As similaridades entre o segundo capítulo desta
epistola e a epístola de Judas são tão grandes e óbvias, que quase todos os eruditos admitem que um deles copiou do outro. Alguns crêem
que Judas copiou de 2 Pedro; mas, a maioria afirma que o
presente capitulo foi tomado por empréstimo da epístola de Judas.
"O livro de Judas
era peça literária conveniente como base, porquanto o autor sagrado desta
epístola desejava mostrar que os falsos profetas, referidos no A.T., podem ser reputados como progenitores espirituais dos
hereges gnósticos da Ásia Menor; o material da epístola de Judas, que também
ataca o gnosticismo, contém muitas declarações que se adaptam bem a esse tema.
Posto que na antiga dispensação havia profetas falsos, não é
de surpreender que encontremos, na igreja moderna, elementos falsos, que
procuram introduzir doutrinas perniciosas no cristianismo. O capítulo segundo
desta epístola é uma exposição sobre a depravação, a falsidade e a natureza
destruidora da heresia gnóstica.
2:1: Mas houve também entre o
povo falsos profetas, como entre vós haverá faltos mestres, os quais
introduzirão encobertamente heresias destruidoras,
negando até e Senhor que os
resgatou, trazendo sobre si mesmos
repentina destruição.
O sistema gnóstico era
a suposta descrição de um meio de salvação. Pintava o homem como criatura
decaída, necessitada de ajuda para retornar a Deus. Mas o caminho de retorno
era, pelos gnósticos, tido como possível por uma
sucessão quase interminável de seres angelicais secundários, todos eles mediadores de
alguma maneira. Os gnósticos esperavam que, mediante o «conhecimento», os
homens pudessem ser salvos. Mas o conhecimento
deles vinha mesclado com o ascetismo, com a licenciosidade, com as artes
mágicas e com os ritos secretos de um misticismo falso. Este versículo e Cl 1:20 e ss. mostram que quase todos os gnósticos negavam a doutrina da
«expiação» de Cristo como algo que tem valor para o retorno do homem a Deus.
Para eles, Cristo não era um Salvador todo-suficiente. Ele seria apenasum outro dos «aeons», que contribuiria com os demais
para a salvação do homem. Alguns gnósticos viam em Cristo o mais elevado dos
«aeons» e também o Deus criador deste mundo, havendo, naturalmente, muitos
outros mundos, com outros tantos deuses e salvadores. Mas alguns gnósticos nem
ao menos atribuíam tão elevada posição a Cristo. Eis por que passagens como Jo
1:1-3; Cl 1:15 e ss.; e Ef 1:19 e ss. afirmam tão incisivamente que somente Cristo é o criador de
todos os mundos possíveis. E é também por esse motivo que Cl 1:20 e ss. mostra que Cristo é o único Salvador. E é também por isso que 1 Tm 2:5 declara que há
«um só Deus» e também «um só mediador» entre Deus e os homens. Os gnósticos
negavam a ambas essas proposições. Todas as passagens mencionadas rebatem
declarações dos mestres gnósticos. Essa heresia assediou a igreja cristã pôr
cerca de cento e cinqüenta anos.
«...falsos profetas...» O autor sagrado
passa agora a mostrar que não nos devemos surpreender se falsos mestres
surgirem no cristianismo. No antigo Israel também surgiram falsos profetas
entre o povo. Isso subentende que, em qualquer era, a comunidade religiosa
contará com elementos radicais e falsos, destruidores da fé e do bem-estar espiritual.
(Ver Dt 13:1-5; 18:20; Jr 5:31; Ez 13:3 e Lc 6:26 quanto a
referências a tais indivíduos, que viveram nos tempos vetotestamentários). Balaão é especificamente
mencionado no décimo quinto versículo deste capítulo, fazendo paralelo com a
referência em Jud. 11. Ele é um exemplo de profeta falso; e o autor sagrado
assevera que haverão muitos iguais a ele nas
igreja do N.T.
«...entre vós falsos mestres...», a saber, como os gnósticos que provocavam dificuldades nas
igrejas da Ásia Menor. Esses eram «filhos espirituais» dos profetas falsos do A.T., e eram tão depravados e perniciosos como aqueles.
Indiretamente, o autor sagrado vincula as comunidades religiosas da antiga e da
nova dispensação, dando a entender que a nova é a continuação da antiga. Ora,
isso os gnósticos também negavam. Alguns deles admitiam que vários dos profetas
do A.T. seriam homens «psíquicos», isto é,
dotados de espiritualidade secundária, passíveis de um baixo grau de redenção e
glória; mas os gnósticos se imaginavam os «pneumáticos», isto é, homens
espirituais em elevado grau, capazes de receber a mais elevada redenção, a
saber, a reabsorção na própria essência, com a perda da personalidade, em que o
ego se tornava então o superego. Os «psíquicos» seriam remidos através da «fé»,
ao passo que os «pneumáticos» o seriam através do «conhecimento», o que, na
concepção dos gnósticos, era superior à fé. E à maioria dos homens os gnósticos
classificavam como «hílicos», isto é, «terrenos», totalmente incapazes de
serem remidos, porquanto estavam assoberbados pela
«matéria», o «princípio do mal», nunca podendo desvencilhar-se dela, pelo que
deveriam perecer juntamente com a matéria, em meio a grande conflagração.
A passagem de 1 Tm 1:4 contradiz essas idéias gnósticas, mostrando-nos que a vontade de Deus é que todos os homens
sejam salvos. Daí se infere que todos os homens podem ser
remidos. Pelo que se tem dito aqui, pode-se ver que razões há para chamar os
gnósticos da Ásia Menor de «falsos mestres». Além de seus erros doutrinários,
eles se mostravam ascetas ou libertinos, ou seja, negavam o bom senso da ética
cristã. A variedade gnóstica que perturbava as igrejas da Ásia Menor era a
variedade libertina, conforme este capítulo passa a mostrar.
«...dissimuladamente heresias destruidoras...» Alguns tradutores preferem dizer aqui «secretamente»; e
outros dizem «em particular». Os métodos de ensino dos gnósticos eram
subversivos. Nunca entravam em uma comunidade declarando em
que criam. Mostravam-se astutos, procurando firmar o pé, antes de dizerem sua
posição. O termo grego «pareisago» indica «trazer secretamente», «trazer
maliciosamente». A metáfora tencionada é a de um «espião» ou «traidor», cujo
propósito é o de prejudicar ou destruir, que oculta o seu verdadeiro intento.
(Comparar com o quarto versículo da epístola de Judas—os falsos mestres «...se introduziram com dissimulação...», isto é, sem serem
percebidos ou temidos da parte de pessoas simples e inocentes, que confiavam
demais nos outros).
«...heresias...» O vocábulo grego «airesis» vem do verbo que
significa «escolher», ou seja, indica, basicamente, «selecionar uma doutrina ou
uma atividade». (Ver At5:17; 15:5 e 26:5). No grego antigo, essa palavra
era usada para indicar qualquer «seita», como a dos fariseus, a dos saduceus, etc., dando-lhe um sentido em coisa alguma
negativo. Gradualmente, porém, o sentido negativo foi sendo atribuído ao termo.
Ficou assim subentendido que tal «escolha» diferia da escolha normal dos
cristãos. O primeiro uso da palavra, no N.T., descreve homens «facciosos»
na igreja, por razão de busca pessoal de poder e egoísmo. Muitos existem que
possuem credos ortodoxos, mas que, de acordo com o ponto de vista do N.T., são «hereges». Todos quantos causam divisões, criando
denominações e erigindo para si mesmos pequenos reinos, difamando a outros em
suas prédicas e se envolvendo em «lutas de poder» na igreja ou suas
organizações, de acordo com essa definição, são «heréticos». (Ver 1 Co 11:19 e Gl 5:20).
No presente versículo, porém, certamente está também em foco um
sentido que essa palavra adquiriu posteriormente. Os gnósticos causavam
divisões, mas também «preferiam» um sistema doutrinário contrário ao do cristianismo moral, sendo assim «hereges» no exato
sentido em que esse vocábulo tem na atualidade. Defendiam doutrinas
não-ortodoxas, criando uma mensagem que não era a boa mensagem cristã.
«...destruidoras...» Essencialmente por
causa da vil posição a que reduziam a pessoa e a obra de Cristo. Para os
gnósticos, em sentido algum Cristo era «ímpar», como «o Filho de Deus», pois
seria apenas uma, dentre muitas emanações angelicais ou «aeons», um, dentre
muitos mediadores e salvadores. A obra de Cristo seria significativa, mas não
sem-par. Evidentemente, não viam valor em sua morte como
expiação definitiva pelo pecado. Imaginavam que a destruição do corpo físico é
que os libertaria do pecado, e de que agora a alma é libertada de seus maus
resultados através de ritos mágicos. Quanto à ética, os gnósticos combatidos
nesta epístola se mostravam totalmente licenciosos. Eles «puniam» o corpo com a
depravação, pois imaginavam que tal ação cooperaria com o desígnio do sistema
do mundo, que visaria destruir eventualmente o corpo, a fim de libertar a alma,
permitindo-lhe o seu vôo para a realidade última. Portanto, suas doutrinas
éticas transtornavam a conduta cristã apropriada, levando os homens para longe
de Deus, e não para perto do Senhor, pois «sem a santificação, ninguém verá a
Deus» (Hb 12:14).
«...renegarem o Soberano Senhor que os resgatou... » Os gnósticos negavam que Cristo é «soberano» no sentido
afirmado pelo cristianismo normal, fazendo dele apenas um dos «aeons». Para
eles, Cristo não era «Senhor» em qualquer sentido veraz, porque seria apenas um
senhor entre muitos. Mas o trecho de Cl l:15 e ss. expõe vários pontos da superioridade de Cristo, e
essa passagem foi escrita especificamente para definir o «senhorio» de Cristo,
em contraste com a posição secundária que os gnósticos atribuíam a ele. O termo
aqui usado no grego é «despotes», traduzido aqui por «Senhor». E esse era o
vocábulo que os gnósticos davam ao governante absoluto. Dentro do sistema
deles, havia muitos senhores angelicais, as emanações divinas ou «aeons»,
muitos dos quais tinham áreas sobre as quais governavam. E os gnósticos não
tinham Cristo como o Senhor dos anjos, conforme se aprende em Ef 1:19 e ss. e Cl 1:16. Esse
vocábulo é usado por dez vezes no N.T.; por cinco vezes com o
sentido de «senhor de uma casa», o governante absoluto de um clã. Ao referir-se
a Deus, indicava Deus como o dirigente absoluto do universo. (Ver Lc 2:29 e At 2:24 quanto a esse vocábulo usado para
indicar «Deus». Comparar com Cl 2:19 quanto ao fato que os gnósticos não
reputavam Cristo como «o Cabeça»).
«...os resgatou...» O grego diz aqui «agoradzo», «comprar». (Comparar
com 1 Pe 1:18,19, onde se vê que é o «sangue
de Cristo» que compra, embora ali tenha sido usado um termo grego diferente do
daqui. Assim sendo, a negação feita pelos gnósticos
tinha algo a ver com a rejeição da expiação de Cristo como elemento de valor no
plano de redenção. Eles pensavam que poderiam livrar-se do pecado abusando do
corpo, promovendo a fuga da alma para o campo da realidade final, mediante
ritos mágicos, conhecimento para os iniciados—um falso misticismo. Tudo
isso, segundo a concepção deles, eliminava a necessidade de expiação pelo
pecado, segundo o N.T., ensina. A maioria dos gnósticos tinham o
ponto de vista «docético» sobre Cristo, isto é, que a sua
natureza humana seria ilusória; sua vida como homem seria apenas um «ato»
fingido da parte de um «aeon» qualquer; e os sofrimentos de Cristo não
teriam sido reais, o que eliminava mais ainda qualquer valor em sua expiação.
Essa é a idéia de expiação, subentendida no presente versículo. Cristo torna os
homens propriedades suas, mediante o valor de seu sangue vertido.
Não precisamos estender
a metáfora a ponto de perguntar «para quem» foi pago o preço. Alguns têm imaginado
que o preço foi pago para «Satanás», e outros pensam que o foi para «Deus»,
como que para aplacá-lo e tirar-lhe da mente a idéia de julgar aos homens. A
metáfora usada não precisa ser desenvolvida a esse ponto; e, se assim o
fizermos, cairemos em problemas teológicos. (Ver Hb 10:29; onde são mencionados aqueles que pisavam ao Filho de Deus e
profanavam o sangue do pacto, através do qual tinham sido consagrados).
«...repentina destruição...» O fim de tais heréticos é a perdição, e não a salvação,
embora totalmente imaginassem que seu sistema, por eles mesmos criado, pudesseleválos à salvação. (Comparar isso com Judas 4,15,17). A condenação dos hereges é certa e terrível, sendo
pintada como algo que subitamente lhes sobrevirá. (Ver Cl 3:6). No presente
versículo, mui provavelmente, o autor pensava sobre a «parousia» como aquele acontecimento que trará súbita
perdição para os hereges; e ele esperava tal acontecimento para seu próprio
período de vida terrena, conforme fica demonstrado no terceiro capítulo desta
epístola. Seja como for, conforme Deus computa o tempo (ver 2 Pe 3:8), esse acontecimento e a subseqüente perdição eterna
dos heréticos não podem estar mesmo longe.
«Há um melancólico
humor na advertência que todo aquele que introduz heresias destruidoras na
igreja, traz súbita perdição para si mesmo, 'reservados para o dia do juízo e
destruição dos homens ímpios' (2 Pe 3:7). O jogo de palavras com o termo grego 'apoleia' (perdição)
é intencional e eficaz». (Barnett, in loc).
Se este versículo não
ensina outra coisa, pelo menos ensina que Cristo soluciona, em favor do crente, o problema de lealdade. Ser alguém cristão é ter a Jesus como seu Senhor; e ninguém
tem a Cristo como seu Salvador se também não o tem como seu Senhor e vive de
modo a ser uma comprovação desse fato.
2:2: E muitos seguirão as suas dissoluções e por causa deles será
blasfemado o caminho da verdade;
É impossível alguém
salientar em demasia o imperativo moral do evangelho. Ele nos ensina que a verdadeira santidade,
produzida pelo processo santificador, é imprescindível para a salvação. (Ver 2 Ts 2:13, que declara exatamente isso; e ver 1 Ts 4:3 quanto a
«santificação»). Na vida do crente, a santidade deve ser algo mais do que
meramente «forense», ou seja, envolve mais do que o decreto divino que nos
declara santos em Cristo. Também deve tornar-se uma realidade vivida
diariamente. O trecho de Rm 3:21 mostra que o crente
deve vir a participar da própria santidade de Deus. E isso não é mero ideal
teológico; é mister que se torne uma
realidade na vida do crente. Por essa razão é que o Senhor Jesus ordenou-nos
ser «santos como é santo vosso Pai celestial» (Mt 5:48). De fato, não
pode haver salvação sem essa santidade. (Ver Hb 12:14). A salvação pode ser
comparada a uma corrente com vários elos. Acha o homem em qualquer lamaçal onde
ele se encontra submerso. Desce até qualquer nível de depravação. É nesse ponto
em que o indivíduo pode começar a confiar em Cristo, experimentando a
conversão. Porém, a corrente de ouro da salvação não nos abandona ali e nem
meramente declara que somos santos, se de fato não o somos. Pelo contrário, o
homem sai da masmorra e segura firme o elo da santificação. Por intermédio
disso ele é levado até à «glorificação», ao elo da corrente de
ouro que atinge a realidade final, aos lugares celestiais (Ef 1:3). Sem esse elo da santificação interrompe-se a
corrente e a salvação não pode tornar-se uma realidade.
Exatamente nesse ponto é que os gnósticos tanto falhavam. Transformavam a santidade
cristã em licenciosidade. Imaginavam que toda a forma de depravação corporal
ajudaria a destruir o corpo; e eles pensavam que o corpo físico é a sede do
pecado, por participar da matéria, o princípio pecaminoso, segundo eles
pensavam. Daí supunham tolamente que um homem
pode abusar de seu corpo mediante várias depravações, especialmente de natureza
sexual, sem que a alma em nada fosse prejudicada. Portanto, os gnósticos não
entendiam que tanto a alma como o corpo são santos, e que tanto a primeira como
este último serão finalmente remidos (ver 1Co 15:20,35,40).
Portanto, o trecho de Rm 12:1,2 retrata a santidade como algo obtido mediante
a apresentação do «corpo» a Deus, como um sacrifício vivo.
O que sucedia no
sistema gnóstico é que a antiga ética paga veio a ser aceita como prática
oficial, através dessa distorção teológica. O vício e o pecado se tornaram a prática oficial e aceita, mediante
o truque sofista que a depravação ajuda na destruição do corpo, e que isso é
recomendável. Os gnósticos, por conseguinte, haviam desistido da batalha moral,
tendo divorciado a santificação da inquirição espiritual. (Isso pode ser
confrontado com o trecho de 2 Tm 3:6, que afirma:
«Pois entre estes se encontram os que penetram sorrateiramente nas casas e
conseguem cativar mulherinhas sobrecarregadas de pecados, conduzidas de várias
paixões»). Os «falsos mestres» incluíam, em suas doutrinas, que a licenciosidade
sexual é benéfica para o progresso espiritual do indivíduo; sempre conseguiam
encontrar certas mulheres, nas igrejas, dispostas a se submeterem a toda a
forma de atos depravados, tendo aceito a posição gnóstica.
«...será infamado o caminho da verdade...» Os próprios mestres falsos haveriam de difamar a ética cristã
e sua doutrina de santidade. Mas os de
fora, contemplando a igreja conduzir-se como um bordel, e seus «líderes» agindo
como se fossem os gerentes do mesmo, haveriam de «zombar» do «caminho cristão», e com razão.
Na epístola de Judas, a
lassidão em questões sexuais (perversão focalizada acima de todas, neste
versículo), é tratada como um correlato de heresia. (Ver Jd4,6,8,13,18 e 23). Notemos que aqui o grego usa uma forma
plural da palavra aqui traduzida por «práticas libertinas», o que provavelmente
indica que os falsos mestres se ocupavam de grande variedade de depravações
sexuais, juntamente com outros hábitos morais duvidosos. Seus atos eram
variados e freqüentemente repetidos.
«...caminho...»A fé cristã veio a ser
conhecida como «o Caminho». (Ver At 9:2; 22:4; 24:14 sobre isso). O
«Caminho» seria ridicularizado por estranhos ao virem que tornava os homens
ainda mais paganizados que antes. Tudo isso negaria o poder de Cristo, o qual é «...o Caminho...», no dizer de João 14:6, transformando-o em
agente de depravação, e não de santidade. (Isso pode ser confrontado com o
trecho de Rm 2:24, onde se vê que Paulo acusou os judeus de
fazer Deus ser blasfemado entre os pagãos, devido à sua conduta, em contradição
à doutrina judaica. Comparar também com 2 Co 6:3, onde Paulo exorta os líderes
da igreja a terem cuidado com sua conduta, para não ser «censurado» o
ministério). Se fazemos parte da igreja, e
especialmente se ocupamos posição de liderança, o que fazemos afeta a avaliação
de outras pessoas acerca de Cristo e da fé que ele ensinou. Somos os únicos representantes de
Cristo com que algumas pessoas contam. Eles o julgam, com a sua fé, por nosso
intermédio. De nada adianta dizer: «Não deveria ser assim». Esse é um fato
inegável, que não se pode mudar.
«A semelhança de Pied Pipers, suas palavras suaves engodam os que buscam o
novo ensinamento, conduzindo os inocentes à lenta mas firme desintegração de
suas mentes, afetos e vontades». (Homrighausen, in loa). Os falsos mestres
transmutam «o Caminho» no «caminho de Balaão» (ver 2 Pe 2:15).
«...verdade...» Temos aqui o evangelho em sua verdade ética, representado nos escritos e na predica
apostólicos. Provavelmente os gnósticos exageravam e
pervertiam a doutrina cristã (especialmente paulina) da «liberdade» acerca de
questões indiferentes, transformando-a em libertinagem. Desse modo é que eles
«deturpavam» o sentido dos escritos paulinos (ver 2 Pe 3:16). Assim também Ecumênio descreveu os nicolaitas e os gnósticos como
«extremamente profanos em suas doutrinas e em sua conduta». Clemente de
Alexandria fala acerca das «vidas despudoradas» dos falsos mestres, o que trazia «infâmia» contra o bom nome do
cristianismo.
2:3: também, movidos pela ganância, e com palavras fingidas, eles
faraó de vos negócio; a condenação dos quais
já de largo tempo não tarda e a sua destruição não dormita.
Este versículo é
paralelo a Jd 11 e 16. Os falsos mestres abandonam o juízo correto e o senso
espiritual, em troca da «obtenção» do erro de Balaão, tornando-se
lisonjeadores, a fim de obterem vantagens financeiras. Os falsos mestres, se
utilizam da «religião» para obterem vantagens pecuniárias. Aproveitam-se dos
sentimentos religiosos de outros a fim de promoverem seu próprio
enriquecimento. Jesus repreendeu os líderes religiosos do judaísmo, devido ao
seu hábito de «roubarem» as casas das viúvas. Obtinham as propriedades das
viúvas por meios ilegais, ou então encorajavam-nas a doarem as mesmas ao
templo; e daí, o passo era bem curto, até cair tudo nas mãos deles. (Ver Mt 23:14). Quantos líderes das
igrejas evangélicas ortodoxas de nossos dias tiram proveito dos sentimentos de
mulheres idosas e as encorajam a «lembrarem da igreja» em seus testamentos,
assim furtando a família dessas viúvas? Outros se têm
enriquecido através de campanhas de evangelização e de curas, que atraem muitos
milhares de pessoas. Mais de um «evangelista» de nossa época se tem feito um
milionário. Portanto, é possível que pessoas «ortodoxas» se envolvam na
«comercialização» da fé cristã.
Os falsos mestres
tiravam bom proveito de suas «atividades
religiosas». Eles anelavam por satisfazer seus desejos físicos; cobiçavam
dinheiro. A acusação de avareza é lançada contra os falsos mestres mediante os
termos «...palavras fictícias...» O evangelho gnóstico,
que parecia tão bom e atrativo, uma vez apanhada a atenção dos símplices, para
os falsos mestres se transformava em um meio de vida, em uma fonte de ganhar
dinheiro ilicitamente. O autor sagrado, pois, contrasta essa corrupta mensagem
com a «verdade» (o evangelho pregado pelos apóstolos, ver o segundo versículo
deste capítulo). Assim, também Paulo falou sobre homens sinceros em contraste
com OS que «mercadejam» com a Palavra de Deus (ver 2 Co 2:17; comparar também com Tg 4:13). Os falsos mestres
exploravam o sexo e as aventuras financeiras. Eram exploradores do corpo das
mulheres que de nada suspeitavam, bem como exploradores financeiros dos
discípulos que conseguiam fazer. Não admira que
epístolas como as de Colossenses, 1 e 2 Timóteo, Tito, 2
Pedro, Judas e as três epístolas de João tivessem sido escritas contra tais
homens. É triste a situação quando homens supostamente espirituais se tornam
«comerciantes, e não profetas».
«...para eles, o juízo lavrado há longo tempo não
tarda...» Isso concorda com outras passagens bíblicas que
pintam o pecado como algo que Se acumula, envolvendo uma condenação necessária,
até que o cálice encha e transborde, na forma de
um severo e final julgamento. A acumulação de pecado não pode resultar em
julgamento «tardio». Espumeja e ferve, até que resulta em julgamento.
«O juízo é representado
como algo vivo, desperto e expectante. Desde há muito o juízo deu início à sua
carreira, em sua vereda destruidora; e a sorte dos anjos que caíram, e o
dilúvio e a destruição de Sodoma e Gomorra foram apenas
ilustrações incidentais de seu poder; e desde então não se tem mostrado
tardio... “Continua avançando, forte e vigilante como quando a princípio saltou
do peito de Deus, e não deixará de atingir o alvo que lhe foi apontado desde a
antigüidade». (Salmond eLillie).
«O juízo foi proferido
desde a antigüidade no caso de muitos pecadores similares; não é letra morta, e
também sobrevirá prontamente a esses homens». (Bigg, in loc).
O autor sagrado tinha
em mente o julgamento que será inaugurado pela «parousia», um fato que ele não
via como distante. Então é que o julgamento será levado à sua plena fruição
(ver o nono versículo). O presente versículo ensina, como o N.T. o faz por toda a parte, que o «julgamento» terá
lugar quando da «parousia» ou segundo advento de Cristo, e não quando da morte física do individuo. embora, sem dúvida, algumas formas preliminares de julgamento se verifiquem no «mundo intermediário», tal como sucede até mesmo neste mundo.
O que fica implícito em 1 Pe 4:6, em vinculação com 1 Pe 3:18-20,
é que, até ao tempo da «parousia», a redenção é possível, embora sempre por
intermédio de Cristo e da fé nele.
«...não dorme...» Trata-se o julgamento de algo como que vivo, que tem um
desígnio e um propósito inevitáveis. O termo aqui traduzido por «dorme» é o
mesmo aplicado às virgens imprudentes da parábola de Mt 25:5. No dizer de Strachen, in loc, em Is 5:27 essa palavra «...é usada para indicar os
instrumentos da ira de Deus, utilizados contra aqueles que são culpados de
abusos sociais». (Este versículo pode ser comparado com 1 Tm 6:5, onde a obtenção de dinheiro é vinculada à
«impiedade», como se a profissão religiosa falsa fosse meio de iniqüidade).
A justiça é inevitável. A demora aparente não é prova de que a justiça foi esquecida neste mundo. Precisamos postular uma
justiça eventual, que trará a retribuição ou o galardão. É óbvio que isso não
ocorre plenamente neste mundo. Contudo, confiamos em Deus, de que ele trará
isso eventualmente. De outro modo, este mundo seria
governado caoticamente. Moralmente falando, deve existir Deus, porquanto
somente a «divindade» pode ter inteligência e poder
suficientemente profundos para saber como julgar e galardoar. Por conseguinte,
a imortalidade também deve ser um fato, pois neste mundo isso não se cumpre.
Assim, pois, a concretização da justiça deve esperar o mundo posterior, e os
homens deverão sobreviver à morte física, a fim de poderem ser julgados. Há uma
eterna lei da colheita, segundo a semeadura, a qual se aplica a todos os
homens. (Ver Gl 6:7,8). Até mesmo os crentes receberão aquilo que
tiverem praticado «...por meio do corpo», no dizer de 2 Co 5:10. (notas Bibliografia Normam
Russel Champlin,enciclopédia da bíblia.)
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