O olhar de Jesus na perspectiva da Criação (1)
O
primeiro aspecto da visão de Cristo é a Criação. Partindo do pressuposto
bíblico de que tudo o que existe foi criado por Deus (Gn 1.1), Jesus via todas
as coisas como o resultado do poder criativo do Pai, de quem a natureza
refletia a sua magnitude e perfeição. Pelo seu olhar, então, o mundo não é o
resultado do acaso, governado por forças imateriais e entregue à própria sorte.
Na verdade, esse universo possui as digitais do seu Criador; os céus manifestam
a sua glória e o firmamento anuncia a obra das Suas mãos (Sl 19.1), e todas as
coisas estão sob o seu controle.
Aos
olhos de Cristo, escreveu Dallas Willard, este é um mundo imbuído de Deus e
impregnado de Deus. É um mundo pleno de uma realidade gloriosa, onde cada
elemento está dentro da alçada do conhecimento e do controle diretos de Deus –
embora ele permita que algumas coisas, por bons motivos, sejam por enquanto
diferentes daquilo que ele deseja. “É um mundo inconcebivelmente belo e bom por
causa de Deus e porque Deus está sempre nele. É um mundo em que Deus age
continuamente e no qual ele continuamente se compraz. Enquanto o nosso
entendimento não perceber que cada coisa visível e cada acontecimento está
cheio da glória da presença de Deus, a palavra de Jesus não terá nos
conquistado totalmente” (A Conspiração Divina, p. 81). Por esse motivo, Willard
afirma que a boa nova sobre o Reino só será uma diretriz segura para a nossa
vida se enxergarmos o mundo em que vivemos como ele o enxerga.
A
ideia da Criação e da soberania divina sobre todas as coisas está na base da
lente de Jesus. Ao tomar a natureza como exemplo, ele diz para seus discípulos
evitarem a ansiedade pela solicitude da vida:
Olhai
para as aves do céu, que nem semeiam, nem segam, nem ajuntam em celeiros; e
vosso Pai celestial as alimenta. Não tendes vós muito mais valor do que elas?
E qual de vós poderá, com todos os seus cuidados, acrescentar um côvado à sua estatura?
E, quanto ao vestuário, por que andais solícitos? Olhai para os lírios do campo, como eles crescem; não trabalham nem fiam;
E eu vos digo que nem mesmo Salomão, em toda a sua glória, se vestiu como qualquer deles.
Pois, se Deus assim veste a erva do campo, que hoje existe, e amanhã é lançada no forno, não vos vestirá muito mais a vós, homens de pouca fé?
Não andeis, pois, inquietos, dizendo: Que comeremos, ou que beberemos, ou com que nos vestiremos?
Porque todas estas coisas os gentios procuram. Decerto vosso Pai celestial bem sabe que necessitais de todas estas coisas;
Mas, buscai primeiro o reino de Deus, e a sua justiça, e todas estas coisas vos serão acrescentadas.
Não vos inquieteis, pois, pelo dia de amanhã, porque o dia de amanhã cuidará de si mesmo. Basta a cada dia o seu mal. (Mt 6.26-34)
E qual de vós poderá, com todos os seus cuidados, acrescentar um côvado à sua estatura?
E, quanto ao vestuário, por que andais solícitos? Olhai para os lírios do campo, como eles crescem; não trabalham nem fiam;
E eu vos digo que nem mesmo Salomão, em toda a sua glória, se vestiu como qualquer deles.
Pois, se Deus assim veste a erva do campo, que hoje existe, e amanhã é lançada no forno, não vos vestirá muito mais a vós, homens de pouca fé?
Não andeis, pois, inquietos, dizendo: Que comeremos, ou que beberemos, ou com que nos vestiremos?
Porque todas estas coisas os gentios procuram. Decerto vosso Pai celestial bem sabe que necessitais de todas estas coisas;
Mas, buscai primeiro o reino de Deus, e a sua justiça, e todas estas coisas vos serão acrescentadas.
Não vos inquieteis, pois, pelo dia de amanhã, porque o dia de amanhã cuidará de si mesmo. Basta a cada dia o seu mal. (Mt 6.26-34)
É
interessante notar nessa passagem o modo como o Mestre ensina os seus
discípulos: “Olhai para as aves do céu, que nem semeiam, nem segam, nem ajuntam
em celeiros; e vosso Pai celestial as alimenta”. No grego, a palavra “olhai”
(emblepõ) significa observar de forma fixa; contemplar; discernir de forma
clara (Bíblia Palavra Chave, CPAD, p. 2184). Logo, Jesus nos manda olhar o
mundo a fim de descobrir as maravilhas do Criador e o seu poder providencial
até mesmo nas coisas mais simples da natureza.
Ver
e compreender todas as coisas pelo foco da Criação não é algo puramente
teórico, mas tem consequências práticas e magníficas para a vida pessoal e para
a história humana, atingindo questões éticas, culturais e jurídicas, pois as
implicações dos valores e princípios dela decorrentes, como a soberania divina,
o propósito da vida, a dignidade humana e a igualdade entre as pessoas conferem
padrão absoluto à verdade e valor intrínseco à vida, fundamentando assim um
padrão adequado de existência em sociedade.
Por
conta disso é que o Cristianismo - a par dos ensinamentos de Cristo - é o
alicerce da civilização ocidental. Dinesh D’Souza lembra que o Cristianismo
tomou esse continente retrógrado e deu-lhe ensino e ordem, estabilidade e
dignidade. “Onde só havia um lugar desolado, eles produziram aldeias, depois
vilas e, por fim, comunidades e cidades. Ao longo dos anos, o selvagem
guerreiro bárbaro se tornou um gentil cavaleiro, e se formaram novos ideais de
civilidade, de comportamento e de romance que moldam a nossa sociedade até
hoje” (A Verdade do Cristianismo, Thomas Nelson, p. 64). Segundo D’Souza o
Cristianismo é responsável pelo modo de vida e pela organização de nossa
sociedade, com contribuições para as nossas leis, nossa economia, nossas artes,
nosso calendário, nossos feriados e nossas prioridades morais e culturais, o
que levou o escritor J. M. Roberts a escrever: “É bem provável que nenhum de
nós fosse o que fosse hoje se um punhado de judeus há quase dois mil anos não
tivesse acreditado que haviam conhecido um grande mestre, que o haviam visto
crucificado, morto e enterrado, e depois ressuscitado”.
Grande
parte da importância da cosmovisão cristã para a história da sociedade decorre
justamente do conceito cristão da Criação, afinal, em primeiro lugar ela dá
sentido e significação à vida, apontando para o propósito da existência humana,
como fruto de um desígnio perfeito de um Deus amoroso (Jo 3.16) e sábio. Por
isso, não somos acidentes e muito menos vivemos à deriva, sem rumo e sem
direção.
Jesus
via as pessoas por esse prisma. Ele valorizava cada pessoa individualmente não
pelo seu status social, posição eclesiástica ou por algum benefício que pudesse
receber, mas pelo seu valor intrínseco. Suas vidas faziam sentido e tinham
significado, não em virtude de algo que tenham feito, mas em razão de trazerem
consigo o desígnio de Deus sobre suas vidas. Percebemos isso ao ver o mestre se
aproximando dos marginais, pecadores e publicanos, a fim de tocar e transformar
suas vidas.
O olhar de Jesus na perspectiva da Criação (2)
Ao
contrário da cosmovisão cristã, a visão de mundo naturalista pressupõe a
inexistência de propósito para a existência humana. Logo, a vida não tem
sentido, restando somente um mundo vazio e desprovido de valor, onde impera o
caos e a desesperança. Por essa razão, Ravi Zacharias diz que quando alguém
tenta viver sem Deus, as respostas à moralidade, à esperança e ao sentido da
vida o enviam ao seu próprio mundo para moldar para si uma resposta
individualizada. Ele escreve: “Fora do Cristo não há lei, não há esperança e
não há sentido. Você, e só você, é aquele que vai determinar e definir estes
elementos essenciais da vida; e você e só você, é o arquiteto da sua própria
lei moral; você e só você, idealiza sentido para a sua vida; você, e só você,
arrisca tudo o que tem baseado numa esperança que você imagina” .
Willian Lane Craig também expressou o absurdo da vida sem Deus
da seguinte forma:
Se Deus não existe, tanto o ser humano
quanto o universo estão inevitavelmente condenados à morte. O ser humano, como
todos os organismos biológicos, tem de morrer. Se esperança de imortalidade,
sua vida apenas caminha para o túmulo. Sua vida não passa de uma faísca na
escuridão infinita, uma fagulha que aparece, reluz e morre para sempre”.
[...] Sem Deus ... o ser humano e o
universo seriam simples acidentes do acaso, jogados na existência sem motivo.
Sem Deus o universo é resultado de um acidente cósmico, uma explosão aleatória.
Não há motivo pelo qual ele exista. Quanto ao ser humano ele é um capricho da
natureza – um produto às cegas de matéria mais tempo mais acaso. O ser humano
não passa de uma massa gosmenta que evoluiu até à racionalidade. Não há mais
propósito na vida para a raça humana do que para uma espécie de inseto; ambos
são resultado da interação cega de acaso e necessidade.
É por esse motivo que o ateísmo não consegue explicar e atribuir
sentido à vida de forma coerente. (Apologética contemporânea, p. 28).
De volta ao nosso tema, essa ausência de propósito objetivo cria
aquilo que J. P. Moreland (O triângulo do Reino, p. 32) chama de “eu vazio”.
Segundo ele, o “eu vazio” está tão difundido na cultura atual que às vezes
chega a ser tratado como praga cultural. Ele cita o psicólogo Philip Cushman: o
eu vazio está repleto de bens de consumo, calorias, experiências, políticos,
parceiros românticos e terapeutas empáticos. [...] o eu vazio experimenta uma
ausência significativa de comunidade, tradição e sentido compartilhado, [...]
uma falta de convicção e mérito pessoal, e incorpora essas carências como uma
fome emocional crônica e indiferenciada”. Nesse ambiente social onde a vida é
desprovida de finalidade última, as pessoas tentam atribuir sentido a outras
coisas, como o consumismo, o sucesso e o hedonismo, gerando com isso uma
cultura dessensibilizada, ultrassexualizada, viciada em promiscuidade e
pornografia, que falha em satisfazer o anseio pelo drama que nos foi dado por
Deus, como afirma J. P. Moreland.
Segundo estudo da Universidade Rush, nos EUA, ter um propósito
na vida está associado a menores taxas de mortalidade entre os idosos. “Um
propósito na vida reflete a tendência de aferir significado das experiências de
vida e ser focado e planejado”, destacou a pesquisadora Patricia A. Boyle. A
análise de mais de 1,2 mil idosos que não tinham demência indicou que aqueles
que relatavam terem propósitos maiores na vida tinham a metade do risco de
morte, comparados aos voluntários com menos propósitos. E os resultados
persistiam após os pesquisadores considerarem renda, sintomas depressivos,
incapacidade, neuroticismo e número de condições médicas. Segundo os autores, a
mortalidade foi mais significativamente associada a três itens do questionário
de propósito na vida, que mediu a concordância dos participantes às seguintes
questões: “algumas vezes, sinto como se eu já tivesse feito tudo que há a fazer
na vida”; “eu costumava propor metas para mim mesmo, mas que agora parecem
perda de tempo”; “minhas atividades diárias frequentemente parecem triviais e
sem importância para mim” .
Talvez o leitor pergunte: Se a vida tem propósito, qual seria
ele? As Escrituras deixam transparecer que o sentido da vida não está em coisas
passageiras e idealizadas pelo próprio homem. Ao lermos o livro de Eclesiastes
percebemos que o sábio Salomão chegou à conclusão que o significado existencial
não estava nas coisas fúteis e temporais, como riqueza, trabalho, prazer e
poder. No final do livro, depois de observar o que se passava “debaixo do sol”,
ele coloca as coisas na perspectiva apropriada: “De tudo o que tem ouvido, o
fim é: Teme a Deus e guarda os seus mandamentos; porque este é o dever de todo
homem” (Ec. 12.13).
C. S. Lewis é quem melhor explica o sentido da vida a partir do
ponto de vista bíblico. Ele afirma que a razão da nossa existência neste
planeta é estabelecer um relacionamento com a Pessoa que nos colocou aqui e,
enquanto esse relacionamento não for estabelecido, todas as nossas tentativas
de conquistar a felicidade – nossa luta por reconhecimento, por dinheiro, pelo
poder, pelo casamento perfeito ou pela amizade ideal, tudo que buscamos por
toda a nossa vida – jamais serão suficientes, nunca podendo satisfazer
inteiramente o desejo, preencher o vazio, acalmar a ansiedade, ou nos fazer
felizes . No sermão “Peso de Glória” proferido na Universidade de Oxford Lewis
fala desse desejo inerente ao homem, cuja alma anela por algo superior e
sublime; “um desejo que nenhuma felicidade natural pode satisfazer”. Ele
escreve:
“A fome física de um homem não prova que
ele encontrará pão; ele pode morrer de fome numa jangada em pleno Atlântico.
Mas, com certeza a fome de um homem prova que ele pertence a uma espécie que
restaura o corpo por meio de comida e habitam num mundo onde existem
substâncias comestíveis. Da mesma maneira, embora eu não creia (quem me dera!)
que meu anseio pelo paraíso prove que eu vá usufruir dele, penso ser um sinal
bastante seguro de que existe algo parecido e de que alguns homens vão
encontra-lo. Um homem pode apaixonar-se por uma mulher sem conquista-la; mas
seria muito estranho se o fenômeno de ficar apaixonado ocorresse num mundo
assexuado”.
Em Cristianismo puro e simples Lewis escreve:
“Deus nos criou como um homem inventa uma
máquina. Um carro é feito para ser movido a gasolina. Deus concebeu a máquina
humana para ser movida por ele mesmo. O próprio Deus é o combustível que nosso
espírito deve queimar, ou o alimento do qual deve se alimentar. Não existe
outro combustível, outro alimento. Esse é o motivo pelo qual não podemos pedir
que Deus nos faça felizes e ao mesmo tempo não dar a mínima para a religião. Deus
não pode nos dar uma paz e uma felicidade distintas dele mesmo, porque fora
dele elas não se encontram. Tal coisa não existe”. (p. 66)
Isso significa que o ser humano somente compreende a razão do
seu viver quando se volta para o seu Criador; é como uma máquina que foi
planejada com uma finalidade específica e somente se sente plenamente
realizada, saciada, quando compreende e se volta para esse propósito:
glorificar a Deus e ser amado por Ele (Jo 3.16). Naturalmente todos possuem
esse senso de propósito. O salmista disse: “Assim como o cervo brama pelas
correntes das águas, assim suspira a minha alma por ti, ó Deus!”.
De acordo com a doutrina da Criação, então, temos uma capacidade
interna ou ainda, uma necessidade interior no recôndito do nosso espírito de
nos relacionarmos com Deus. Rejeitar essa realidade implica em falhar como ser
humano; alcançar a realização pessoal é se deixar ficar pleno de Deus.
Outras duas implicações decorrentes da Criação são dignidade e
igualdade humana. Em Gênesis 1.26-27 lemos o seguinte: “E disse Deus: Façamos o
homem à nossa imagem, conforme a nossa semelhança; e domine sobre os peixes do
mar, e sobre as aves dos céus, e sobre o gado, e sobre toda a terra, e sobre
todo o réptil que se move sobre a terra. E criou Deus o homem à sua imagem: à
imagem de Deus o criou; homem e mulher os criou”. Essa passagem bíblica é
paradigmática e estabelece o princípio segundo o qual todas as pessoas devem
ser tratadas com dignidade e isonomia, uma vez que temos a imagem de Deus, não
havendo distinção natural entre uma pessoa e outra.
Mais uma vez nos voltamos para o olhar de Jesus. Ele via cada
pessoa dotada de valor especial para Deus, até mesmo aquelas excluídas da
sociedade da sua época. Ele conversa com uma mulher samaritana, toca fisicamente
em leprosos e doentes, vai à casa de publicanos e perdoa até mesmo uma
adúltera. Todas essas coisas eram inconcebíveis naquele tempo. Tais pessoas,
por um motivo ou outro, eram rejeitadas, indignas de receber um tratamento
igualitário. Cristo afasta as barreiras da discriminação e trata cada pessoa de
forma especial, estabelecendo um dos conceitos chaves do seu ministério:
“Amarás ao Senhor teu Deus de todo o teu coração, e de toda a tua alma, e de
todas as tuas forças, e de todo o teu entendimento, e ao teu próximo como a ti
mesmo” (Lc 10.27).
Jesus nasceu em um estábulo. Teve pais muito pobres. Viveu em
total obscuridade na Galiléia. Por que Jesus assumiu uma posição tão baixa em
sua encarnação? Para que soubéssemos que ninguém fica fora de sua graça. Todos
são importantes aos olhos de Deus. Jesus identificou-se com aqueles que estão
no degrau mais baixo da escada, o que significa que todos têm esperança por
causa da encarnação do verbo; por causa da descida de Deus. Quer seja branco ou
negro, rico ou pobre, bonito ou feio. Todos são iguais aos olhos de Dele.
A dignidade humana é um atributo universal próprio do ser
humano, de procedência transcendente, que gera uma pretensão universal de
reconhecimento, respeito e proteção tendo como destinatários todos os
indivíduos e todas as formas de poder político e social . O jurista português
Jónatas Machado (Estado Constitucional e neutralidade religiosa, p. 38) lembra
que para a visão do mundo judaico-cristã, essa dignidade especial de ser criado
à imagem e semelhança de Deus manifesta-se nas peculiares capacidades
racionais, morais e emocionais do ser humano, na sua postura física erecta, sua
criatividade e na sua capacidade de articulação de pensamento e discurso
simbólico, distinta de todos os animais, por mais notáveis que sejam as suas
características. Jónatas destaca ainda que a teologia da imagem de Deus (imago
Dei) constitui a base das afirmações de grandes pensadores da história, a
exemplo de Francisco de Vitória, Francisco Suareza, Hugo Grócio, Samuel
Pufendorf, John Milton, John Lock James Madison e Thomas Jeferson, sobre a
dignidade, a liberdade e a igualdade, as quais viriam a frutificar no mundo
jurídico, especialmente o direito a liberdade individual e a capacidade de
autodeterminação democrática do povo .
O doutor Jónatas Machado ainda destaca: “A dignidade de cada ser
humano não é em função do seu valor de mercado, estatuto social, mediático ou
profissional ou montante o salario auferido. Do mesmo modo, ele não depende de
saber se o ser humano já nasceu ou não, se é criança, homem, mulher, idoso,
deficiente, rico, pobre, sadio, doente, presidiário, etc. Qualquer que seja sua
condição, os seres humanos têm um valor intrínseco e um significado moral que
lhes foi atribuído pelo Criador”.
Quanto à igualdade, se todos partem do mesmo Criador, não há
razão e muito menos justificativa para que um ser humano seja considerado
superior ou inferior ao outro, daí porque todos merecem ser tratados sem
distinção, independentemente da cor, raça, sexo, etnia ou religião. No
Cristianismo, o fundamento do tratamento igualitário é o próprio Deus que não
faz acepção de pessoas (At 10.34), para quem não há judeu nem grego; não há
servo nem livre; não há macho nem fêmea; porque todos são um em Cristo Jesus
(Gl 3.28). Os cristãos sempre acreditaram que Deus atribui a cada vida humana
que cria um valor infinito e que ama a cada pessoa de igual modo .
Ao contrário da cosmovisão cristã, as demais cosmovisões não
possuem uma base firme o suficiente na qual a defesa da dignidade humana possa
se apoiar. Qual é a justificativa pela qual as pessoas devam ser tratadas com
respeito e justiça se elas são meros acidentes biológicos?
Com efeito, muitas pessoas não conseguem compreender como a
adoção da teoria darwinista pode afetar drasticamente a forma como encaramos a
vida. Essas pessoas são cegas ante a evidência de que a entronização da teoria
de Darwin possui implicações para além do “âmbito científico”, capaz de jogar
por terra vários aspectos éticos dentro da esfera social. Lembro-me do livro
“The Natural History of Rap”, em que dois professores universitários defendem a
ideia de que o estupro não é uma patologia biologicamente falando, mas sim uma
adaptação evolucionária, uma estratégia para maximizar o sucesso reprodutivo. Para
os autores, o estupro é biológico, “um fenômeno natural produto da herança
evolucionária humana”, como “manchas de leopardo e de pescoço alongado da
girafa”. Em outras palavras, alguns homens podem recorrer à coerção para
cumprir o imperativo reprodutivo.
Esse exemplo mostra que a adoção da cosmovisão naturalista tem
sérias implicações contra a dignidade da pessoa humana, pois ao retirar Deus do
cenário, o darwinismo retira também os princípios que deveriam nortear a vida
em sociedade, sobrando tão somente o acaso, impulsos biológicos e materialismo,
de modo a tornar legítimo até mesmo o estupro, como um fenômeno natural produto
da herança evolucionária humana. Earl Aagaard observa muito bem que até mesmo
alguns evolucionistas chegaram a essa conclusão. Segundo ele, James Rachels, no
livro Created from Animals: The Moral Implications of Darwinism (Criado Como
Descendente de Animais: As Implicações Morais do darwinismo), conclui que o
darwinismo subverte a doutrina da dignidade humana. Os seres humanos não ocupam
um lugar especial na ordem moral; somos apenas outra forma de animal. De acordo
Aagaard, Rachels conclui que o darwinismo destrói qualquer fundamento para uma
diferença moralmente significante entre seres humanos e animais. Se o homem
descende de símios por seleção natural, ele pode ser fisicamente diferente de
símios, mas não pode sê-lo de modo essencial. Certamente não pode ser em
qualquer aspecto que dê aos homens mais direitos do que a qualquer animal. Nas
palavras de Rachels, “não se pode fazer distinções em moralidade onde nenhuma
existe de fato”. Ele chama sua doutrina de “individualismo moral”, e rejeita “a
doutrina tradicional da dignidade humana” junto com a ideia de que a vida
humana tenha qualquer valor inerente que os seres não humanos careçam”.
Nesse sentido, se a visão naturalista e secularizada do mundo
correspondesse à realidade, não encontraríamos qualquer fundamento moral ou
racional para afirmar de fato a especial dignidade da pessoa humana; isso
porque, como afirma Jónatas Machado, “um acidente cósmico não pode fundamentar
qualquer reivindicação plausível de dignidade e reconhecimento relativamente a
outro acidente cósmico, por mais inteligente que seja”.
fonte CPAD
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PAZ DO SENHOR
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