O urbanismo da cidade
interior: arruamentos
Os eixos de comunicação terrestres eram
igualmente importantes na estruturação do espaço urbano. O texto Tintir indica que cada porta se abria para
uma grande avenida, mas as únicas que foram claramente identificadas no local
são a Via Processional (Ay-ibur-šabu; "que o inimigo arrogante não
passa") e outra que leh era transversal. A primeira tinha cerca de 900
metros, era retilínea, orientada aproximadamente na direção norte-sul, e ia
desde a Porta de Ishtar até ao bairro sagrado. A segunda cruzava a Via
Processional ao nível do complexo religioso, tinha pelo menos 500 metros de
comprimento e ia até à ponte, passando entre a muralha do zigurate e do
Esagila. Ambas eram pavimentadas com placas de cerâmica ligadas com betume. A
Via Processional, que como o seu nome indica, era um eixo de primeira
importância durante as cerimónias religiosas, tinha mais de 20 metros de
largura e era decorada, pelo menos em parte, com frisos em tijolos vidrados com
leões e rosáceas.O único bairro residencial que foi escavado situava-se no
sítio do Merkes, a leste da Via Processional e do complexo sagrado, entre os
antigos bairros de Ka-dingirra, Eridu e Shuanna. Os seus arruamentos são
caraterizados por ruas estreitas aproximadamente retilínea que se cruzavam
praticamente em ângulo reto. Trata-se possivelmente da herança de uma antiga
planta ortogonal planeada que foi alterada devido oas rearranjos das
construções, frequentes devido à alteração rápida das construções em tijolos
crus, que têm que ser regularmente restauradas.
Os arruamentos do Merkes delimitam quarteirões
de habitações com 40 a 80 metros de lado, onde foi escavada uma dezena de
casas, datadas entre a época neobabilónica e a época parta, as únicas
residências escavadas em Babilónia. Essas escavações possibilitaram ter uma
ideia de aspetos materiais da vida dos antigos habitantes da cidade.Construídas
em tijolos de argila crua, ocupam áreas entre 196 e 1 914 m² ao nível do solo
(a superfície habitável é inferior, pois tem que se descontar p espaço ocupado
pelas paredes). A área média é cerca de 200 m². Isto ilustra uma sociedade
muito hierarquizada mas sem grandes separações entre ricos e pobres. Cada
residência tem pelo menos 8 divisões e no máximo 20. São organizadas de forma
caraterística em volta de um espaço central que pode ser aberto e de uma
divisão de receção retangular, que dá acesso a outras salas cuja função é
geralmente impossível de definir. Estas casas dispunham provavelmente de um
andar (ou mesmo três ou quatro, a acreditar na descrição de Heródoto. Nas
épocas helenística e parta, conservaram a mesma organização geral, mas os
espaços centrais de algumas casas ricas foram reconstruídos para tomarem a
forma de um pátio peristilo, o que testemunha uma influência grega. O
mobiliário encontradas nas casas era modesto: essencialmente loiça em barro
cozido por vezes em pedra ou em vidro, bem como algumas placas e estatuetas em
cerâmica, representando génios ou demónios que sem dúvida teriam funções de
proteção.
Os habitantes de Babilónia: economia e
sociedade
Nas casas de Babilónia foram encontradas
tábuas de argila escritas em cuneiforme, que lanaçam alguma luz, ainda que
limitada, sobre a vida quotidiana dos antigos habitantes da cidade, em
particular sobre as atividades económicas dos mais ricos. A vida dos habitantes
da cidade mais povoada da antiga Mesopotâmia é por isso mal conhecida. A
população da cidade era muito cosmopolita, com a vinda de deportados,
mercadores, militares e de administradores da Síria do Levante e, mais tarde,
de persas e de gregos.
Durante as escavações regulares e clandestinas
foram encontrados vários conjuntos de textos que falam sobre as atividades
privadas de famílias de notáveis dos períodos neobabilónico e aqueménida. Nas
casas do Merkes foram achadas algumas tábuas com dados económicos, provenientes
de famílias de uma espécie de classe média, que versam sobre compras
imobiliárias, empréstimos e arrendamento de terrenos. Os lotes mais ricos
provêm de escavações clandestinas e documentam os notáveis do bairro de
Shuanna. O mais importante desses lotes é um de uma família de descendentes de
alguém chamado Egibi, que é constituído por cerca de 1 700 textos datados entre
os reinados de Nabucodonosor II (r. 605–562 a.C.) e de Xerxes I (r. 486–465
a.C.). A primeira geração conhecida, cujo chefe de família se chamava Shulaya,
prosperou comercializando localmente bens alimentares. A segunda geração foi
dirigida pelo seu filho Nabû-ahhe-iddin, que recebeu uma ampla educação que lhe
permitiu integrar a administração e tornar-se juiz real durante o reinado de
Nabonido (r. 555–539 a.C.). O seus sucessor Itti-Marduk-balattu assegurou os
interesses da família durante o domínio persa. O património da família (em
sentido lato) é bem conhecido pelo texto da sua herança, partilhada três
descendentes; é constituído por terrenos em Babilónia e nos arredores, até às
cidades vizinhas de Borsipa e de Kish. Pelos textos sabe-se também que a
família estabeleceu laços familiares com outras famílias notáveis.
Pelos arquivos do mesmo período conhecem-se
atividades similares de outras famílias, como a dos descendentes de Nur-Sîn e
da dos descendentes de Nappāhu. Algumas dessas famílias tiveram uma ascensão
social notável empreendendo diversas atividades, quer como titulares de cargos
na administração real ou dos templos, nomeadamente na tomada de prebendas, serviços
religiosos que davam direito a uma remuneração, quer em negócios privados, como
empréstimos, aquisição de propriedades, operações comerciais, etc. Porém, os
revezes são frequentes. Personagens deste tipo são igualmente conhecidos nos
períodos seguintes, através dos arquivos de Muranu e do seu filho
Ea-tabtana-bullit, no início da época helenística, e os de Rahimesu, que teve
um cargo de gestão financeira no Esagila no início do perído parta.
No entanto, essas famílias não eram da elite
da sociedade babilónica, a qual era constituída pelas pessoas mais próximas dos
reis babilónicos, persas ou gregos. Essa elite é mal conhecida. O único
personagem dessa categoria que é conhecido através de um lote de arquivos é
Belshunu, governador da cidade ao serviço dos reis aqueménidas na segunda
metade do século V a.C.. Este possuía ou tina a seu cargo várias propriedades
agrícolas espalhadas por toda a província e estava envolvido noutros negócios,
aparentemente com meios superiores aos dos notáveis da cidade. O arquivo está
incompleto pois é proveniente de escavações clandestinas.
Os estratos sociais mais baixos também não
estão bem documentados. Dele devem ter feito parte dependentes (escravos ou
não) permanentes das instituições (palácios e templos) que dominavam a vida
económica, além de trabalhadores livres que constituíam a mão de obra (uma
espécie de proletariado) para os trabalhos oferecidos de forma temporária pelas
instituições e pelas famílias ricas, nomeadamente na construção. Sabe-se que
uma parte dos habitantes da cidade ocupavam-se de atividades agrícolas.
A cidade é o centro de diversas atividades
económicas que servem de base aos negócios das famílias notáveis, em primeiro
lugar a agricultura praticada nos campos cerealíferos e nos palmeirais-hortas
situados no exterior das muralhas. Estes terrenos são os mais cobiçados pelos
notáveis da cidade, pelo lucro que davam devido à sua proximidade do importante
mercado de víveres que a cidade representava. Essas famílias dedicavam-se
também à comercialização de produtos agrícolas tanto desses terrenos como de outros
mais longínquos, usando a rede dos canais para o seu transporte. Iddin-Marduk,
da família dos descendentes de Nur-Sîn montou uma rede de recolha e de
encaminhamento para Babilónia das produções de camponeses estabelecidos nas
proximidades de canais (sobretudo cereais, tâmaras, legumes). Babilónia era uma
cidade comercial importante, que era um cruzamento regional e internacional
graças às vias terrestres e fluviais que a serviam. Os mercadores afluíam à
cidade para se abastecerem de matérias primas raras vindas de paragens
longíquas. Não obstante, o comércio regional e local eram o mais importantes.
São conhecidos vários espaços comerciais importantes na cidade: o porto fluvial
(kāru, "cais") e a ponte referida acima, além de uma parte do bairro
de Shuanna em redor da "Porta do Mercado" (uma porta interior).
Práticas funerárias
Estatueta em alabastro de uma deusa nua
proveniente de um túmulo descoberto por P. Delaporte, do século I a.C. ou I
d.C., Museu do Louvre
No decurso das vária campanhas de escavação
realizadas em Babilónia desde meados do século XIX que foram postas a
descoberto túmulos em vários locais. Eles cobrem um período que vai desde o
período neobabilónico até ao fim do domínio parta. As práticas funerárias
conheceram algumas modificações ao longo dos séculos, apesar dos elementos de
continuidade serem numerosos. Os túmulos da época neobabilónica foram
encontrados principalmente debaixo de residências, seguindo o hábito
mesopotâmico de enterrar os defuntos da família sob a residência dos seus
descendentes para manter a ligação entre mortos e vivos da comunidade, ligação
essa que se manifesta notoriamente num culto dos mortos. Foram também
encontrados vários jazigos subterrâneos familiares. Os mortos desse período
eram colocados dentro de sarcófagos de cerâmica, alguns compridos e ovais, com
uma tampa, e outros curtos, onde o cadáver era colocado numa posição flectida.
Durante o período aqueménida os túmulos são na
sua maior parte em fosso. Durante os períodos selêucida e parta, torna-se mais
comum o enterramento em posição alongada do que em posição flectida e o túmulos
em fossa tornam-se minoritários em relação aos de jazigo. São conhecidos
sarcófagos com a representação da forma da face do defunto no período
selêucida. Os defuntos mais ricos eram geralmente enterrados em jazigos
abobadados onde eram escavados nichos para acomodar o sarcófago.
O material funerário desses túmulos é
diversificado e pode ser muito relevante arqueologicamente, apesar da
maioridade dos túmulos desenterrados sejam de famílias menos ricas e por isso
apresentarem materiais simples (cerâmicas, ornamentos pessoais, estatuetas,
etc.). Contudo, alguns dos achados destacam-se dos restantes pela riqueza do
seu conteúdo. Uma exemplo disso é um túmulo do período aqueménida de uma
criança que foi depositada num vaso, que continha vários objetos e ricos
ornamentos, como um cinto decorado com pedras preciosas. Foram igualmente
descobertos túmulos ricos do período parta no tell Babil. O túmulo mais notável
que foi escavado em Babilónia foi o descoberto por Pacifique Delaporte em 1862,
datado provavelmente do século I a.C. ou I d.C. Trata-se de uma câmara
funerária abobadada que continha cinco corpos em sarcófagos, dois deles com
máscaras em ouro sobre as faces. Entre o rico espólio encontrado, estão
estatuetas em alabastro e divindades típicas daquele período, além de joias e
de objetos antigos como selos cilíndricos que remontam ao 4.º milénio a.C.
Antes de 539 a.C. e da conquista persa,
Babilónia foi a capital do império mais poderoso do Médio Oriente, o que
explica o seu crescimento. Os reis construíram ali vastos palácios que
refletiam o seu poderio. Esses palácios foram na generalidade desenterrados
durante as escavações. Esses edifícios continuaram a ser utilizados pelo poder político
depois da perda da autonomia da cidade, pois foram a residência de um
governador importante e foram usados por reis, como Alexandre, o Grande, que
pensava fazer da cidade a sua capital antes de morrer. A vida das elites
políticas de Babilónia é no entanto muito mal conhecida devido à ausência de
fontes similares às dezenas de tábuas que se conhecem sobre as capitais do
Império Assírio. Sabe-se muito pouco da corte e da administração central do
império babilónico ou dos governadores dos impérios sucessores.
Os palácios de Nabucodonosor II
Mapa do palácio sul. A, B, C, D, E: pátios
principais. 1: Sala do trono; 2: edifício abobadado; 3: bastião ocidental; 4:
edifício persa; 5: Porta de Ishtar
Uma das decorações em tijolos vidrados das
paredes da sala do trono do Palácio Sul: palmeiras, motivos florais e leões.Na
época de Nabucodonosor II Babilónia tinha três palácios reais: dois no setor do
Kasr, ao lado das muralhas e de bastiões, o "Palácio Sul" e o
"Palácio Norte"; e outro isolado mais ao norte, no tell Babil,
conhecido como o "Palácio de Verão". Só o primeiro foi devidamente
explorado pelos arqueólogos, conhecendo-se mal os dois outros. Várias
inscrições de fundação de Nabucodonosor II, que os restaurou ou reconstruiu,
permitem conhecê-los um pouco melhor, mas não permitem saber com exatidão quais
eram as funções exatas destes palácios e quais as ligações entre eles.[nt 12]
O "Palácio Sul" (Südburg na
denominação dos arqueólogos alemães que escavam a cidade), chamado
"Palácio do Maravilhamento do Povo" nas inscrições de Nabucodonosor
II, é o palácio real melhor conhecido de Babilónia.] Trata-se de um grande
edifício de planta trapezoidal adossado à muralha interior, que mede 322×190
metros. Era acessível através de uma porta monumental situada no lado oriental,
que dá para a Via Processional, perto da Porta de Ishtar. O edifício, que tinha
um andar superior, apresenta uma planta original: organizava-se em redor de
cinco unidades arquiteturais que se sucediam de leste para oeste, cada uma
organizada em volta de grandes pátios que asseguravam a comunicação. Os pátios
separavam cada uma das unidades em dois espaços distintos, um a norte e outro a
sul, que por sua vez eram organizados em pequenas divisões em tono de espaços
centrais. Aparentemente, as divisões da parte norte tinham uma função
administrativa, enquanto que as da parte sul constituíam os apartamentos reais.
Contudo, a separação espacial entre essas duas funções não parece tão clara
como nos palácios assírios.
O terceiro pátio, no centro do edifício, é o
maior de todos (com 66×55 m) e abre-se por três portas pelo lado sul para a
sala do trono. Esta grande divisão retangular, com 52×17 m, comportava um pódio
para o trono no seu centro. As suas paredes eram decoradas com tijolos vidrados
representando leões, palmeiras estilizadas e motivos florais. Uma outra parte
notável do palácio é o "edifício abobadado", situado a nordeste, que
mede cerca de 50×40 m e tem paredes espessas, que deve ter sido uma espécie de
armazém. Foi ali que foi descoberto o único lote de arquivo palaciano notável
da época neobabilónica, datado de 595 a 570 a.C., constituído por um conjunto
de tábuas com registo das entregas e distribuição de produtos para as rações
alimentares de cereais, tâmaras e azeite distribuídas aos dependentes do
palácio. Entre estes encontram-se famílias reais deportadas para a Babilónia,
nomeadamente Jeconias de Judá, preso na sequência da tomada de Jerusalém em 597
a.C., que é mencionado na Bíblia.
“ Tornei
magnífica a minha morada real. Com enormes vigas de cedro vindas das altas
montanhas, espessas vigas de madeira ašuhu (pinho?) e de cipreste fiz o
telhado. Painéis em madeira musukannu (uma essência preciosa), de cedro e de
cipreste, de buxo e de marfim, chapeados a prata e a ouro, umbrais e dobradiças
de bronze, coloquei nas suas portas. Mandei colocar no cimo um friso de
lápis-lazúli. Rodeei-o de um grande muro de betume e de tijolos, alto como uma
montanha; além do muro de tijolos, construi um enorme muro de imensas pedras,
provenientes das altas montanhas e elevei o seu cimo, alto como uma montanha.
Fiz esta casa para o deslumbramento! Para o deslumbramento de todos enchia-a de
mobiliário caro. Testemunhas majestosas, esplêndidas e arrepiantes do meu
esplendor real foram espalhadas [neste lugar]. ”
— Inscrição comemorativa da construção do
palácio de Nabucodonosor II.
Na extremidade ocidental do Palácio Sul,
Nabucodonosor mandou construir o chamado Bastião Ocidental (em alemão:
Westliche Auswerk), um edifício de forma retangular com paredes muito espessas
(18 a 20 metros), em parte no leito do rio, cujo curso obstruía, o que obrigou
a alterações no cais.
O chamado "Grande Palácio"
(Hauptburg) ou "Palácio Norte" foi igualmente construído na época de
Nabucodonosor II num alto sobre as muralhas imediatamente a norte do Palácio
Sul.Assente sobre um terraço, formava uma espécie de cidadela de planta
retangular com 170 a 180 por 115 a 120 metros. Era mais pequeno do que o
Palácio Sul e nele foram identificados dois grandes pátios para os quais abriam
vários corpos com divisões mal identificadas durante as escavações devido à
erosão. Era protegido pelo Bastião Norte. Foi no Palácio Norte que foi
encontrado um tesouro de guerra dos reis babilónicos, constituído por estátuas,
estelas e outras obras levadas para a cidade na sequência de campanhas
militares. O arqueólogo que dirigia as escavações qualificou o local da
descoberta como "museu". As inscrições de Nabucodonosor parecem
indicar que o edifício foi concebido como um espaço de lazer, ou seja, um verdadeiro
palácio que servia de residência real. Possivelmente tratava-se mesmo da
residência real principal, enquanto que o Palácio Sul teria funções mais
administrativas.
A mais de dois quilómetros a norte do Kasr, à
beira do Eufrates, no atual tell Babil, os arqueólogos alemães desenterraram um
edifício a que chamaram Palácio de Verão (Sommerpalast), devido ao facto das
salas parecerem ser ventiladas por uma espécie de poços de vento, que serviriam
para refrescar as divisões interiores nos períodos de calor intenso. Erigido no
final do reinado de Nabucodonosor II, as inscrições indicam que tinha uma
função principalmente defensiva, ao norte da muralha exterior construída pouco
tempo antes. Dele mais não restam do que os alicerces, que deixam perceber um
edifício de planta quadrada com 250 metros de lado, organizado em redor de dois
vastos pátios, que foi reconstruído em vários ocasiões depois da época
neobabilónica.
Os "Jardins Suspensos
Desde as primeiras campanhas de escavações que
se procura a "maravilha do mundo" de Babilónia — os Jardins
Suspensos, descritos por cinco autores de língua grega e latina, nomeadamente
Beroso (século III a.C.) e Diodoro Sículo (século I a.C.). Segundo uma das
versões desses relatos, tais jardins teriam sido construídos por Nabucodonosor
II para a sua esposa meda Amitis, que tinha saudades do seu país natal
verdejante.[139] Não foi encontrada qualquer menção a tal estrutura nas
numerosas inscrições de fundação do grande rei babilónico, pelo que a sua
identificação não tem sido possível. Foram procurados vestígios dos jardins no
setor palaciano do Kasr, seguindo as descrições encontradas nos textos antigos,
privilegiando as construções de paredes espessas, adequadas a suportar os
pesados jardins, e os edifícios cujas funções não estão devidamente
identificadas. A dificuldade de localização dos jardins advém principalmente do
facto de que se trata de uma construção em altura que forçosamente está
desaparecida desde a Antiguidade, pelo que é impossível descobri-la apenas
pelos achados arqueológicos, sem recorrer a indicações dos textos históricos.
R. Koldewey propôs que os jardins se situariam sobre o "edifício
abobadado" que tinha poços que poderiam servir para os irrigar, mas esta
interpretação é atualmente rejeitada. As identificações mais verosímeis são as
que os situam, em parte ou na totalidade, sobre o Bastião Ocidental. Segundo
esta hipótese, apoiada por exemplo por Donald Wiseman e Julian Reade, os
jardins seriam irrigados pela nascente existente no Bastião Oriental, uma construção
que foi identificada como uma fortaleza pelos arqueólogos alemães mas que
outros arqueólogos indentificaram posteriormente como sendo um vasto depósito
de água.
Ante a impossibilidade de encontrar uma prova
determinante da existência dos Jardins Suspensos da Babilónia, Stephanie Dalley
propôs que fossem procurados em Nínive, onde os textos de fundação descrevem
longamente grandes jardins e foi descoberto um baixo-relevo que os poderia
representar. Esta reinterpretação não tem aceitação generalizada e está longe
de ter posto termo à controvérsia, pois não há qualquer menção histórica
explícita a jardins suspensos em Nínive e nada permite excluir a sua presença
em Babilónia. Julian Reade e Béatrice André-Salvini admitem a possibilidade da
existência de jardins suspensos em Nínive mas é da opinião que também existiam
em Babilónia. Por seu lado, Jean-Louis Huot parece dar mais crédito à hipótese
avançada por Dalley. Há também quem sugira que as descrições dos monumentais
jardins suspensos derivam todas de um texto antigo que descrevia os jardins
reais babilónicos de forma exagerada que teria servido como fonte única dos
autores posteriores cujos escritos chegaram até nós. De facto, a única certeza
é que existiam realmente jardins reais em Babilónia como existiam nas capitais
da Assíria, nomeadamente os que são mencionados numa tábua do reinado de
Merodach-Baladan II (r. 722–703 a.C.), que enumera as diversas plantas que
cresciam num dos vários jardins, que em alguns casos eram prvenientes de
regiões longínquas.
Os locais do poder político sob domínio
estrangeiro
O setor dos palácios (Kasr) na atualidade,
depois das reconstruções e degradações recentes.Após a conquista de Babilónia
pelos persas, os palácios reais passaram a ser ocupados permanentemente por um
governador e pela sua administração, além de em algumas ocasiões também terem
sido usados com residência pelos reis aqueménidas quando eles se instalavam na
cidade. Como referido antes, os níveis conhecidos do Palácio Sul são geralmente
atribuídos aos reis neobabilónicos, mas uma parte do edifício data
possivelmente do período aqueménida. A única construção da época persa
claramente identificada nesse palácio pelos arqueólogos que escavaram o local é
o "Edifício Persa" (Perserbau), construído sobre um terraço
localizado a oeste, entre o palácio e o Bastião Ocidental, que é acessível a
partir do primeiro por uma porta que dá para uma esplanada. Trata-se de um
eidfício com 34,8 por 20,5 metros, erigido sobre um terraço artificial, cujas
estruturas são pouco visíveis. Segundo a reconstrução dos arqueólogos, a sua
entrada era um pórtico com colunas que abria para um hipostilo. Ali foram
encontrados fragmentos de decoração em tijolos vidrados representando
guerreiros e rosetas reminiscentes das dos palácios persas de Susa e de
Persépolis.Depois da conquista do Império Persa por Alexandre, este residiu
durante algum tempo num dos palácios de babilónia, onde morreu. Os selêucidas
que dominaram a região após a morte de Alexandre estabeleceram a sua capital
mesopotâmica em Selêucia do Tigre mas continuaram a habitar os palácios reais
de Babilónia em algumas ocasiões, como foi o caso de Antíoco I, que residiu em
Babilónia quando era o príncipe herdeiro. O governador da cidade deve também
ter ocupado um dos palácios. O de Babil foi reconstruído nessa época, tendo
sido dotado de um pátio com peristilo e é provável que o mesmo tenha acontecido
com o palácio do Kasr.
No período parta, o palácio de tell Babil foi
convertido numa fortaleza com paredes espessas. As autoridades políticas locais
dos períodos selêucida e parta ocuparam novos locais. A comunidade dos cidadãos
gregos reunia-se no teatro construído na parte nordeste, na "cidade
nova", um vasto edifício cujas bancadas foram construídas sobre um aterro
(o tell Homera), aparentemente constituído por detritos desenterrados durante
as obras de terraplanagem empreendidas para a reconstrução do zigurate durante
o reinado de Alexandre e dos primeiros monarcas selêucidas.[64] É confinado a
sul por um vasto edifício com um pátio com colunas, erigido aproximadamente no
fim do período selêucida e o início do período parta, que é identificado como
um ginásio ou uma ágora. O órgão de governo que dirigia a comunidade babilónica
autóctone, o conselho nomeado pela administração do templo do Esagila liderado
pelo administrador deste último, reunia-se no "Edifício das
Deliberações" (Bīt milki), situado num parque urbano conhecido como
"Pomar dos Zimbros" (GIŠ.KIRI6 ŠEM.LI), que se localizaria na parte
sul da cidade, perto da da Porta de Urash e onde também havia templos.
Uma capital religiosa
A "Porta dos Deuses" tornou-se
progressivamente o principal centro religioso da Mesopotâmia, um processo
evolutivo que é difícil não colocar em paralelo com a afirmação da cidade como
capital política maior da parte sul do que era a região mais esplendorosa nos
planos cultural e político. O clero do Esagila, certamente apoiado pelo poder
real, elevou gradualmente o deus Marduque ao estatuto de principal deus do
panteão mesopotâmico graças a uma produção teológica impressionante. Os
santuários deste deus tornaram-se o conjunto mais vasto e mais prestigiado da
Mesopotâmia antiga e a afirmação de Babilónia como cidade santa teve também
repercussões no desenvolvimento de muitos outros santuários. Tudo isso deu
origem a uma vida religiosa e intelectual muito dinâmica
Marduque e o panteão babilónico
O deus Marduque e o seu animal-símbolo, o
mušhuššu (dragão-serpente).A divindade tutelar de Babilónia era Marduque, cujas
origens são obscuras e que foi gradualmente elevada ao topo do panteão da
Mesopotâmia, com o apio da realeza babilónica triunfante e pelo clero do
Esagila, durante a segunda metade do 2.º milénio a.C. Trata-se sem dúvida de
uma divinidade originalmente agrária, como ilustrado pelo facto de que tem uma
pá como atributo. Tornou-se um deus padroeiro do exorcismo, tendo sido
assimilado ao deus Asalluhi. Com a afirmação de Babilónia como potência
política com a qual Marduque era identificado, pois ele era considerado o seu
verdadeiro rei, toma o aspeto de deus soberano e concentra grandes poderes na
teologia, que se baseia nomeadamente na “Epopeia da Criação” (Enūma eliš). Por
vezes é chamado Bēl ("Senhor"). O seu nome entra na composição de
numerosos nomes de pessoas de Babilónia, atestando a sua popularidade na
cidade, mais forte do que noutras grandes cidades da Baixa Mesopotâmia que
conservavam muito reverência pelas suas divindades locais.
Nas relações com os outros deuses, Marduque é
considerado um filho de Ea e de Damkina; a sua consorte é Sarpanitu (por vezes
chamada Bēltiya), uma deusa sem personalidade própria, que só existe através do
seu esposo. O filho de ambos é Nabu, deus da sabedoria e divindade tutelar da
cidade vizinha de Borsipa, mas que também tinha locais de culto em Babilónia. A
outra grande divindade da cidade era Ishtar de Babilónia, conhecida também pelo
epíteto de "Senhora da Babilónia"( Bēlet Bābili), hipóstase local da
grande deusa mesopotâmica Ishtar, que tinha o papel de protetora das defesas da
cidade.
O santuário de Marduque
O conjunto religioso principal de Babilónia é
o que é dedicado ao deus da cidade, Marduque, chamado Esagila (em sumério:
É.SAG.ÍL, que significa algo como "casa da cabeça alta", um termo que
podia designar apenas o templo na parte inferior do complexo ou o conjunto do
santuário, com o zigurate incluído). arqueólogos alemães apenas puderam escavar
uma parte do templo devido ao facto do tell onde ele se encontra, Amran ibn
Ali, ser ocupado por uma mesquita, o que limita as explorações. As áreas
escavadas do antigo templo foram a parte ocidental, o pátio central para onde
se abriam as celas das divindades e algumas das salas que o rodeavam. A parte
oriental só foi estudada através de escavações em túnel nas quais foi
descoberto o contorno do edifício nesse lado. Alguns textos antigos, —
sobretudo a "Tábua do Esagila", um texto metrológico do qual foi
descoberta uma cópia do século III a.C. mas cujo original certamente que datava
do período neobabilónico, — permitiram completar os conhecimentos sobre as
partes não escavadas, não só a área oriental, mas também os apartamentos de
Marduque, o local mais importante do santuário.
O Esagila era constituído por um primeiro
antepátio com cerca de 103 por 81 metros, rodeado por um primeiro conjunto de
salas, acessível por uma porta monumental situada no lado oriental. Esse era o
local onde se reunia a assembleia de deuses presidida por Marduque durante a
festa de Ano Novo (Akitu). Este primeiro pátio dava para o pátio superior
("Pátio de Bel", ou seja de Marduque), que media 37,6 por 32,3 metros
e e que foi escavado. Este pátio estava rodeado de salas que constituíam os
apartamentos das divindades que residiam no templo (nomeamente Sarpanitu, a
esposa de Marduque, e o seu filho Nabu), o que o tornava uma espécie de pátio
do rei dos deuses. Este conjunto constituía o corpo principal do templo, que
tinha um perímetro de 85,59 por 79,3 metros. A cela de Marduque era ricamente
decorada e tinha numerosas ofertas. A estátua do deus, que se acreditava ser habitada
pelo próprio deus, era esculpida em madeira preciosa e envergava ricas roupas e
joias. O esagila estendia-se também a sul do primeiro pátio, numa unidade
organizada em torno de um terceiro pátio, dedicado aos deuses Ishtar e Zababa,
e cujas dimensões eram, segundo a "Tábua do Esagila", 95 por 41
metros.[carece de fontes]
90 metros a norte do Esagila erguia-se o
zigurate Etemenanki (É.TEMEN.AN.KI; "Casa da Fundação do Céu e da
Terra"), que passou à posteridade com o nome de Torre de Babel. Foi construído
num recinto com 460 por 420 metros, que ocupava uma parte considerável do
centro da cidade. O recinto muralhado incluía duas unidades arquitetónicas,
organizadas em redor de um pátio situado a leste, ao lado da porta monumental
que dava para a Via Processional, além de diversas divisões a sul. os
arqueólogos não têm dúvidas de que se tratava do setor administrativo do
santuário de Marduque — o Esagila tinha vastas propriedades e empregava muita
gente. O zigurate propriamente dito desapareceu na Antiguidade e só as suas
fundações (batizadas Sahn ["fogão"] durante as escavações devido à
sua semelhança com aquele utensílio de cozinha) puderam ser escavadas. Além
dessas escavações, os únicos dados de que se dispõem para ter uma ideia de qual
seria o seu aspeto são os que constam da "Tábua do Esagila", que
mencionam as dimensões e uma representação do edifício numa estela.
A base do zigurate era quadrada, com cerca de
91 metros de lado, e uma escadaria monumental conduzia ao cimo no lado sul.
Foram encontrados vestígios dessa escadaria ao longo de 52 m. A torre tinha
sete andares, que na prática eram seis terraços empilhados de tamanho
sucessivamente menor, que suportavam um templo no alto (šahuru). Segundo a
"Tábua do Esagila", tinha 90 metros de altura, mas este número é
considerado fantasioso e as estimativas mais recentes apontam para uma altura
de cerca de 60 m. O seu nome indica que o edifício simbolizava uma espécie de
ligação entre a Terra, o mundo dos humanos, e o Céu, o mundo dos deuses, além
de simbolizar o centro do mundo e o local onde Marduque o tinha criado. No
entanto, a sua função de culto é mal conhecida: Heródoto fala num rito de tipo
hierogâmico ("casamento sagrado") que era praticado no templo
alto;[169] fragmentos de uma tábua escrita em cuneiforme evocam o que pode ser
um ritual que tinha lugar no mesmo edifício, mas não há menções em quaisquer
outros textos rituais. A sua função de culto era provavelmente limitada, com o
templo baixo (o Esagila propriamente dito) concentrando a maior parte dos
rituais.
Depois do período neobabilónico, os edifícios
do santuário passaram por várias peripécias. O Esagila continuou a ser o
principal local de culto da cidade. A possibilidade de ter sido destruído
durante a repressão de uma revolta durante o reinado de Xerxes I é tema de
debate, mas é evidente que ele continuou a funcionar. O zigurate pode ter sido
destruído durante aqueles eventos. Em todo o caso, os textos que se referem ao
período de Alexandre e ao início do domínio selêucida apresentam o complexo
como estando em mau estado. O templo baixo, sem dúvida restaurado, ainda
funcionava, ao passo que o zigurate foi nivelado com a intenção que acabou por
nunca se concretizar de o reconstruir. Através de menções de outros autores
gregos e latinos e de textos cuneiformes sabe-se que funcionava nos séculos I e
II d.C.
Outros templos
Proposta de reconstituição do templo de Ninmah
Planta do templo de Ninmah"
O Tintir menciona os nomes de 43 templos
situado no interior de Babilónia, dos quais 13 se encontravam no "bairro
sagrado" de Eridu. Havia divindades que tinham vários templos: são
mencionados cinco de Ishtar e três de Nabu. Foram escavados e identificados
oito desses templos na parte ocidental da cidade interior, fora do complexo
principal. São de diversas dimensões e isolados do tecido urbano, mesmo quando
em alguns casos foram construídos em bairros residenciais, como o templo de
Ishtar de Acádia escavado no Merkes. Seguem a planta típica dos templos locais,
chamada "babilónica", também observada no templo de Marduque e que
tem reminiscências das residências humanas: uma porta que se abre para um
pátio, que por sua vez leva a uma antecela (vestíbulo) e depois à cela da
divindade principal do santuário, uma capela ao fundo da qual se encontrava um
nicho destinado a receber a estátua de culto. Várias salas rodeavam os espaços
destinados à circulação. As portas principais podiam ser abobadadas. O pátio do
templo de Nabu ša harê estav coberto de betume e as suas paredes apresentavam
uma decoração sumária em branco e preto. O bīt akītu, o templo onde decorriam
as cerimónias finais da festa do akītu, situava-se fora da muralha interior. É
possível que as ruas ruínas sejam as que foram escavadas por arqueólogos
alemães nos anos 1960, quando foi descoberto um complexo arquitetónico situado
a norte do Kasr.
Culto religioso
Um dos leões representados nos tijolos
vidrados da Porta de Ishtar, um animal-símbolo da deusa Ishtar.Os templos de
Babilónia eram centros de intensa atividade, pois neles decorria o culto
quotidiano das divindades que albergavam, que passava por alimentar
simbolicamente e vestir a estátua e ofertas acompanhadas de rituais. Tais
atividades justificavam a presença de uma categoria importante de pessoal de
culto, os erīb bīti, as únicas pessoas autorizadas a entrar no espaço sagrado
do santuário e a ali realizar os rituais. O culto necessitava ainda da
participação de outros tipos de pessoal mais numerosos, nomeadamente os que
forneciam alimentos e objetos de culto. Para levar a cabo essas tarefas, os
templos dispunham de património constituído por terras, oficinas e outros bens,
provenientes sobretudo de ofertas, com destaque para as dos reis, que era igualmente
quem empreendia os trabalhos de restauro mais importantes. Toda esta
organização explica o facto dos santuários terem sido também centros económicos
importantes, em redor dos quais gravitava uma parte considerável da população
da cidade e dos campos em volta.
O calendário litúrgico de Babilónia estava
repleto de feriados religiosos mais ou menos regulares, alguns de frequência
mensal e outros anuais, mais excecionais. A principal festa religiosa era o
akītu, realizado no Ano Novo, no equinócio da primavera (21 de março), que
durava 12 dias e exigia a presença em pessoa do rei.Durante essa festa, as
estátuas de culto das grandes divindades da cidade reuniam-se no Esagila onde
prestavam homenagem a Marduque, antes de se reunirem no bīt akītu. A “Epopeia
da Criação” era recitada para recordar os grandes feitos desse deus durante uma
procissão que percorria a cidade. O rei renovava simbolicamente o seu mandato.
Esta festa, aparentemente grandiosa, tinha como objetivo celebrar a renovação
da natureza na primavera, mas também afirmar a forte ligação entre o grande
deus Marduque e o rei, considerado o seu representante na terra. Ela requeria a
presença da estátua do deus e do soberano, o que não era possível em períodos
de instabilidade ou após derrotas militares que tivessem envolvida a captura da
estátua pelo inimigo, o que constituía um grande infortúnio.
Na cidade eram celebradas outros feriados
importantes, como por exemplo um ritual de "casamento sagrado"
(hašādu) entre Marduque e Sarpanitu, ou outro que no qual era representado um
Marduque infiel perseguindo Ishtar enquanto ele próprio era seguido pela sua
esposa legítima.
Local de conhecimento
A função de culto e os recurso económicos dos
templos fizeram com que eles se tornassem os principais centros de cultura de
Babilónia. Vários templos produziram tábuas com informações técnicas,
científicos e obras literárias, que podem ter constituído acervos de
manuscritos que podem ser caracterizados como bibliotecas. Também foram
encontrados textos do mesmo tipo em residências privadas de pessoas letradas
(que de qualquer forma trabalhavam para os templos), que em alguns casos
serviam também como escolas de escribas. O lote mais importante desse tipo de
textos foi o descoberto em 1979 no templo de Nabu ša harê, o deus que
representava a sabedoria e que era o padroeiro dos letrados. É constituído por
mais de 2 000 tábuas escolares que formam um depósito votivo oferecido ao deus
pelos escribas aprendizes. Outras duas tábuas rituais encontradas num forno
podem indicar a existência de uma biblioteca no templo.
O principal local de conhecimento de Babilónia
era o Esagila, não obstante nele terem sido encontradas muito poucas tábuas
fazendo alusão a atividades intelectuais comparativamente às descobertas
relativas ao mesmo período em Nínive e em Uruk, que eram centros de
conhecimento de nível comparável. É evidente que o templo albergava uma
biblioteca e um grupo de letrados, constituído por sacerdotes especializados em
várias disciplinas (astrónomos/astrólogos, adivinhos, exorcistas, etc.). As
tábuas em cuneiforme mostram como o corpo de letrados do templo eram recrutados
e mantidos entre o fim do período aqueménida e o período helenístico. Um texto
descreve o recrutamento de um astrólogo/astrónomo: ele ocupava o cargo exercido
pelo seu pai, o que era corrente entre os letrados da época, mas devia passar
num exame perante o conselho do templo para provar as suas competências. Era
remunerado com um salário anual e um terreno que lhe era concedido. Eram-lhe
atribuídas obrigações: fazer as observações celestes, redigir textos técnicos,
sem dúvida almanaques ou efemérides característicos da ciência que conhecia
então o maior desenvolvimento na Babilónia. Esta organização era também
aplicada nas outras especialidades e pode ter inspirados os gregos quando eles
criaram a Biblioteca de Alexandria e o seu Μουσεῖον (Museion,
"Museu") seguindo princípios que apresentam semelhanças com a
organização do Esagila.
Várias obras da literatura mesopotâmica (em
sentido lato, incluindo textos rituais e técnicos) são atribuíveis ao clero da
Esagila. Pode estimar-se que os grandes textos exaltando Marduque (“Epopeia da
Criação”, Enūma eliš) e a importância da cidade (TINTIR=Babilu, Tábua do
Esagila) são da sua autoria, bem como os textos rituais ligados ao culto do
grande deus babilónico e ainda vária crónicas históricas centradas em Babilónia
ou nos seus templos e o texto sapiencial “Ludlul bel nemeqi” ("Louvarei o
Senhor da Sabedoria", também conhecido como "Monólogo do Justo
Sofredor"), um lamento em verso dirigido ao deus por um homem atingido
pela injustiça. certos textos são atribuídos a autores cujo nome remete ao
templo ou ao deus e que eram manifestamente sacerdotes do templo, como a
“Epopeia de Erra”, de Kabti-ilani-Marduk, um relato que procura explicar o
período caótico pelo qual passou Babilónia no início do 1.º milénio a.C. pelo
abandono da cidade pelo seu grande deus Marduque, enganado pelo deus Erra, que
personificava a guerra no seu aspeto destruidor; ou a “Teodiceia Babilónica”,
um texto sapiencial redigido por Esagil-kina-ubbib em forma de uma discussão
entre dois indivíduos sobre as relações entre deuses e homens.O exemplo melhor
conhecido dos letrados do Esagila é Beroso, que no início do século III a.C.
escreveu “Babyloniaka”, uma obra em grego da qual apenas nos chegaram citações
e resumos, que visava apresentar a tradição babilónica a um público letrado
grego. para escrever a sua obra, Beroso serviu-se das tábuas disponíveis na
biblioteca do Esagila. Segundo os elementos biográficos conhecidos, ele teria
terminado a sua vida a ensinar astronomia e astrologia na ilha grega de Cós a
gregos e sabe-se que estes reconheciam a grande mestria que os babilónios
tinham atingido nesse domínio.
O Esagila e os templos de Babilónia, juntamente
com os de Uruk, foram os últimos locais onde se sabe que o conhecimento da
Mesopotâmia antiga foi transmitido depois do período helenístico. Foi em
Babilónia que foi descoberta a tábua em cuneiforme mais recente, que de forma
muito significativa, é um almanaque astrológico, datado de 74 ou 75 d.C.
Babilónia mitificada
Dada a sua importância política e cultural,
Babilónia tornou-se um elemento do imaginário e dos mitos de várias
civilizações, até mesmo muito tempo depois da sua queda. Os relatos relativos à
cidade, dificilmente dissociáveis da trajetória do reino do qual era a capital,
concentraram-se sobretudo no estatuto de cidade de proporções gigantescas e com
monumentos grandiosos, mas também, de forma mais negativa, no seu orgulho e nos
seus pecados. As fontes antigas fornecem a matriz dessas representações: em primeiro
lugar as fontes provenientes da própria teologia babilónica, nas quais a cidade
é considerada sagrada e situada no centro do mundo, depois nos escritos dos
autores gregos e latinos, que deixaram a imagem de uma vila gigantesca, e por
fim os autores dos textos bíblicos, que a apresentaram quase sempre numa
perspetiva negativa. Depois do seu desaparecimento, desenvolveu-se uma imagem
de grande cidade e símbolo do pecado, nomeadamente na Idade Média, quando as
fontes mais fiáveis sobre o que ela tinha sido realmente ficaram inacessíveis.
Nas civilizações antigas
Na Mesopotâmia
Depois, a partir do segundo ano,Do Esagila,
réplica do Apsu, eles ergueram o cume.Construíram a alta Torre de andares deste
novo Apsu,Ali instalaram um Habitáculo para Anu, Enlil e Ea.Então, em majestade
(Marduque) ali foi tomar lugar na frente deles, [...]
O Senhor (Marduque), no Lugar-muito-augusto
que eles tinha edificado para Habitáculo,Para o seu banquete convidou os
deuses, seus pais."Eis Babilónia, o vosso habitáculo e residência:
Inclinai-vos! Enchei-vos com o seu
júbilo!" ”
— "A construção de Babilónia pelos
grandes deuses para Marduque", na “Epopeia da Criação” (Enūma eliš) .
A ascensão política de Babilónia foi
progressivamente transportada para o domínio religioso e mitológico na
Mesopotâmia antiga, sobretudo devido à instigação dos letrados do templo da
cidade, em primeiro lugar do Esagila. Isso conjuga-se com a afirmação da
preeminência de Marduque como rei dos deuses, que se manifesta na redação do
século XII a.C. da “Epopeia da Criação”. Este relato mitológico decreve como
Marduque se tornou o rei dos deuses sendo o único capaz de salvá-los da ameaça
representada por Tiamat, ancestral de todos eles que simbolizava o caos. Depois
da sua vitória, Marduque criou o mundo com o cadáver de Tiamat e no seu centro,
no local onde se juntavam o Céu e a terra, instalou os grandes deuses em
Babilónia, a sua cidade que eles construíram, começando pelo seu grande templo.
Esta ideia segundo a qual Babilónia era o centro do mundo encontra-se
igualmente numa tábua que representa um mapa-múndi babilónico no qual a cidade
aparece no seu centro.
O estatuto mítico de Babilónia transparece nos
diversos textos topográficos relativos aos seus monumentos religiosos, como o
Tintir, que mostra a que ponto o espaço da cidade é marcado pelo sagrado, ou a
Tábua do Esagila, que informa das dimensões do zigurate Etemenanki com números
simbólicos. Este último representava o centro do mundo no local onde ele foi
criado e onde se ligam o Céu e a Terra (esse é o significado do seu nome). Essa
função de capital do cosmos estendia-se a toda a cidade, pois entre os epítetos
que a ela se aplicavam encontra-se um "Lugar entre o Céu e a Terra".
As crónicas históricas escritas pelo clero
babilónico destacam a ligação entre a a importância religiosa da cidade e do
seu deus e a sua importância política. Elas reconstroem um passado mítico
colocando a evolução dos eventos sob o prisma da relação entre os grandes reis
com Marduque e os seus templos de Babilónia: aqueles que mostram lhe pouco
respeito acabam por ser punidos mais tarde ou mais cedo. Isso constitui uma
mensagem para os reis seguintes, a quem eles aconselham tratar bem o deus e o
seu grande templo.
Autores greco-romanos
Os autores gregos e latinos foram testemunhas
da decadência de Babilónia mas preservaram a recordação da sua grandeza, dando
uma imagem amplamente mitificada que sem dúvida refletia mal a realidade com
que foram confrontados aqueles que realmente visitaram a cidade. O primeiro
desses autores a deixar uma descrição foi Heródoto, na primeira metade do
século V a.C., seguido por Ctésias no
fim do mesmo século. Ambos descrevem uma cidade gigantesca, sem dúvida a maior
do mundo que eles conheciam no seu tempo, e evocam grandes monumentos, nomeadamente
as muralhas. Ctésias menciona ainda a sua outra maravilha, os Jardins
Suspensos, e atribui a fundação a Semíramis. Esse topos de Babilónia como
megalopolis encontra-se também, com os seus monumentos e soberanos lendários,
por vezes com confusões com a história da vizinha Assíria, nos autores dos
séculos da viragem da nossa era como Estrabão, Flávio Josefo e Plínio, o Velho,
todos relatando o seu passado prestigioso e o facto da cidade ter caído em
ruínas. Progressivamente, a recordação de Babilónia foi-se deformando, não
obstante alguns autores que escreveram em grego ou latim terem registado
informações relativamente fiáveis sobre a sua história e a sua cultura,
baseando-se nos escritos do sacerdote babilónico Beroso ou em fontes locais,
como foi o caso do filósofo Damáscio (séculos V e VI d.C.).
Na Bíblia hebraica e no Novo Testamento
cristão
E vi uma mulher montada numa besta escarlate,
cheia de nomes de blasfémia, com sete cabeças e dez cornos
Essa mulher estava vestida de púrpura e de
escarlate, e adornada de ouro, pedras preciosas e de pérolas. Tinha na sua mão
um cálice de ouro, repleto de abominações e de impurezas da sua prostituição.
Na sua testa estava escrito um nome, um
mistério: Babilónia a grande, a mãe dos fornicadores e das abominações da
terra.
E vi essa mulher embriagada do sangue de
santos e do sangue de testemunhas de Jesus.
Passagem do Livro do Apocalipse
(17: 3 a 6)
Na Bíblia hebraica e a sua versão cristã (o
Antigo Testamento) há várias passagens nas quais Babilónia ocupa um papel
importante.[197] [198] A primeira é a descrição da Torre de Babel, relatada no
Génesis, onde Babel remete a Babilónia, sendo a torre uma manifesta derivação
do zigurate da cidade cujas primeiras testemunhas podem ter sido os exilados
judeus na Babilónia. Este relato conta como os habitantes da cidade de Babel do
país de Shinear, fundada pelo primeiro rei Nimrod, erigiram uma torre com o
objetivo de atingir o Céu, mas o "o Eterno" os impediu-os disso,
lançando a confusão[nt 16] entre eles fazendo-os falar várias línguas, de forma
a que eles deixassem de se compreender uns aos outros.
Babilónia aparece também nos livros da Bíblia
mais próximos da realidade histórica, nomeadamente o Segundo Livro dos Reis,
que relata as vitórias de Nabucodonosor II sobre o Reino de Judá, e o Livro de
Jeremias, que fala sobre os mesmos acontecimentos, evocando o princípio da
deportação para a Babilónia. Nestes textos transparece uma imagem ambígua de
Babilónia. Por um lado, ela é a cidade cidade odiada, capital do reino
dominador e orgulhoso que deportou os judeus e os forçou ao exílio doloroso e à
melancolia do país de origem "nas margens de rios da Babilónia"
(Salmo 137), mas por outro lado por vezes Babilónia e Nabucodonosor são também
apresentados como instrumentos da vontade divina. A imagem negativa da cidade é
retomada no Novo Testamento dos cristãos, nomeadamente por ser assimilada a
Roma, a nova potência dominadora e perseguidora. No Apocalipse de São João, a
"Grande Prostituta" tem o nome de Babilónia e a cidade é citada
várias vezes como símbolo do Mal e do engano.
A memória de Babilónia depois do seu fim
A recordação longínqua de uma grande
cidade[editar | editar código-fonte]
A construção da Torre de Babel segundo a
iluminura num manucristo russo do século XVI.Depois do desaparecimento de
Babilónia, a maior parte dos testemunhos diretos referentes à cidade foram em
grande medida esquecidos durante a Idade Média, quando a imagem da cidade se
deformou ainda mais. As fontes bíblicas constituíam então o essencial da
documentação de base que estava disponível. Os territórios que outrora tinha
estado sob o domínio babilónico pertenciam agora a estados muçulmanos e vários
autores de língua árabe e persa, sobretudo geógrafos e historiadores, preservaram
a memória do local das ruínas da cidade, que evocavam como primeira capital do
Iraque. As histórias que eles evocam a propósito da cidade baseiam-se
largamente na Bíblia ou nas tradições históricas iranianas, nomeadamente as
ligadas aos reis Nabucodonosor II (Bukht Naṣ[ṣ]ar) e Alexandre (Iskandar). A
cidade só é referida uma vez no Alcorão.
No mundo medieval europeu, a imagem de
Babilónia é ainda mais enevoada, baseando-se apenas nos textos bíblicos e nas
ilustrações dos manuscritos ela aparece como uma grande cidade onde a
arquitetura segue os padrões da época do artista. Com a redescoberta de textos
de autores gregos e latinos a partir do século XV, as representações puderam
passar a ser mais precisas, nomeadamente com a inclusão dos Jardins Suspensos. Estes
eram considerados como uma das sete maravilhas do mundo[94] e contribuíram para
cimentar a imagem de fausto e de civilização associado aquela grande capital
antiga. Mas são principalmente dois aspetos da cidade que interessam aos
autores do mundo cristão: o mito da Torre de Babel e a sua utilização com como
símbolo do Mal.
O mito da Torre de Babel
O sucesso do mito da Torre de Babel é dos
vetores essenciais da memória do passado de Babilónia no mundo cristão e, em
menor escala, também no mundo muçulmano. Este mito tem uma conotação
principalmente negativa, ligada ao pecado do orgulho dos homens atingidos pela
sanção divina por terem querido elevar-se demasiado. Tornou-se um tema
iconográfico muito prolífico durante o período medieval e ainda mais na época
moderna entre o século XVI e XVII. Durante este último período, o mito é
interpretado de forma mais ambígua em função das evoluções do tempo: sempre um
símbolo de orgulho, mas também da divisão dos homens durante os períodos de
guerra, nomeadamente as de cariz religioso, e de forma mais positiva, como
símbolo de uma humanidade confiante nos seus meios. Nas representações, a torre
apresenta formas muito variadas (piramidal, cónica, rampa helicoidal, base
quadrada, etc.), refletindo as tendências arquitetónicas do tempo em que foram
produzidas ou a imaginação do artista.
Um símbolo do Mal
O nome de Babilónia adquiriu gradualmente uma
conotação negativa no mundo cristão, devido à imagem deixada pelos relatos da
derrota e posterior deportação dos judeus para a Babilónia na época de
Nabucodonosor II. Os textos dos dos Padres da Igreja mostram o seu
desconhecimento da história da cidade e de uma deriva para a visão fantasiosa
negativa sobre ela, que fica enraizada na tradição cristã seguinte. Babilónia
tornou-se um símbolo do pecado e da perseguição. Roma foi identificada como uma
nova Babilónia na época da perseguição das primeiras comunidades cristãs e
bastante mais tarde quando os primeiros reformistas, com Martinho Lutero à
cabeça, fizeram de Roma a cidade do pecado, retomando o topos da "Grande
Prostituta" do Apocalipse. Na iconografia da Europa medieval, tanto no
Ocidente como no Oriente, em Bizâncio e na Rússia, a imagem de Babilónia como
cidade do Mal é generalizada, nomeadamente sendo associada a uma serpente
simbolizando o pecado. O seu destino é marcado por um fim funesto, o da sua
queda e abandono.
Esta imagem negativa do termo Babilónia
permaneceu ao longo do tempo. Na atualidade, diversos movimentos messiânicos
dos Estados Unidos ainda usam a metáfora babilónica para descrever a origem do
que é considerada como uma perseguição e Nova Iorque é por vezes designada como
uma "Babilónia moderna".[210] O nome da antiga cidade é também usado
para condenar a opressão e corrupção nos discursos do movimento rastafári e de
diversos estilos musicais como o reggae,e o rap.
Babilónia na cultura dos séculos XIX e XX
Cenário representando Babilónia no filme
Intolerância de D. W. Griffith, onde se misturam temas iconográficos assírios
com outros provenientes de civilizações exteriores à Mesopotâmia.A partir do
século XVIII, alguns autores céticos em relação à perspetiva das autoridades
religiosas matizam a imagem negativa de Babilónia, como por exemplo Voltaire,
que faz referência à cidade em vários dos seus escritos. No início do século
XIX, o romantismo e sobretudo o orientalismo despertam um novo interesse pelo
passado antigo do Oriente, um movimento que acompanha as primeiras escavações
de sítios antigos no Médio Oriente (não relacionados com a Babilónia) e
gradualmente apuram os conhecimentos, que no entanto continuam fortemente
marcados pela herança grega, romana e bíblica.
Babilónia surge em obras marcantes desse
período, como a pintura La Mort de Sardanapale ("A Morte de
Assurbanípal") de Eugène Delacroix (1827) e a ópera Nabucco de Giuseppe
Verdi (1842). As descobertas arqueológicas já podiam então ser tidas em conta
para fazer com que as representações da antiga Mesopotâmia se aproximassem da
sua aparência real antiga nas obras artísticas a partir da segunda metade do
século XIX, nomeadamente em pinturas como The Babylonian Marriage Market do
pintor orientalista Edwin Long (1875) e mais tarde no filme mudo Intolerância
de D. W. Griffith, realizado em 1916.[214] Depois disso, Babilónia aparece em
diversas formas de expressão artística (literatura, artes plásticas, cinema,
jogos de vídeo, etc.) que se inspiram, conforme os casos, em tradições externas
antigas e sua posteridade ou em conhecimentos provenientes de estudos
arqueológicos e assiriológicos.(Fonte wikipedia).
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