O Big Bang, o Universo Eterno e o Criacionismo
Parte 2 AUXILIO
No último texto, ao finalizar com a citação de
Lawrence Krauss dizendo que a interpretação do evento Big Bang (se este tivera
um início autogerado ou com o start de uma divindade) era irrelevante, pois tal
especulação metafísica não é necessária à compreensão científica do evento,
deixei uma dúvida no ar dizendo não acreditar que esta palavra expresse mesmo a
verdade, pois tanto Krauss, como Stephen Hawking e Mário Novello, demonstram
certa preocupação com o aspecto metafísico da explicação do universo. Todos os
que me acompanham sabem que sempre falei do fato de que em todos esses anos de
pesquisa acerca da relação entre ciência e religião ou fé e razão, os maiores
problemas que enfrento não vem propriamente da ciência e sim da teologia que,
pretendendo-se científica, insiste em pontos obsoletos que não aceitam revisão.
O problema dos proponentes do Criacionismo como uma teoria, por exemplo, é que
eles não querem que, à luz de novas descobertas, a teoria sofra modificações,
pois, como é óbvio, sendo uma teoria “bíblica”, logo, “revelada por Deus”, não pode
conter “erros” (coisa que é absolutamente normal em qualquer teoria). Por outro
lado, não se pode negar que cientistas comportem-se exatamente dessa forma e
não aceitem revisar suas propostas teóricas.
Já escrevi em outras ocasiões acerca da “fé dos
cientistas” (Veja aqui e aqui), mas não pude deixar de admirar-me mais uma vez
ao ler, no último domingo de outubro (26), a coluna do físico brasileiro
Marcelo Gleiser que fala exatamente desse assunto, inclusive, com o mesmo
título: “A fé dos cientistas”. Retomando aquilo que já foi dito diversas vezes,
Gleiser fala sobre o fato de os cientistas acreditarem, a priori, em um
universo ordenado de causa e efeito, pois de outra forma nenhuma pesquisa seria
possível (Este ponto, inclusive, é exaustivamente utilizado por apologistas
para provar a veracidade do criacionismo ou até mesmo a existência de Deus).
Conhecida como “determinismo”, como disserta Gleiser, essa visão sofreu vários
abalos com as descobertas da física quântica, pois em “mundo quântico, essa
certeza tem que ser posta de lado, e precisamos adotar regras baseadas em
probabilidades”. Apenas para constar, basta dizer, conforme Gleiser, que
ninguém menos que “Einstein, Schrödinger, Planck e outros grandes nomes da
ciência sofreram, recusando-se a aceitar isso”, pois para estes cientistas, “a
natureza tinha que seguir regras simples, determinísticas, mesmo se não
soubéssemos quais”. Para o físico brasileiro, professor do Dartmouth College,
em Hanover (EUA), “Esse tipo de postura só pode ser chamado de fé”, pois
significa justamente “acreditar numa natureza ordenada, racional, mesmo quando
se manifesta de forma aleatória”. Gleiser lembra então a famosa, e
incompreendida, frase de Einstein que, ao escrever a Max Born, disse que “‘Deus
não joga dados’”, pois tanto o cientista alemão como “outros”, diz Gleiser,
“buscaram teorias que explicassem as estranhas probabilidades quânticas como
manifestações de uma ordem mais fundamental. E falharam”.
Mesmo admitindo a existência de “fé” na ciência,
Marcelo Gleiser faz então uma ressalva, e diz que há “uma diferença essencial
entre a fé religiosa e a fé científica: dogma”. E completa, afirmando que em
“ciência, o dogma é insustentável, pois cedo ou tarde mesmo as ideias mais
arraigadas — se erradas — sucumbem à evidência dos dados. Em ciência, a fé numa
ideia errada tem de ser abandonada. Na religião, a evidência dos dados é
elusiva ou mesmo irrelevante, o que faz com que a fé seja uma proposta sempre
viável”. Aqui talvez seja interessante fazer alguns esclarecimentos acerca do
fato de que, para a fé religiosa, a descoberta, ou a evidência, dos dados ser,
ainda assim, algo, nas palavras de Gleiser, irrelevante ou elusivo. Isso,
claro, da forma como atualmente entendendo o que é “fé”. Primeiramente,
alinho-me com Roger Haight no reconhecimento de que, “em um mundo de radical
pluralismo [...], parece impossível descobrir algum fundamento de alguma ordem
na sociedade humana”, logo, é evidente que haja “ameaças à existência humana
[e] um dinamismo humano por superá-las”. Assim, a “busca de salvação, portanto,
inscreve-se na estrutura e na dinâmica mesmas da liberdade humana em ação”
(Dinâmica da teologia, p.35). Uma vez que “nenhum objeto finito, nenhum
conjunto de valores intramundanos, pode satisfazer o que é demandado pela
lógica da ação humana, na medida em que esta só pode consistir em um ser
infinito e absoluto”, conforme Haight é justamente “essa indisponibilidade que
determina a fé como dimensão constitutiva do ser humano” (Ibid., p.36). Toda a
humanidade, indistintamente, precisa de um fundamento para a busca da
“salvação”, isto é, a busca pelo livramento de sua derrocada e extinção. O fato
é que, “mesmo na ausência de um objeto que corresponda às exigências da ação os
seres humanos ainda devem escolher”, pois não conseguem viver em um “vácuo”,
sem em uma direção para a qual direcionar suas vidas e histórias.
Assim, nas palavras de Haigth, as “pessoas aceitam
algum centro de gravidade que equilibra as ponderações dos diversos valores em
sua vida”, e isso, apesar de não terem evidência alguma de que tal centro seja
ou não verdadeiro (Isso se se considerar como capaz o ponto de vista que decide
o que é ou não real). Na realidade, as pessoas adotam “um sistema de
significação que estabelece certas verdades fundamentais”, ou seja, as
“sociedades inculcam uma gama de objetos de fé que proveem uma unidade, uma
ordem compreensiva e inteligibilidade à vida”. Tal centro de gravidade torna-se
então em “objetos de fé”, pelo fato de que “a fé é compromisso vinculante com
esses objetos, verdades e valores que conferem sentido à existência humana em
seu nível mais fundamental”. Isso significa que, quando “os membros de qualquer
sociedade ou cultura os internalizam em sua vida, esses valores basilares não
podem ser reconhecidos como objetos de fé”, pois passam a “afigurar-se como
verdades evidentes por si mesmas”. No entanto, a “consciência histórica”, diz
Haigth, “informa-nos em que medida a fé permeia a vida humana”, pois, na
verdade, o “simples pluralismo desses valores fundamentais indica tratar-se de
objetos transcendentes de fé”. Tal “abordagem segundo um ponto de vista
concreto, existencial e histórico mostra que todos os seres humanos vivem em
consonância com alguma forma de fé”. Com base nessa constatação, Haigth, afirma
que a “fé é um fenômeno humano comum, uma dimensão essencial da ação humana que
constitui a existência humana em sua integralidade”. Em termos diretos, “todas
as pessoas têm fé” (Ibidem). É evidente que existem objeções a esse pensamento,
e podem ser apresentados contrapontos de estilo de vida baseados, por exemplo,
em prazer, consumismo e outros aspectos que parecem prescindir de algum tipo de
fé. Não obstante, “por trás desse comportamento aparentemente errático, na
medida em que é absolutamente responsável, pode-se detectar, mediante análise
redutiva, uma dedicação, um compromisso de fé, uma direção, um caminho em que
se empenhou o coração” (Ibidem.). Nesse caso, isso apenas significa que o
“objeto de fé pode situar-se bem abaixo em qualquer escala de valores” (Ibid.,
pp.36-37). Na verdade, o objeto de fé pode até mesmo “ocultar-se a uma
avaliação reflexiva”, e pode ainda “incorporar-se à lógica implícita do
comportamento de determinada pessoa ou povo”, mesmo assim, “algum objeto de fé
acha-se sempre operativo na medida em que é constituído pelo somatório das
decisões efetivas de um indivíduo” (Ibid., p.37).
Até aqui, a única coisa que se quis explicitar é que
a fé é própria dos seres humanos e que, a existência e o próprio fato do
“pluralismo dos objetos de fé revela que a fé é fé e não conhecimento passível
de demonstração, e que é universal e inescapável” (Ibidem.). Tal perspectiva
“antropológica da fé também liberta a fé em um objeto transcendente do peso de
uma heteronomia que nega a liberdade humana”, pois a “questão da fé é a questão
da salvação”. Isto é, essa abordagem “também indaga que objeto, que valor, que
realidade suprema vale mais a dedicação e o compromisso da liberdade humana”,
pois o “valor da liberdade humana pode ser mensurado pelo objeto de sua fé”.
Por mais absurdo que seja, “o paradoxo da fé é que a magnitude do objeto do
compromisso exalta a própria liberdade” e é nesse particular que se situa “a
convicção cristã de que Deus estabeleceu a liberdade humana como capacidade de
infinitude” (Ibidem.). Para além dessa discussão que, inclusive, pode parecer
demasiadamente cansativa, o fato é que a “fé consiste em um ser atuado e em uma
submissão a valores que transcendem a identidade”, em outros termos, o
“compromisso de fé exige uma espécie de dependência e de plenitude em relação
ao valor daquilo a que nos sujeitamos” (Ibid., p.39). Assim, a fé, para bem ou
para mal, é o quê de mais profundo e visceral possuímos, sendo responsável pela
orientação da nossa vida e pela busca da “salvação”, e isso, ainda se falando
em termos puramente antropológicos, significa que, conforme a “fenomenologia da
existência humana [...] a desvela”, a fé é “propensão ou esforço tendente ao
infinito” (Ibid., p.40). Isso obviamente não quer dizer que a fé não tenha
conexão alguma com a realidade presente. E também não significa que, como já
foi dito, não haja pessoas cuja dinâmica da vida não consista em um compromisso
com sua própria nação (ou outra!), com a riqueza ou outras coisas e, neste
caso, é preciso reconhecer que, no sentido estrito, tal fé não é “religiosa”.
Aqui, talvez, surja a necessidade de se fazer a
distinção apontada por Marcelo Gleiser, pois, grosso modo, conforme disserta
Roger Haight, a “realidade finita, em si mesma, não deve ser objeto de fé
religiosa” (Ibid., p.41). Por quê? Um exemplo bíblico ilustra o ponto. O texto
de João 20.24-29 relata o caso envolvendo a incredulidade, ou a dúvida, de Tomé
a respeito de seus amigos terem visto Jesus após a morte, ou seja,
ressuscitado. Oito dias depois de ter aparecido aos discípulos, Jesus retorna
ao mesmo local e, nessa oportunidade, encontra Tomé (tudo leva a crer que o
Mestre viera naquele dia justamente para isso). Cristo dirige-se ao duvidoso
discípulo e oferece-lhe exatamente o que Tomé dissera que solicitaria: “Põe
aqui o teu dedo e vê as minhas mãos; chega a tua mão e põe-na no meu lado”. O
discípulo então exclama o que se pode chamar de uma das grandes confissões
neotestamentárias — “Senhor meu, e Deus meu” —, mas é impossível não se notar o
tom retórico de Jesus: “Creste porque me viste?”. Ora isso não é “crer”, mas
exercer bom senso, pois se está diante da realidade e ainda assim não crê, o
problema deixa então de estar no objeto de fé, e vira-se para o próprio agente,
uma vez que, estando diante do que antes dizia não crer, se se é normal, não há
mais razão alguma para não acreditar. Por isso, Jesus completa:
“Bem-aventurados os que não viram mas creram!” (Evangelhos e Atos dos
Apóstolos. Novíssima tradução dos originais, p.216). É óbvio que a fé (fé
mesmo!), só pode referir-se aos que não viram. Estes sim, podem dizer que têm
fé, pois não contemplaram, apalparam e ainda assim creram. Agora, quem viu e
tocou, não precisa de fé, somente de bom senso, pois como afirmara René
Descartes, “ao mesmo tempo que eu queria pensar que tudo era falso, fazia-se
necessário que eu, que pensava, fosse alguma coisa. E, ao notar que esta
verdade: eu penso, logo existo, era tão sólida e tão correta que as mais
extravagantes suposições dos céticos não seriam capazes de lhe causar abalo,
julguei que podia considerá-la, sem escrúpulo algum, o primeiro princípio da
filosofia que eu procurava” (Discurso do Método, p.62). Em outras palavras, se
o cético duvida também de sua própria existência, então não há mais o que
fazer!
Desse percurso reflexivo resultam algumas
implicações. A primeira é que, de forma estrita, “a linguagem teológica deve
envolver o mistério transcendente. Caso contrário, não é uma afirmação de fé
nem uma asserção teológica. Na tradição da teologia cristã, o objeto próprio da
fé é, genericamente falando, restrito a Deus” (Dinâmica da teologia, p.41).
Assim, continua Haight, “a linguagem ou as afirmações que não comportem uma
experiência de transcendência, mas são corroboradas pela evidência empírica,
não são, estritamente falando, afirmações teológicas”. Como exemplo, Haight
cita o fato de Jesus ter sido um ser humano e diz que tal sentença “não
constitui uma afirmação de fé”, bem como, a “assertiva de que a Igreja é uma
comunidade de discípulos de Jesus não requer fé para ser apreciada por seu
valor de face”, ou seja, por ser algo visível e palpável. Dessa forma, em se
tratando dessas afirmações, é preciso reconhecer que são “julgamentos
empíricos” e, por isso mesmo, prescindem da fé, pois “uma afirmação teológica
implica transcendência” e, continua o mesmo autor, “em si mesmas, essas
afirmações não constituem proposições teológicas” (Ibid.). Os dois eventos mais
importantes da fé em Cristo — encarnação e ressurreição — são transcendentes e,
portanto, objetos de fé. E isso não apenas teologicamente, mas biblicamente,
pois o próprio Jesus fala da felicidade de quem não viu e creu, pois Ele
ascenderia novamente ao Pai e sabia que se alguém condicionasse o crer a ver e
apalpar, tal como Tomé, seria impossível crer, pois Ele não mais se
manifestaria dessa forma! Uma vez que o conhecimento, resultado da atividade científica,
nos termos de Gleiser (e reconhecido por ele como uma idealização), é “o
produto final da pesquisa científica [e] deve ser algo concreto, [posto que as]
hipóteses [...] devem ser comprovadas, [e os] dados obtidos em experimentos
passíveis de repetição por outros”, a fé, nesse sentido, não é conhecimento.
Mas também é preciso reconhecer que, se essa definição, ou visão do
conhecimento científico, diz o matemático John Lennox, fosse mesmo “sustentada,
ela não aceitaria a maior parte da cosmologia contemporânea como ciência”, pois
é complicado ver, por exemplo, “como o modelo padrão para a origem do Universo
pode descrever alguma coisa além de acontecimentos únicos — a origem do
Universo não é (facilmente) replicável” (Por que a ciência não consegue enterrar
Deus, p.44). Ao referir-se ao primeiro versículo da Bíblia, por exemplo, o
mesmo matemático diz que a “declaração de Gênesis é uma declaração de fé, não
uma declaração de ciência, exatamente como a asserção de Sagan (referindo-se à
frase o “Cosmos é tudo o que existiu, existe ou existirá”, registrada na obra
Cosmos) não é uma declaração de ciência, mas de sua crença pessoal” (Ibid.,
p.40).
fonte CPAD
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PAZ DO SENHOR
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