl 1:
29 - 2: 1; 1 Tm 4: 10), num contexto que parece referir-se à luta em oração a
que se entregara em favor dos colossenses.
A bênção de Deus foi abundante no
ministério do apóstolo Paulo. Não há dúvida que a este respeito muitas
explicações poderiam ser dadas. Mas até que ponto consideramos essa
bênção decorrente do zelo e do interesse, da quase obsessiva devoção com que
Paulo se entregava ao trabalho? Ele se dava ao trabalho sem pensar no que isso
lhe custava; lutava sem dar atenção às feridas; trabalhava sem procurar
descansar; servia sem procurar pela recompensa, a não ser o gozo de fazer a
vontade do seu Senhor. E Deus fazia prosperar os seus esforços. Mais uma
vez, "o lavrador que trabalha deve ser o primeiro a participar dos
frutos". Bibliografia John R. W. Stott
Qualidades de Paulo como
missionário
1. Passando a verdade adiante (1TM ,vs. 1 e 2)
Tu, pois, filho meu, fortifica-te na
graça que está em Cristo Jesus. 2 E o que da minha parte ouviste, através de muitas testemunhas, isso mesmo transmite
a homens fiéis e também idôneos para instruir a outros.
O primeiro capítulo termina com a
pesarosa referência que Paulo fez à generalizada deserção dos cristãos na
província romana da Ásia (1: 15). Onesíforo e sua casa talvez tenham
sido a única exceção. Agora Paulo insta com Timóteo para que ele se mantenha
firme, em meio à debandada geral. Esta é a primeira de uma série de exortações
similares na carta, que começam com su ounou su de, "tu,
pois" ou "mas tu", ordenando que Timóteo resista a várias coisas
predominantes naquela época. Timóteo fora chamado a exercer uma responsável
liderança na Igreja, não somente a despeito de sua inata falta de confiança em
si mesmo, mas ainda na mesma área onde a autoridade do apóstolo estava sendo
repudiada. É como se Paulo lhe dissesse: "Não te importes com o que
outras pessoas possam estar pensando, dizendo ou fazendo. Não te importes com
a fraqueza e a timidez que talvez estejas sentindo. Quanto a ti, Timóteo,
sê forte!"
É claro que esta exortação, se tivesse
parado aí, teria sido inútil, até mesmo absurda. Dizer a alguém tão
tímido como Timóteo para ser forte seria o mesmo que mandar um caracol ser
ligeiro ou exigir que um cavalo voasse. Mas o apelo de Paulo à firmeza tem um
caráter cristão, nãoestóico. Não é uma exigência de que Timóteo seja forte em
si mesmo, demonstrando isso rosnando e batendo no peito, mas de que "seja
fortalecido interiormente"( A melhor tradução seria
"sê fortalecido na graça", com o verbo no passivo simples (Ellicot,
p.121), conquanto possa estar no imperativo reflexivo: "fortifica-te
(interiormente)" como está na ERAB. O mesmo verbo ocorre na voz passiva
em Ef 6:10 e na ativa em Fp 4:13 e 2 Tm 4:17.) por meio da
"graça" que está em Cristo Jesus". Isto significa que Timóteo deve
procurar recursos para o seu ministério não em sua própria natureza, mas na de
Cristo. Não dependemos da graça somente para a salvação (1:9), mas também para
o serviço.
Paulo prossegue indicando o tipo de
ministério para o qual Timóteo terá de fortalecer-se pela graça de Cristo. Até
aqui Timóteo foi exortado a conservar a fé e a guardar o depósito (1: 13,
14). Contudo, deve fazer mais do que preservar a verdade, deve passá-la
adiante. Assim como a deslealdade da Igreja na Ásia tornava imperativo que
Timóteo guardasse a verdade com lealdade, assim também a iminente morte do
apóstolo tornava imperativo que Timóteo tomasse providências para legar a
verdade intacta à geração seguinte. Nesta transmissão da verdade, de mão em
mão, Paulo divisa quatro estágios.
Primeiramente, a fé fora confiada a
Paulo por Cristo. Por isso é que ele a chamou de "meu depósito" (1:
12). Ela lhe pertence por depósito, não por invenção. Sendo apóstolo de Jesus
Cristo, Paulo insiste em que o seu evangelho não é um "evangelho de homens",
mesmo que ele o tenha formulado, e outros também. É que não tem base
simplesmente na tradição humana. Pelo contrário, assim pôde escrever
". . . não o recebi, nem aprendi de homem algum, mas mediante revelação de
Jesus Cristo" (Gl 1:11,12).
Em segundo lugar, o que por Cristo fora
confiado a Paulo, este por sua vez o confiou a Timóteo. Assim "o meu
depósito" (1:12) passa a ser virtualmente "o bom depósito"
(v.14); ou seja, o que fora confiado a Paulo é agora a verdade que é confiada a
Timóteo. Este depósito consiste em certas "sãs palavras", que Timóteo
ouvira dos lábios do próprio Paulo. A exata expressão "que de mim
ouviste" (1: 13, par' emou êkousas) repete-se
em 2: 2, tendo agora a referência de que Timóteo a ouvira "através de
muitas testemunhas". O tempo aorístico parece referir-se não a
uma única ocasião em que Timóteo tivesse ouvido o ensino do apóstolo,
como por exemplo no dia do seu batismo ou de sua ordenação ao ministério,
mas sim à totalidade de suas instruções através dos anos. E a referência às
"muitas testemunhas" mostra que a fé apostólica não era uma tradição
secreta, transmitida particularmente a Timóteo (tal era o ensino dos
gnósticos), ficando a sua autenticidade sem provas, mas era uma pública
instrução, cuja verdade era garantida pelas muitas testemunhas que, tendo-a
ouvido, podiam então conferir o ensino de Timóteo com o do apóstolo.
Esta declaração de Paulo tornou-se
importante no século seguinte, quando o gnosticismo cresceu e se espalhou. Por
exemplo, no capítulo 25 de sua obra Prescrições
contra os Heréticos(200 d.C), Tertuliano de Cartago escreveu
especialmente contra os gnósticos, que diziam terem recebido, só eles,
revelações particulares, e também possuírem tradições secretas herdadas dos
apóstolos. Ele não aceita que os apóstolos tivessem "confiado algumas
coisas abertamente a todos e algumas coisas a uns poucos, secretamente".
Porque (assim discorre), em apelando a Timóteo para que "guarde o
depósito" não há alusão a uma doutrina secreta, mas a uma ordem para não
admitir qualquer outra doutrina, a não ser a que ouvira do próprio apóstolo
publicamente ("entre muitas testemunhas"), como ele diz.
Em terceiro lugar, o que Timóteo ouviu
de Paulo, deve agora "confiá-lo a homens fiéis", os quais seriam
certamente encontrados num remanescente dentre os muitos desertores da Ásia.
Os homens que Paulo tinha em mente deveriam ser primeiramente ministros da
palavra, cuja função principal é ensinar; e anciãos cristãos, com a
responsabilidade de, à semelhança dos anciãos judeus na sinagoga, preservar a
tradição. Tais anciãos cristãos são "despenseiros de Deus", como
Paulo há pouco escrevera a Tito (1: 7), porque tanto a família de Deus
como a verdade de Deus lhes foram confiadas. E o requisito fundamental
para os despenseiros é a fidelidade (1 Co 4: 1, 2). Devem ser "homens
fiéis".
Em quarto lugar, tais homens devem
pertencer àquela classe de homens (como o relativo hoitinesdeveria ser
traduzido) que sejam "também idôneos para instruir a outros". A
habilidade ou competência que Timóteo deve procurar em tais homens será
traduzida, em parte, pela integridade ou lealdade de caráter, já referidas, e
em parte pela capacidade de ensinar. Eles devem ser didaktikoi, "aptos
para ensinar", palavra usada por Paulo em relação aos candidatos ao
ministério em 1 Tm 3: 2, e empregada de novo mais adiante, neste
mesmo capítulo (2:24).
Aqui estão, pois, os quatro estágios na
transmissão da verdade, destacados por Paulo: de Cristo a Paulo, de
Paulo a Timóteo, de Timóteo a "homens fiéis", e de
"homens fiéis" a "outros". Esta é a verdadeira
"sucessão apostólica". Tal sucessão dependeria de homens, de uma
série de "homens fiéis", mas essa sucessão dos apóstolos refere-se
mais à mensagem em si do que aos homens que a ensinem. Deve ser antes uma sucessão
da tradição apostólica do que de autoridade, de sequência ou de ministério
apostólicos. Deve ser uma transmissão da doutrina dos apóstolos, deles recebida
sem distorções pelas gerações posteriores, passada de mão em mão como a tocha
olímpica. Esta tradição apostólica, "o bom depósito", é hoje
encontrada no Novo Testamento. Falando de maneira ideal, os termos
"Escritura" e "tradição" deveriam ser sinônimos, pois
o que a Igreja transmite de geração em geração deveria ser a fé bíblica, nada
mais e nada menos. E a fé bíblica é a fé apostólica.
No restante deste segundo capítulo de
sua carta, Paulo prossegue abordando o ministério do ensino, ao qual Timóteo
foi chamado, Como ilustração, Paulo faz uso de
seis vividas metáforas.As três primeiras são suas imagens
favoritas: o soldado, o atleta, e o lavrador. Em cartas
anteriores ele já fizera uso delas, em várias ocasiões, para salientar
muitas verdades. Aqui todas elas enfatizam que a obra de Timóteo exigirá vigor,
envolvendo tanto labuta quanto sofrimento.
2. Metáfora 1: o soldado dedicado (vs. 3,4)
Participa dos meus sofrimentos, como um
bom soldado de Cristo Jesus. 4Nenhum soldado em serviço se
envolve em negócios desta vida, porque o seu objetivo é satisfazer àquele que o
arregimentou.
As experiências como prisioneiro deram
a Paulo ampla oportunidade de observar os soldados romanos e de meditar no
paralelo existente entre o soldado e o cristão. Em cartas anteriores, Paulo
referiu-se à guerra com principados e potestades, na qual o cristão está envolvido;
referiu-se à armadura que deve vestir e as armas que deve usar (Ef 6:
10ss; 1 Tm 1: 18; 6: 12; 2 Co 6: 7; 10: 3-5; cf. Rm 6: 13-14). Mas aqui o bom
soldado de Jesus Cristo é assim chamado por ser um homem dedicado, que mostra
sua dedicação por se achar sempre disposto a sofrer e estando permanentemente
em guarda. Os soldados em serviço não contam com segurança e facilidade. Pelo
contrário, dureza, riscos e sofrimento são aceitos sem contestação. É como
Tertuliano expressou em seu livro Address to Martyrs (Palavra
aos Mártires): "Nenhum soldado vai à guerra cercado de luxúrias, nem vai à
batalha deixando um quarto confortável, mas sim uma tenda estreita e
provisória, em que há muita dureza, severidade e desconforto". De igual
modo, o cristão não deve esperar dias fáceis. Se for fiel ao evangelho,
certamente experimentará oposição e escárnio. Ele deverá sofrer em conjunto
com seus companheiros de armas.
O soldado deve sempre se achar disposto
a se concentrar no exército, e também a sofrer. Quando em serviço ativo,
"não se embaraça em negócios". Ao contrário, liberta-se dos afazeres
de natureza civil, a fim de dedicar-se às armas, satisfazendo assim aos seus
oficiais superiores, ou "estando inteiramente à disposição de seu oficial
comandante". Na expressão de E. K. Simpson, "o espetáculo da
disciplina militar fornece uma grande lição de comprometimento".
Assim, na Segunda Guerra Mundial, com frequência se dizia, com um sorriso bem
significativo: "estamos em guerra". Era uma palavra de alerta, suficiente
para justificar toda austeridade, auto renúncia ou abstenção de
atividades irrelevantes, em vista da situação de emergência do momento.
O cristão, que deve viver neste mundo e
não se alienar dele, não pode, certamente, esquivar-se das comuns obrigações de
seu lar, de seu local de trabalho e de sua comunidade. É verdade que, como
cristão, ele deve estar sobremodo consciente do seu dever de bem cumpri-las e
não evadir-se delas. Nem deve esquecer-se também do que Paulo relembrou a
Timóteo em sua primeira carta, ao dizer que "tudo o que Deus criou é bom
e, recebido com ações de graça, nada é recusável. . ." e que
"Deus tudo nos proporciona unicamente para nosso aprazimento" (1 Tm
4: 4; 6: 17). Assim, o que se proíbe ao bom soldado de Cristo não são as atividades
"seculares", nem "os envolvimentos em negócios desta vida"
que, mesmo sendo perfeitamente inocentes, o impeçam de lutar as batalhas de
Cristo. Este conselho aplica-se especialmente ao pastor ou ministro cristão.
Ele é chamado a dedicar-se ao ensino e ao cuidado do rebanho de Cristo; e há
outras passagens, além desta, que o advertem a, se possível, não tomar a carga
adicional de prover o seu sustento com algum emprego "secular".
É fato que o próprio apóstolo proveu
amiúde o seu próprio sustento, confeccionando tendas; não obstante, ele deixa
claro que em seu caso a razão era pessoal e excepcional, ou seja, para que
pudesse propor "de graça o evangelho", e assim não criar "qualquer
obstáculo ao evangelho de Cristo" (1 Co 9: 12, 18). Ele ainda vindicou
o princípio, para si mesmo e para todo ministro, por ordem do Senhor, de que os
que pregam o evangelho devem viver do evangelho (1 Co 9:
14). De fato, a sua óbvia expectativa era esta a regra geral, e
isto precisa ser lembrado em dias como os nossos, quando ministérios
"auxiliares", "suplementares" e de tempo parcial têm
aumentado em número, ficando o pastor com seus negócios ou com sua profissão,
exercendo o seu ministério com o tempo que sobra. Não se pode dizer que tais
ministérios estejam em oposição às Escrituras; contudo é difícil
conciliá-los com a determinação apostólica de evitar os envolvimentos em negócios desta vida.
A liturgia para a ordenação de presbíteros da Igreja Anglicana exorta os
candidatos com as seguintes palavras: "Atentai para o zelo que deveis
ter na leitura e no ensino das Escrituras. . . e por esta mesma causa
deveis renunciar e deixar de lado (tanto quanto possível) todos os cuidados e
zelos mundanos, . . . entregai-vos inteiramente a este ofício, . . .
aplicai-vos inteiramente a esta causa e dirigi todos os vossos esforços neste
sentido".
A aplicação de tal versículo não é
somente restrita a pastores. Cada cristão é, num certo grau, um soldado de
Cristo, ainda que seja tímido como Timóteo. Não importando qual seja o nossotemperamento,
não podemos evitar o conflito cristão. Se queremos ser bons
soldados de Cristo, devemos dedicar-nos à batalha, comprometendo-nos com uma
vida de disciplina e de sofrimento, e evitando tudo o que possa nos
"envolver" e assim nos desviar do seu propósito.
3. Metáfora 2: o atleta sujeito às
regras (v.5)
Igualmente o atleta não é coroado, se
não lutar segundo as normas.
Agora Paulo desvia os seus olhos da
imagem do soldado romano para a do competidor nos jogos gregos. Em nenhuma
competição atlética do mundo antigo (assim como hoje também) o competidor dava
uma demonstração de força ou de habilidade ao acaso. Cada esporte tinha as suas
regras para a competição, e às vezes também para o treino preparatório.
Cada prova também tinha o seu prêmio, e
os prêmios conferidos aos jogos gregos não eram medalhas de ouro ou troféus de
prata, e sim coroas de ouro. Contudo, nenhum atleta era "coroado" se
não tivesse competido "de acordo com as regras", mesmo que o seu
desempenho tivesse sido brilhante. "Fora do regulamento não há
prêmio", essa era a palavra de ordem!
A vida cristã é geralmente comparada,
no Novo Testamento, a uma corrida, não no sentido de estarmos competindo uns
com os outros (conquanto tenhamos que "preferir em honra uns aos outros"
— Rm 12: 10), mas no sentido da severa autodisciplina do treinamento (1 Co
9: 24-27), no sentido de que devemos nos desembaraçar de todo peso morto (Hb
12: 1-2) e, especialmente nesta passagem, no sentido de que devemos observar as
regras.
Devemos correr a corrida cristã nominös, "segundo
as leis". A despeito do estranho ensino da assim chamada "nova
moral", que insiste em que a lei foi abolida por Cristo, o cristão acha-se
sob a obrigação de viver "segundo a lei", de guardar as regras, de
obedecer as leis morais de Deus. De fato, ele não está "debaixo
da lei", como meio de salvação, que o aprova ou o recomenda perante Deus,
antes ela lhe serve como guia de conduta. Ao invés de abolir a lei, Deus
enviou o seu Filho para morrer por nós a fim de que o preceito da lei se
cumprisse em nós", e agora envia o seu Espírito para morar em nós e
escrever a sua lei em nossos corações! (Rm 8: 3-4, Jr 31: 33). Além disso não
pode haver de outro modo, não porque nossa obediência à lei poderia nos
justificar, mas sem a lei damos evidência de nunca termos sido justificados.
O contexto mostra que competir "de
acordo com as regras" tem uma aplicação mais vasta do que à que
se refere à nossa conduta moral. Paulo está descrevendo o serviço cristão, não
somente a vida cristã. Parece estar dizendo que os prêmios pelo serviço
dependem da fidelidade. O mestre cristão deve ensinar a verdade, construindo
com materiais sólidos sobre o fundamento que é Cristo, se quer que a sua obra
permaneça e não seja consumida pelo fogo (cf, 1 Co 3: 10-15). Assim,
Timóteo deve confiar o depósito a homens fiéis. Somente se ele, como Paulo,
perseverar até a fim, combatendo também o bom combate, completando a carreira
e guardando a fé, somente assim poderá ele esperar receber, no último dia, a
mais desejável de todas as coroas: "a coroa da justiça" (2 Tm 4:7-8).
4. Metáfora 3: o lavrador diligente (v.6)
O lavrador que trabalha deve ser o
primeiro a participar dos frutos.
Tendo o atleta de competir com
honestidade, o lavrador, por sua vez, tem de trabalhar arduamente. O sucesso na
lavoura só é conseguido com muito trabalho. Isso é verdade particularmente em
países em desenvolvimento, antes de se ter as técnicas da mecanizaçãomoderna.
Em tais circunstâncias, o sucesso da exploração agrícola depende tanto do
suor como da habilidade. Mesmo sendo o solo pobre, o tempo inclemente, ou
estando o lavrador indisposto, este deve permanecer em seu trabalho. Uma vez
posta a mão no arado, não há que olhar para trás. O
Rev. Moule escreve sobre a "extenuante e prosaica labuta"
do agricultor. Ao contrário do soldado e do atleta, a vida do agricultor é
"totalmente desprovida de emoção, distante de toda fascinação decorrente
do perigo e do aplauso".
Contudo, a primeira parte da colheita
pertence ao lavrador que trabalha. É seu direito. A boa produção deve-se mais a
seu esforço e perseverança do que a qualquer outro fator. É por isso mesmo que
o preguiçoso jamais será um bom agricultor, como ressalta o livro de
Provérbios. Ele sempre porá a perder sua colheita, talvez por dormir quando
deveria esta colhendo, talvez por ter sido pouco ativo no lavrar a terra no
outono anterior, ou talvez por permitir que os seus campos se cubram de urtigas
e espinhos (Pv 10: 5; 20:4; 24: 30-31).
A que espécie de colheita se refere o apóstolo?
Duas interpretações apresentam maiores evidências bíblicas.
Primeira, a santidade como colheita.
Verdadeiramente, a santidade é "fruto (ou colheita) do Espírito",
sendo que o próprio Espírito é o principal agricultor, que produz uma boa safra
de qualidades cristãs na vida do cristão. No entanto, nós também temos que
fazer a nossa parte. Temos de "andar no Espírito" e "semear no
Espírito" (Gl 5: 6; 6: 8), seguindo os seus impulsos e disciplinando-nos,
para fazermos a colheita da santidade. Muitos cristãos surpreendem-se por não
verificarem, em suas vidas, crescimento na santidade. Será que estamos
negligenciando o cultivo desse campo que é o nosso caráter? "Pois aquilo
que o homem semear, isso também ceifará" (Gl 6: 7). Como o Rev. Ryle
enfatiza repetidas vezes em seu notável livro Santidade: "não há prêmio sem
esforço". Por exemplo:
"Jamais abandonarei a minha
convicção de que não há progresso espiritual sem esforços. Não creio no
sucesso de um agricultor que se contenta em apenas semear os seus campos,
abandonando-os em seguida até a colheita, assim como não creio ser possível
que um crente alcance muita santidade sem ser diligente em sua leitura bíblica,
em suas orações e no bom uso dos seus domingos. Nosso Deus é um Deus que se
importa com os meios, e nunca abençoará a alma de quem se julga ser tão
elevado e espiritual a ponto de achar que pode progredir sem eles".
Na expressão de Paulo, "o lavrador
que trabalha deve ser o primeiro a participar dos frutos". E a santidade
é uma colheita.
A segunda interpretação é que a
conquista de conversões é também uma colheita. "A seara na verdade é
grande", disse Jesus referindo-se aos muitos que esperam por ouvir e
receber o evangelho (Mt 9: 37; cf. Jo 4: 35; Rm 1:13). Nesta seara é
claro que "é Deus quem dá o crescimento" (1 Co 3: 6-7), mas
ainda assim não temos a liberdade de ficar à toa. Não só isso, mas tanto a
semeadura da boa semente da Palavra de Deus como a colheita são trabalhos
duros, especialmente quando há poucos trabalhadores. Com muito custo almas são
ganhas para Cristo, não com a engenhosa e automática aplicação de uma fórmula,
mas com lágrimas, suor e dores, e especialmente com oração e sacrifícios.
Novamente, o "lavrador que trabalha" é que pode esperar obter bons
resultados.
Este ponto de que o serviço cristão é
um trabalho árduo é hoje tão impopular em certos círculos de cristãos festivos
que sinto ser necessário sublinhá-lo com vigor. Já mencionei que o verbo
significa "labutar,
mourejar". Arndt e Gingrich apontam que, antes de
tudo, o sentido é o de "cansar-se, fatigar-se", ou seja,
"trabalhar arduamente, exaurindo todas as forças com o trabalho pesado;
empenhar-se, esforçar-se". Tanto o substantivo Kopos como o
verbo kopiaö foram
termos favoritos de Paulo, e talvez nos seja salutar saber que ele cria ser
necessário ao serviço cristão tão grande empenho.
Depreende-se que esse verbo pode ser
empregado com referência ao trabalho manual, e Paulo aplicou-o ao seu serviço
de confeccionar tendas. "E nos afadigamos", ele escreveu, "trabalhando
com as nossas próprias mãos" (1 Co 4: 12; cf. Ef 4: 28; 1 Ts 4: 11).
Mas, em seu modo de ver, o trabalho espiritual envolvia também muito esforço.
Ele reconhecia de imediato a dedicação das pessoas, tendo enviado saudações
especiais no final de sua carta aos Romanos, "a Maria que muito
trabalhou por vós" e "à estimada Pérside, que também muito
trabalhou no Senhor" (Rm 16:6, 12b). Não que dos outros
Paulo esperasse mais do que ele próprio podia dar de si mesmo. Suas
labutas pelo evangelho eram fenomenais. Ele podia escrever sobre
"trabalhos, vigílias, jejuns" porque, assim como fora o seu Mestre
antes dele, não poucas vezes as suas atividades sobrepujavam a sua necessidade
de comer e dormir. Por isso mesmo é que pôde reivindicar em relação aos outros
apóstolos: "trabalhei muito mais do que todos eles" (2 Co 6: 5;
1 Co 15: 10; cf. Gl 4: 11; Fp 2: 16). Se instássemos com ele sobre a
natureza de sua lida, creio que ele nos responderia em termos de duas
prioridades apostólicas: "oração e. . . ministério da palavra"
(At 6: 4), já que aludiu em sua primeira carta a Timóteo aos seus anciãos
"que se afadigam na palavra e no ensino" (1 Tm 5: 17), e aos
colossenses descreveu a sua labuta com as palavras "esforçando-me o mais
possível, segundo a sua eficácia que opera eficientemente em mim" (Cl 1:
29 - 2: 1; 1 Tm 4: 10), num contexto que parece referir-se à luta em oração a
que se entregara em favor dos colossenses.
A bênção de Deus foi abundante no
ministério do apóstolo Paulo. Não há dúvida que a este respeito muitas
explicações poderiam ser dadas. Mas até que ponto consideramos essa
bênção decorrente do zelo e do interesse, da quase obsessiva devoção com que
Paulo se entregava ao trabalho? Ele se dava ao trabalho sem pensar no que isso
lhe custava; lutava sem dar atenção às feridas; trabalhava sem procurar
descansar; servia sem procurar pela recompensa, a não ser o gozo de fazer a
vontade do seu Senhor. E Deus fazia prosperar os seus esforços. Mais uma
vez, "o lavrador que trabalha deve ser o primeiro a participar dos
frutos". Bibliografia John R. W. Stott
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