Como Identificar uma Seita e os Novos Desafios à Apologética
Definições e conceitos-chaves
O termo “seita”, do grego
“hairesis”, procede de uma raiz que significa “selecionar”, “escolher” ou
“facção”, traduzido pela Vulgata Latina por “secta”. O termo e seus derivados
acham-se com abundância nas páginas do Novo Testamento (Mt 12.18; 1Co 11.19; Gl
5.20; Fp 1.22; 2Ts 2.13; Hb 11.25; 2Pe 2.1).
Originalmente,
um herege (gr. hairetikos) era alguém cuja opinião distinguia-se da
teoria de um partido ou escola de pensamento historicamente estabelecido. Essas
escolas de pensamento, seja política, seja filosófica ou de qualquer outro
tipo, declaravam suas teorias (gr. theorías) por meio de afirmações
doutrinárias que expressavam o ponto de vista oficial de seu mestre ou escola.
Chamava-se assim dogmas (gr. dokei moi = “eu creio”,
“parece-me”) ao conjunto teórico abraçado pelos adeptos de certas correntes
filosóficas ou religiosas que as confessavam (gr. homologeo)
publicamente. A declaração pública necessariamente devia estar de acordo com
alguma confissão religiosa ou conjunto de doutrinas, como apresentam as
perícopes neotestamentárias de Jo 1:20; At 24:14; Rm 10:9,10; 1Tm 6:12; Tt
1:16.
Uma
confissão dogmática distinguia-se portanto da mera opinião (gr. doxa)
do populacho inculto e incapaz de apreender a tradição filosófica. Quando então
surgia uma nova percepção que se distinguia da tradição (gr. paradosis)
cultural, social e religiosa estabelecida, entendia-se a nova perspectiva como
seita (gr. hairesis). Pelo fato de divergir de uma teoria e propor
uma nova compreensão do assunto envolvido chamavam o proponente da nova escola
de faccioso, cismático ou heresiarca. Deste modo, iniciava-se uma nova escola
com um novo mestre. O judaísmo, por exemplo, possuía diversas seitas:
sacudeus, fariseus, essênios, etc., todas com ideias distintas dentro de uma
mesma e só religião (At 5.17; 26.5). As origens do cristianismo estão
entranhadas a esse contexto, uma vez que Paulo é descrito como o proponente de
uma nova leitura do judaísmo, a “seita dos nazarenos” (At 24.5).
Perspectiva
da ortodoxia
Na história
da teologia cristã, o vocábulo foi empregado de forma ácida para se referir aos
desvios cristológicos (arianismo, nestorianismo), pneumatológicos
(eunomianismo, pneumatômacos), entre outros pareceres facciosos que se
distinguiam da ortodoxia apostólica. Aqueles que combatiam os desvios
doutrinários internos da igreja eram chamados de polemistas,
enquanto os apologistascuidavam em defender a igreja perante o
Estado.
Chamava-se assim de ortodoxia o
ensino que estava de acordo com a tradição apostólica e cuja definição
dogmática fora estabelecida nos Concílios da igreja. Para encerramos esse
resumo semântico e histórico, lembre-se o leitor que a Reforma Protestante fora
considerada herética pela igreja oficial e a nova fé perseguida como se fosse
uma seita perigosíssima.
Portanto, sob o ponto de vista de
uma religião estabelecida, uma seita é formada por uma facção que diverge dos
ensinos da tradição da qual procede, e se organiza com características
peculiares e contraposta a sua religião de origem. Todavia, o surgimento de uma
seita envolve variegados fatores e não apenas o teológico. Há elementos
sociais, históricos, econômicos e até mesmo de ordem vocacional ou carismática
que servem de auxiliares explicativos para o surgimento de uma seita. Razões
pelas quais elas estão classificadas em: seculares, orientais, ocultistas,
dissidentes, históricas, contemporâneas, etc.
É possível
identificar uma seita?
Identificar uma seita é tarefa
hercúlea. A partir da perspectiva histórica da ortodoxia cristã exposta, uma
seita é identificada por: a) negar a deidade, encarnação, conceição virginal,
morte vicária, ressurreição e ascensão de Jesus; b) negar a divindade e
pessoalidade do Espírito Santo; c) negar a Trindade. As seitas cristãs costumam
praticar o proselitismo; terem manuais cujo valor consideram igual ou superior
à Bíblia; serem exclusivistas e reformadoras do cristianismo. Muitas vezes
afirmam terem recebido alguma revelação ou visão especial.
Os desafios
de um mundo plural e planetário
O leitor não deve se esquecer,
entretanto, que vivemos em um país democrático e plural, com liberdade
religiosa assegurada para todos. As divergências de opiniões, ideias e
doutrinas devem ser tratadas com respeito, mantendo-se o diálogo, a alteridade
e a compaixão àqueles que pensam de modo distinto. O diálogo é melhor do que a
controvérsia e a mansidão e acolhimento do outro mais eficaz do que o embate
(1Pe 3.15).
A Nova
Apologética e o diálogo inter-religioso
Para os
apologistas modernos essa atitude e dialogicidade é uma condição sine
qua non, caso se deseje anunciar as Boas-Novas e não apenas vencer um
debate. Os contextos pós-metafísico, multicultural e dialógico de nosso tempo
reclama à apologética tradicional, fincada na ontoteologia platônica e no
racionalismo positivista, uma metanóia completa. Essa mudança
deve ocorrer a partir de uma nova reflexão que faça distinção entre fé e
crença, religião e religiosidade, revelação de Deus e conhecimento de Deus,
teologia e fé, salvação e conhecimento, para citar apenas algumas
dualidades.
A Nova
Apologética Cristã precisa assim estar disposta a dialogar no atual contexto do
pluralismo religioso. Permita-me o leitor portanto estabelecer as
diferenças entre diálogo inter-religioso, missão
evangelizadora e Anúncio. O diálogo inter-religioso
entendido como “o conjunto das relações inter-religiosas, positivas e
construtivas, com pessoas e comunidades de outros credos para um conhecimento
mútuo e um recíproco enriquecimento” não impede a missão evangelizadora e mais
particularmente, o Anúncio, isto é, a comunicação do mistério de salvação
realizado por Deus para todos em Jesus Cristo. O diálogo representa sim um
desafio, mas não um impedimento à missão evangelizadora. Deste modo, o
diálogo não deve substituir o Anúncio, pois se constitui a tarefa primordial da
Igreja fazer crescer o Reino de nosso Senhor e do seu Cristo.
Neste novo contexto o apologista
é desafiado a se empenhar mais profundamente, discernindo elementos crísticos
presentes em certas verdades defendidas pelas religiões (justiça,
solidariedade, caridade, por exemplo), mas sem confundir os elementos nelas
também presentes que são incompatíveis com a fé e a singularidade de Cristo
como mediador salvífico. A Igreja entra em diálogo de salvação com todos, mas a
natureza de seu diálogo não é meramente antropológico, mas teológico. O diálogo
da Igreja é um diálogo de salvação, embora não esteja excluído o diálogo da
vida, das obras e da experiência religiosa.
O verdadeiro
diálogo inter-religioso supõe da parte do apologista o desejo de fazer que
outros religiosos conheçam melhor o Evangelho, possibilitando por meio do
testemunho e do diálogo o desejo de ambos interlocutores de aprofundarem
os seus conhecimentos no mistério de Cristo. De acordo com 1 Pedro 3.15 é um
privilégio e uma alegria para o cristão responder com mansidão e temor a
qualquer que lhe pedir a razão da esperança que há nele. Lembremos que o
exemplo deixado pelos apóstolos em Atos 17.22-18 ensina ao apologista
contemporâneo que ser uma testemunha em um mundo plural
inclui envolver-se dialogicamente com pessoas de diferentes religiões
e culturas. Isto não significa que o apologista colocará sua fé entre
parênteses para dialogar com as seitas e religiões não cristãs, muito pelo
contrário. Ele deve permanecer fiel a si mesmo e à sua crença.
notas CPADNEWS
e
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