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segunda-feira, 28 de setembro de 2015

ASSEMBLEIA DE DEUS E A EDUCAÇÃO CRISTÃ


                 ASSEMBLEIA DE DEUS E A EDUCAÇÃO CRISTÃ



A educação não é projeto de uma só pessoa. Uma vez que ela será vivida por uma comunidade, é preciso que essa educação corresponda aos anseios desse mesmo corpo social. Além disso, ela precisa refletir a realidade do grupo a que se destina sem, contudo, meramente reproduzi-la e sim, interpretá-la criticamente.1 Uma educação assim, como se presume, não é orgânica, naturalista, dada, espontânea ou coisa que o valha, antes, é pensada, construída, intencional, planejada, concebida. Ainda assim, mesmo tendo esse princípio ideológico, essa educação precisa reconhecer sua inexorável sujeição histórico-contingencial. Ela e seus pensadores são tributários de seu tempo.

Dependentes dos paradigmas a que se opõem ou que a eles convergem, os que pensam a educação precisam ter lucidez suficiente para questionar a própria prática. Tal exercício, longe de ser um ato virtuoso, é ação obrigatória no quefazer pedagógico, pois, inoculados e dependentes das estruturas de pensamento em vigência da época, tais pensadores, por mais que tenham uma motivação altruísta para formularem sua teoria educacional, podem incorrer, involuntariamente, em uma concepção irreal do fenômeno educativo. Assim, qualquer instituição ou comunidade, igreja ou entidade que possuam sistemas educacionais próprios, precisam reconhecer a urgência e a imprescindibilidade de se refletir sobre sua prática pedagógica.

Diante desse saber, é preciso refletir sobre os desafios que, na atualidade, reivindicam uma resposta para que a ED nas ADs continue em sua caminhada evolutiva no futuro. Esse exercício torna-se mais exequível quando conhecemos nossa estrutura de pensamento, pois assim podemos repensar a identidade assembleiana, além de termos também as condições para questionar a nossa relevância.

A CPAD e sua política Educacional de democratizar o ensino

Há duas décadas, quando cheguei à AD, a denominação estava a dezessete dias de completar 80 anos e eu, aos quatorze, apenas iniciava a adolescência. À época, devido ao meu porte físico, fui acomodado na classe de jovens, cuja indicação da revista Lições Bíblicas é para a faixa etária adulta que se inicia a partir dos dezoito anos. Apesar de a revista Mensageiros da Fé (publicada naquela época) ser indicada para a faixa etária de 12 a 14 anos, não havia como situar-me naquele grupo, pois, a diferença, em termos de maturação biológica e psíquica de quem está saindo da terceira infância em relação a quem já está entrando na adolescência, é algo que, devido as necessidades e os anseios dos grupos, separa-os claramente. Dessa forma, o pré-adolescente e o juvenil (faixa na qual me enquadraria facilmente) permaneciam em uma espécie de “limbo pedagógico”.2 Evidentemente que havia a clara percepção educacional da necessidade de revistas específicas para essas faixas etárias, o que na realidade faltava era recursos para que o projeto pudesse sair do papel. A prova disso está na convocação da quarta capa da segunda revista de ED que estudei ainda em 1991, que tinha como título “CARIJ – a urgente missão de atualizar as revistas infanto-juvenis para a Escola Dominical”.3

A notificação é institucional e, por isso, o texto aparece assinado pela Divisão de Educação Cristã, que é o atual Setor de Educação Cristã. O que deve ficar claro é a preocupação recorrente da Editora com o aspecto intencional e planejado da educação através da ED. Na realidade, todo esse processo teve início ainda em 1974, com a criação do Caped pelo pastor Antonio Gilberto e patrocinado pela CPAD. Desse tempo para cá, muitos outros horizontes puderam ser vislumbrados na área do ensino em nossa denominação.

Em 1996, mais um grande salto em favor da democratização do ensino foi dado. As ADs, através dos seus líderes, superintendentes e professores, expressaram seus anseios à Casa Publicadora das Assembleias de Deus em relação ao material didático utilizado na ED. Ocorria no Rio de Janeiro, o 1º Encontro de Superintendentes de Escola Dominical. Nascida na visão do Diretor Executivo da CPAD, Ronaldo Rodrigues de Souza, esta iniciativa trouxe avanços consideráveis e desde então intensificou-se o processo de mudança curricular.

Como a democratização do ensino tem sido uma realidade para a Editora, a CPAD não parou por aí, contudo, em razão do espaço, não será possível detalhar a caminhada ascendente da Educação Cristã no contexto assembleiano, entretanto, os exemplos colocados deixam claro que a CPAD está atenta às mudanças e às demandas que os novos paradigmas educacionais estabelecem. A Casa é plenamente cônscia de que os novos tempos trazem novas expectativas, novos desafios e, justamente por isso, sua política educacional não poderia ser mais acertada ao franquear a palavra aos milhares de líderes, superintendentes e professores que, voluntariamente, se doam ao ensino da Bíblia Sagrada todos os domingos utilizando as revistas do currículo da CPAD. Em outras palavras, a Casa está aberta a sugestões, críticas e ideias que certamente servirão para o aperfeiçoamento constante do seu material de ED.

Mesmo com todo o trabalho desenvolvido pela CPAD, é preciso entender que, pela dimensão numérica de nossa igreja, existe ainda muita falta de participação nas aulas dominicais. Em 1991, dados oficiais do IBGE davam conta que as ADs, nesse tempo, possuíam cinco milhões de membros. Estimativas atuais e otimistas defendem que somos atualmente 20 milhões. Para fins de análise do que se pretende apontar aqui, esses dados chamam atenção para um aumento astronômico, pois a denominação cresceu o triplo em duas décadas, contra oitenta anos que a precederam! E é exatamente aqui que reside o problema. Pelas informações que existem, a participação na ED ainda é pífia, pois somente cerca de 20 por cento desse número é aluno e participa do mais importante programa de Educação Cristã da igreja. É bem verdade que de 1996 para cá, ou seja, desde o lançamento do Biênio da Escola Dominical 96/97, devido aos investimentos realizados na área curricular e na capacitação do professor, houve um crescimento de 10 por cento. Isso significa crescer em treze anos o mesmo percentual que demorou oitenta e cinco anos para ser atingido! Tal constatação indica claramente que a CPAD está na direção certa em relação àquilo que lhe compete.

Mesmo diante desses dados, alguns questionamentos se impõem: Se temos material de qualidade e o apoio necessário do ponto de vista pedagógico, o que é que nos falta? Mesmo sendo ainda muito forte a resistência ao saber nos círculos pentecostais, paradoxalmente, a CPAD como uma editora pentecostal, é a que mais investe na área da Educação Cristã e, de maneira específica, na ED. O que se conclui é que os avanços no campo teológico nos limites das ADs devem-se à intensa disseminação da literatura através da Editora.

Reprensar a identidade e questionar a relevância

Qualquer sistema de educação, seja qual a for a sua concepção do fenômeno educacional, quase nunca é algo pensado para o momento. A crise enfrentada pelas pessoas do tempo atual enseja uma reação visando à próxima geração. Howard Hendricks, afirma que “leva pelo menos vinte anos para o indivíduo descobrir que ele recebeu boa educação”.4 Isso significa que, se quisermos verificar mudanças substancias em nosso pensamento teológico e senso de missão cristã, ocorridas a partir da ED, é preciso estabelecer hoje o que queremos que esteja sendo prática corrente em 2030!

Pensar uma ED para a denominação é uma tarefa gigantesca e hercúlea. Há grandes desafios internos e externos que demonstram claramente as dificuldades de tal empreitada. Contudo, existe uma característica extremamente importante que pode ser o caminho para se pensar em pequenas — porém, massivas — transformações em nosso meio. Trata-se do fato de que qualquer pessoa que tenha a oportunidade de viajar pelo país conseguirá, sem muito esforço, identificar em nossas igrejas mais similaridades que diferenças. As poucas diferenças que existem são em áreas periféricas, pois no campo doutrinário a unidade é praticamente unânime. Tal fato, como já tive oportunidade de dizer em outro artigo, deve-se, sem dúvida, ao trabalho realizado pela CPAD ao longo dos seus 71 anos de existência, particularmente através da revista Lições Bíblicas.5

Antes de emitir o meu despretensioso parecer, devo deixar claro que é evidente que o tema dessa reflexão não está sugerindo uma preparação para um século, no sentido de cem anos. Mesmo porque, “a folhinha e o calendário são outros nomes para o relógio; por isso, são convencionais, repetitivos e historicamente vazios”.6 A proposta é pensar algo que existe há dez décadas, entendendo que a instituição ED, nas ADs, deverá enfrentar (se Jesus não levar o seu povo até lá, é claro!) outros cem anos, consciente de que os seus novos desafios são muito distintos dos do seu primeiro centenário, mas também reconhecer as amplas possibilidades que esse novo tempo traz. É natural que nesse momento grandes questões emirjam e reclamem respostas: Como deverá ser a ED no próximo século das ADs? Essa reflexão, porém, não tem sentido antes de se responder: Quais os desafios, do primeiro século, que ainda temos para transpor?

Uma vez que a ED é gerida por pessoas, mesmo que o material didático seja de boa qualidade, nada mudará se a perspectiva de quem a faz for de que ela nada mais é que uma reunião domingueira. Em outras palavras, o princípio básico da ED é o ensino da Palavra de Deus, mas nada impede que através dela outras atividades sejam desempenhadas. O exemplo de Raikes é extremamente oportuno nesse sentido. Ele não viu as crianças apenas como “almas” que precisavam livrar-se do inferno, mas como seres humanos integrais que precisavam de salvação, mas também de alimentação, conhecimento, instrução, educação e, sobretudo, a garantia de um futuro melhor.

Como reflexão humana sobre a revelação, a teologia pentecostal precisa fazer com que o dualismo antropológico e a dicotomia da realidade sejam eliminados. Mesmo crendo na instalação literal do Reino de Deus por Jesus Cristo, é preciso perceber a necessidade de uma atuação responsável da igreja, valorizando a redenção cultural, a produção do conhecimento como forma de atuação no mundo e ainda a salvação integral do ser humano, visando torná-lo útil ? já aqui na Terra ?, através da prática dos valores do Reino.

Cem anos indica a necessidade de manutenção e reafirmação doutrinárias, mas também de reconsideração dos elementos ideológicos que, estranhos ao conteúdo escriturístico, incorporaram-se à prática da igreja. Tais elementos são como parasitas que se instalam no tronco de uma árvore e roubam os nutrientes que devem chegar aos galhos. Nada se desenvolve em um vácuo atemporal ou em uma bolha. Assim, a teologia ou a formulação de regras de tradição, produzidas por homens (falíveis, diga-se de passagem), são tributários de seu tempo. E os que as produziu certamente foram influenciados pela estruturas de pensamento em vigência em suas épocas. E é aqui que inicia-se o entendimento de um aspecto chave que certamente apontará os possíveis caminhos para mudar a nossa prática: nossa visão de mundo (identidade) e nossa atuação no mundo (relevância). O “apego ao passado”, como escreveu Milton Santos, “pode significar uma identidade com as raízes, mas a escolha do futuro vai, sobretudo, depender d[o] entendimento do mundo atual”.7 Uma vez que os nossos antepassados cumpriram sua tarefa evangelística e deram o melhor de si, a leitura da realidade é o mínimo que podemos fazer para que preparemos a ED do futuro. A educação que se faz hoje, meramente repetindo o que se praticou no passado, tende a cair na mesmice porque a vida é dinâmica.

É preciso entender os problemas que originaram a criação do movimento de ensino dominical, pois a preocupação não era somente com a dimensão espiritual do ser humano. A educação através da ED foi uma forma de correção momentânea e circunstancial, ao mesmo tempo em que visava incidir sobre o futuro. E é aqui que reside a importância de pensá-la, e não apenas reproduzi-la. Eu diria que não se trata de reinventar a ED, mas de dizer como ela pode funcionar em nossa igreja e, particularmente, nesse contexto. Essa atitude certamente a enriquecerá e trará avanços significativos em nosso autoconhecimento apontando possíveis caminhos para a superação do dualismo teológico que restringiu a missão da igreja à simplesmente “ganhar almas” (e não seres humanos integrais!), muitas vezes esquecendo-se, inclusive, de educá-las para que se mantenham no Caminho.

Percebe-se claramente que a nossa estrutura de pensamento é dual e dicotômica. Isso quer dizer que o aspecto que divide nossas atividades entre secular/sagrado, santo/profano, mundo/céu, vida cristã/vida privada, homem espiritual/homem material etc., é algo já devidamente condicionado. Contudo, para efetivamente cumprir a missão que o Senhor Deus outorgou à igreja, é preciso romper com tal dualismo e dicotomia, o que consequentemente significa mudar nossa visão de mundo! Já é tempo de entender que se o Reino de Deus (em seu sentido apocalíptico, literal e político) não será implantado na Terra pela ação social; também não existe possibilidade de a igreja olvidar desse seu papel. Para conseguir alcançar essa nova geração será preciso preparar-se para entrar por esse caminho. O ponto em comum de toda a discussão consiste no dualismo antropológico e na dicotomia da realidade.


Essa cosmovisão maniqueísta, que hipervaloriza o “além escatológico” e esquece o mundo que é criação de Deus, que não reflete acerca do fato de o ser humano ter recebido um mandato cultural que lhe foi outorgado na Criação, tendo então a obrigatoriedade de cuidar da Terra, não tem respaldo bíblico, antes é fruto de um equívoco teológico e, como podemos inferir do que disse Jesus Cristo, a salvação de vidas é algo muito mais importante que o cumprimento de regras religiosas (Mt 12.1-13). Assim, qualquer visão pessimista e irresponsável que ainda exalta a omissão e torna a atitude egoísta algo piedoso com a desculpa de que “as coisas são assim mesmo, pois Jesus está voltando”, não tem mais espaço em um mundo preocupado em despertar nas novas gerações um senso de responsabilidade com a preservação do meio ambiente e com o desenvolvimento de medidas que diminuam a dor e o sofrimento humanos.
FONTE CPAD 

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